Juntei suas roupas, fiz a mala bem-feita,
Conforme ele gostava que eu a fizesse,
Abri a porta com toda a delicadeza,
Coloquei ela em seu carro e entreguei as chaves,
Olhei, do lado de fora, por favor vá embora,
Eu disse, não faltou calma muito menos coragem,
Não tem conversa? Ele indagou com sua cara pasma,
Não, por favor, estou farta, eu lhe respondi irredutível,
Ele pegou as chaves da minha mão, roçou em meus dedos,
Tentativa de carícia rejeitada, sustentei meu olhar
determinado,
Está bem, ficarei fora por quatro dias, depois dou retorno,
Apontei o dedo para o carro, precisa que eu abra a porta?
Meu semblante fechado não demonstrava que meu coração
chorava,
Estava determinada a pôr um fim em todas aquelas discussões
infundadas,
As brigas nunca resolvidas, que eram sempre deixadas para
depois,
Eu nunca entendi o motivo de ele acreditar que eu não o
deixaria,
Me era indigesto a forma como ele desdenhava dos meus
objetivos,
O jeito como eu tinha que me curvar e servi-lo, como uma
espécie de objeto,
Nunca medi esforços para agradá-lo, não me arrependo por ter
sido assim,
Fiz tudo que estava ao meu alcance para ser o melhor
possível,
Mas, as discussões iniciavam e aconteciam sem relevância
contundente,
Chegava a noite, dormíamos cada um para um lado, as vezes
cobertores diferentes,
Sonhos iam e viam, pesadelos se formavam, mas nada tomava
alcance,
Transcorridas algumas horas ele acreditava que podia me
abraçar,
Me dar um beijo na bochecha e já estava tudo certo em sua
cabeça,
Diversas vezes, escondi a cabeça no travesseiro para chorar abstrusa,
Camuflava o sofrimento e não dizia nada, parecia não fazer
diferença,
Mesmo ele tendo jogado o braço sobre o meu corpo, ele não me
via,
Mesmo naquele gesto falso de abraço ele não sentia meus
soluços,
Será que acreditava que alguém estaria a nos vigiar para
intrigar-nos?
Será que ele era tão insensível a ponto de não sentir meus
medos?
Cansada de calar a dor que pulsava forte em meu coração,
Prestes a desfalecer devido ao nó na garganta, rompiam os
soluços,
Desta vez, mais altos, quase convulsivos, meu corpo queimava:
o coração respondia,
Minha alma gemia, a boca se abria instintiva, como calaria o
que me desfalecia?
Entre o pesadelo e o estar acordada, rompida em lágrimas,
Me vi tentando arrancar a própria língua com a ponta das
unhas,
Parecia que aquelas palavras não tinham razão para existir,
afinal ninguém as ouvia,
Senti o sangue tomar minha boca e escorrer garganta adentro,
Será que me preencheria? Quando dei por mim, virei de frente
para ele,
O encontrei absorto, abracei seu corpo com toda a força,
tremula,
Ele devolveu o abraço, com força suficiente para me fazer
acreditar,
Que eu nunca desejaria pertencer a outra pessoa, estava
segura,
Abrigada a ele, roí as unhas na mesma hora, ele não gostava
disso,
Não dei ouvidos, elas queriam me machucar, não podia
suportá-las,
É certo que ele precisaria trabalhar no outro dia bem
cedinho,
Compreendo o fato de o barulho incomodar, da mesma forma,
Entendo bem minha dificuldade de encontrar trabalho,
E conseguir vencer todas as privações e discriminações para
me manter,
Bem, na outra vez, ele me presenteou com uma gargantilha,
Adormecida sonhei que uma cobra me envolvia com uma linha
tênue,
Ingênua, me envolvia de forma quente sobre a minha pele,
Ela desejava me afogar? Algo parecia querer entrar por minha
boca,
Era como se eu não me pertencesse, não fosse mais que um
corpo vago,
Em um gesto instintivo a quebrei ao meio, acordei com ela
entre os meus dedos,
