quinta-feira, 6 de maio de 2021

Um Papel Amassado


Deus abençoe o suco de coco no frescor do outono,

Ela levantou um sorriso enquanto levava o copo aos lábios,

Você aprecia meus brincos novos? Ela indaga descontraída,

Um elogio eleva o ânimo, mais ainda quando parte de quem se gosta,

Ela trazia as folhas para perto do rosto, indecisa sobre o teor,

Há quem prefira o remorso do que a sinceridade de confessar sua dor,

 

Provavelmente, naquele papel reciclado estivesse o resumo da sua vida,

Pedindo-lhe com uma singela assinatura que desse fim aos anos de casada,

Jogando ao acaso, como se cada sonho não significasse mais nada,

O nome que ele pediu para abdicar outrora agora fazia a diferença,

Daria um passo para trás no tempo, porém não nos anos que passaram,

Obteria sua vida de solteira de volta mas com o status de divorciada,

 

Não houve resposta sobre a sua pergunta por ela estar sozinha,

Sem ninguém para desabafar além de si mesma,

Ainda assim ela tagarelava, como se tudo o mais caísse, sem importância,

Em um gesto de descuido, amassou o documento,

Ele resolveu dar um fim as promessas desfeitas em que a prendera,

Demorara um ano preparando a data da cerimônia,

 

E pedia, no mesmo dia, 06 de maio para dar um fim ao que viveram,

Nem mesmo o vestido de noiva ela havia jogado fora,

Pergunta-se, quem tem o dom de decidir um futuro,

O amor que jurara o para sempre, ou uma briga de meses?

A tudo o amor é atento, com o mesmo zelo do início ao fim do beijo,

Por que a pressa ou a demora em procurar por ela?

 

Aquele homem que amara já se foi, ou estava arrumando uma desculpa?

Desabafar, talvez fosse uma ideia boa, podia telefonar para alguém,

Confidenciar o que sentia, correr o risco de ser traída,

Ela aconchegou-se na cadeira de balanço, sorveu o consolo em um gole,

O beijo que merecia estava distante agora, fugira do seu contato,

Repetir promessas não faz tanto bem, acaba aprisionando ao passado,

 

De forma insensata, ela se indagava: quem mudou a direção do amor?

O amor lhe virava as costas, havia nisso uma dura prova?

Tentou levantar-se num salto, perdeu a direção dos seus modos,

Derrubou o copo sobre o celular, perdeu a oportunidade de companhia,

De tudo que podia pensar, a culpa era a que menos teria efeito,

Já havia desperdiçado seu tempo o suficiente com essa história,

 

Levantou o rosto para o horizonte, as estrelas lhe dariam a direção,

Seu rosto que ganhara uma expressão descontente, estava sem emoção,

Todavia, seu punho se contraia em um sentimento que poderia definir-se: ódio,

Sua voz, se tivesse com quem conversar teria o tom estridente do rancor,

Tornou a encolher os ombros sob um sol amarelo que parecia se por,

Auto piedade não cura ou conforta quem você tenha magoado,

 

Esteja onde estiver o seu amor, ele saberá direcioná-la,

Como sempre fez antes de acreditar estar apaixonada,

E se entregar a quem agora, não lhe dava sombra de vida,

Ela agarrou-se sedenta a aquele tênue fio de esperança,

Enquanto pedia outro suco de acerola com manga e menta,

Qual foi o motivo que desencadeou em tudo isso, ela não sabia,

 

Parecia estar rodando em uma rua sem saída sempre em equívoco,

Ela recorda de ter sido xingada e ter devolvido a fúria com a mesma voz,

Quando se pegou estacionada para refletir sobre que direção trafegar,

Se viu em uma rua sem saída, um beco que não levava para nenhum lugar,

Mas, dessa vez o homem que a protegia a assustava,

Ela empreitava em fuga, mas não tinha para onde ir ou ficar,

 

O mais difícil nisso tudo, era estabelecer um diálogo com aquele,

Com quem você repete a anos a mesma coisa e ele não ouve ou entende,

O ataque precisava ser resolvido ou poderia terminar em sangue,

Sua vizinha caiu da janela do prédio numa noite escura de inverno,

Em certa vez, ela errara o pé do freio, noutra o confundiu com a marcha a ré,

Mas o amor estava atento, a dirigiu para aquele chalé de outono,

 

Ela abriu as mãos e suspirou com sua característica melancolia,

Não sentia dor, embora por dentro estivesse vazia,

O amor perdia a sua utilidade para virar penitência,

Não importava o que sentia, seu sentimento volta-se contra ela,

Inquieta ela sacara uma arma na bolsa, a pôs sobre a sua perna,

Uma mulher abandonada ao acaso, depois de crer em tantas promessas!

 

Todavia, a três dias atrás via assinada a sua sentença,

Quando foi buscar as crianças na escola e o pegou com outra,

Agora sua intenção era esquecer o embaraço de ter trocado o dia de ir busca-las,

Simples e direta: ponto de impacto isolado, só queria dormir agora,

Os dois meninos se aproximaram dela com um menear de cabeça,

Pareciam não gostar de contemplar a situação em que a mãe estava,

 

Pensara em indagar a eles sobre tudo o que vira, mas rejeitaria as respostas,

Arrependimento, um pedido de desculpas, não: um divórcio calculado,

Sua cabeça pesava com as lembranças deixavam as ideias desnorteadas,

Entre tantas juras, ele se perdera no caminho do tempo,

Ela não soube conduzir sua dor, fugira desolada para longe de tudo,

Pegara as crianças, sussurrava coisas desconexas com beijos ao ouvido,

 

Tudo parecia um absurdo erro que condenava ao fracasso a sua vida,

Ele deixara quedar em caprichos todo o amor que lhe foi revelado,

Com um suspiro ela não esperou o suco, pôs a arma na bolsa,

Pegou as crianças e foi caminhar na água tranquila do riacho,

Sentara-se na água com elas ao lado, então ouvira uma voz sonora,

Antes de ter tempo de virar-se, sentiu um projetil lhe ferir por trás,

 

Depois disso, ouviu um grito masculino e outra arma ser disparada,

Antes de ter tempo para qualquer coisa, ouviu um grito feminino,

Que agoniava a dor de ser perfurada três vezes antes de cair nas pedras,

Ela reconhecia a voz masculina, era a do seu esposo um tanto raivoso,

Não pode dizer ou fazer nada até sentir a água penetrar suas narinas,

E ver as crianças em pânico enquanto tudo escurecia aos seus olhos.


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