segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Superfície

Ela vê o rio fluindo
Lentamente seguindo o curso,
Descer para algum rumo,
O rio, por mais manso
Que seja seu destino,
Ele não muda ou para,
Simplesmente, segue.

Ela retirou a camisa branca,
De botão a botão,
Sem importar-se com a demora,
Sem olhar para outro lugar
Que não fosse a água,
Sua superfície morna,
Os peixes que chegavam até o leito,
As folhas secas a percorrer
E as borboletas repousa das sobre elas.

A camisa era comprida,
Chegava próximo aos pés,
A sandália foi retirada
Sem o uso das mãos,
Enquanto os botões eram removidos,
E o sutiã ficava a mostra,
Depois a calça
Então, a calcinha.

Ela seguiu sobre as pedras,
Entrou na água que estava gelada,
Feia feito um cubo de gelo,
Que toca a pele e desliza,
Superfície quente.

Com isto,
Ela deitou-se na água,
Boiou sem afundar,
Sentindo a calma,
Permitindo-se ser guiada
E levada para longe,
Sem sair tanto do lugar,
Chegava a certa etapa do rio,
Movia os braços e voltava,
Olhos fechados,
Olhos abertos.

Nisto,
Sentiu uma dor profunda no peito,
Sem entender o motivo,
Notou lágrimas pesadas
Percorrer seu rosto,
E chegarem a água feito um bueiro,
Cujo único motivo de existir
É dar vazão para a água correr,
E ela tinha muita dor,
E nesta dor muitas lágrimas,
Viu-se a soluçar,
E a casa soluço afundar um pouco,
Notou-se engasgar,
Mas não mudou a atitude.

Sentiu cada músculo seu
Se contorcer
E impedi-la de afundar,
Como se o rio tivessem braços,
E fosse tão imenso,
Tão imenso,
Que nenhuma dor
Poderia enche-lo,
Lágrima alguma seria motivo
De negação,
E para toda dor haveria perdão.

Ela sentiu o calor da superfície
Abraçando seu corpo,
Que deslizava sobre o cubo de gelo,
E seus braços pareciam ampara-la,
De alguma maneira entender,
E perdoar,
Ela não queria soltar-se,
Viu-se a pensar em como seria bom
Simplesmente afundar,
E nunca mais emergir,
Pertencer aquelas águas,
Nunca ser dispensada,
Devolvida,
Visto como um objeto,
Suscetível a julgamento,
Entregue a dor.

Não soube porquê
Mas, instantes após,
Viu-se engasgar
E sentir pouco fôlego,
Pegou-se a querer respirar,
Querer ver para fora do frio,
E do calor tão ambíguos,
Sentiu dor no peito,
E quis tossir,
Expelir aquela agonia,
Num ímpeto,
Soltou o pé no fundo do rio,
Com único impulso,
Empurrou-se para a superfície.

Respirou ar,
Soltou água,
Lágrimas, rouquidão e dor,
Muita dor,
Se empurrou da parte profunda,
E andando e afundando
Se jogou na parte rasa
Onde sentou-se nas pedras quentes
Da beira do rio,
Num fio de água.

Encostou a cabeça no joelho
Que pesava e parecia latejar,
Prestou atenção a um barulho,
Que causava dor
E lhe fazia mal,
Assim, ouviu vozes indistintas,
Falando coisas estranhas,
E pareciam estar dentro
De seus ouvidos,
Ouviu comandos de ameaças,
E propósitos de morte.

Caiu para trás,
Bateu a cabeça nas pedras,
Viu sangue emergir do ferimento
E percorrer a água quente,
Peixes chegando perto,
Alguns indo para longe,
Notou o celular perto dela,
A bateria descarregando rápido,
Não havia internet,
Não pegava sinal de rede alguma,
Contudo não parecer vir dali,
De onde viria?

Ela estava sendo vigiada
E impelida a dor,
Algo muito odioso e grande
Sentia terror por ela,
E estava sendo capaz dos golpes
Mais baixos e duros
Para obter êxito: feri-la,
Ou pior: “mata-la”.

Correu dali,
Pegou o celular e jogou na água,
Enquanto ele seguia rumo
Ao fundo,
As vozes cessaram,
O barulho, a dor, o tormento,
Tudo passou muito rápido,
Tocou sua cabeça
E o ferimento estava ali,
Aberto e dolorido...

Não havia ninguém por perto,
Ela não sabia se isto era bom,
Nem o quanto,
Quis se defender,
Queria fugir,
Estar a salvo,
Mas parecia que gritar
Pelos pais
Não traria mais amparo...

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