Sobre estas duas noites, embora muito pudesse se falar não
foi dito nada,
O silêncio se imperou entre os móveis, escondido nos cômodos
da casa,
Eventualmente, nossos olhos se procuravam pareciam querer
falar,
Mas nenhuma frase específica era expressa, havia um código
secreto entre nós,
Nem mesmo nós, sabíamos ao certo o que era falado um para o
outro,
Tudo isso se desenvolveu naquelas duas malas jogadas lá
fora,
O ronco do motor irritadiço, e a aceleração que o levava
embora,
Da forma rude e grotesca que saiu, usando toda a rapidez que
podia,
Acreditei que nunca mais voltaria, confesso me sentir
desarmada,
Entrei para dentro ereta e segura, fechei a porta e sentei
no sofá,
Olhei para frente, e o silêncio agora era contundente ao meu
redor,
Falava mais que eu, entendia muito mais do que podia
expressar,
Parecia ter voz ativa sobre os meus atos, determinava minha
dor,
Enquanto o coração gritava sinta, ele parecia devolver o eco
aos meus ouvidos,
Porém, enquanto o coração pulsava alto em meu peito
mostrando o que havia dentro,
O silêncio embebia meus ouvidos com palavras que embora eu
não determinasse,
Pareciam mandar em mim, guiar-me de um jeito que eu não
podia resistir,
Juntei meus joelhos, abracei-os, a noite parecia chamar o
sol do dia,
O vento sussurrava o que ela dizia contra minha janela
aberta, eu a ouvia,
Mas me mantive inerte onde estava, o que eu poderia fazer
por ela?
Talvez, ela sentisse saudade, estivesse apaixonada,
desejasse ser tocada,
Será que ela não sabia que era o sol quem a iluminava ou
isso não bastava?
Amar com toda alma, a distância, não sei em que adiantaria,
ela estava certa,
Baixei os olhos para o assoalho, aqui dentro de casa a vida
também seguiria,
Dentro de mim: da mesma forma; mas, mesmo as horas tendo
passado lá fora,
O sono não vinha, os problemas que tentei jogar na rua,
estavam ali ainda,
Eu podia senti-los, e ele onde estaria? Pensei que pudesse
ter sido imprudente,
É claro que a negligencia dele com relação aos nossos
assuntos era importante,
Mas, não teria como eu deixar de sopesar nossa imperícia quanto
a essas determinantes,
Será que lá, onde estivesse, ele também estaria pondo tudo
na balança?
Com um suspiro de cansaço, ergui os olhos para o luar e vi
as estrelas brilharem,
Elas pareciam saber o que faziam, mas eram sempre tão
distantes de tudo,
É claro que quando se coloca em uma distância segura fica
mais fácil,
Contemplar tudo lá de cima, sem se envolver aos fatos era
simples demais,
Queria ver se elas estivessem aqui no meu lugar, apaixonadas
e tendo que dizer não,
Queria ver se os céus lhe deixassem de dar ouvidos, se as
nuvens nunca mais se abrissem,
Se a lua lhes virasse as costas, arfei um pouco, estava
insegura quanto ao meu agir,
Existe a culpa, que pesava no ar, e jogava tudo contra a
minha cara,
Parecia gritar: arrependa-se, você sabe que estava errada,
exagerou: admita,
Mas quando eu me reduzia, pegava o telefone para ligar,
tentar me aproximar,
Vinha a desculpa, que pedia para que eu revesse tudo que
havia acontecido,
Como eu me sentia para os fatos e como poderia resolver
evitando mais conflitos,
Mesmo que eu não pudesse enxerga-la, eu tinha certeza sobre
a roupa que vestia:
Orgulho, em cada palavra, em cada sussurro, sorria dentro de
mim: será que ela estava errada?
Entre a culpa e a desculpa, eu não sabia o que pensar, nem
qual atitude seria a correta,
Havia um lugar vago, entre a culpa e a desculpa, teria que preenchê-lo.
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