sábado, 24 de maio de 2025

Bolinho na Banha

O dia amanhece chovendo,
Feito um sereno
A mergulhar nas folhas,
Percorrer cada pétala de flor,
Só depois cair na terra.
Escorre a chuva
Sobre o pó,
Leva-o consigo
Até onde possa,
Lá ao final,
Faz-se poça.
Fica,
Se aprofunda
Sob o véu da terra.
Da folha,
Percorre o galho,
Galga o tronco,
Beija a raiz.
Mas, o fogão não sabe disso,
Dia chuvoso e frio,
No horário de fazer-se o almoço,
Encerra-se a lenha
Conforme cai o brasido
Em cinzas para o cinzeiro.
Colhida as cinzas
Semeio na horta,
Do pó da árvore,
Planeja-se seu adubo.
A chuva fina
Cede lugar para chuva grossa,
O frio aumenta,
Eu me dirijo ao meu pai
Buscar lenha.
De chegada ele adianta:
“Estou em idade avançada,
Sirva-se de feixes de lenha,
De braçada a braçada
Complete sua caixa,
Encerrei o almoço.”
Isto é coisa que irrita,
Acreditar que se vá percorrer
Mais de duzentos metros
Com braçadas de lenha
Até em casa.
“ se for deste jeito,
Morro ao relento”.
Eu não resisto a ideia
E ataco.
“que você é menos que eu,
Um velho?”.
Ele revida.
A raiva me domina
Naquele porão de lenhas cortadas,
Tento gritar,
Perco mesmo a cabeça,
Tento cuspir na sua cara,
Ganho uma mão
Contra a minha boca.
Ataco a dedos 
Contra suas costelas
Envelhecidas 
E sinto pouca dó.
Neste instante
Eu endoideço,
Ele me chama de doente,
Me fala pra ir ao médico,
Eu já nem me sinto no corpo,
Sou feita de ódio e veneno.
“ dá-me a chave do carro
Pra levar a lenha
Ou endoideço,
Como posso ir carregada
De lenha em plena chuva,
Irão acender madeira molhada?
Certo que não irá,
Muito menos queimará.”
Ele me olha irritado,
É meia manhã,
A chuva não dá trégua,
Nem ele:
“ o carro é meu,
E você não o leva.”
Ah, isto me ressoa feito 
Um abraço pro meu ódio,
Grito e grito como uma louca:
“ mais valor eu tinha
Quando saia seminua
Usando o carro
Em noite de chuva e frio
Para ir até a balada,
Deve ser lá mesmo
O lugar de se usar carro emprestado!”
Me irrito,
Pego as chaves de sua mão,
Abro as portas,
Colocou duas bolsas
Transbordantes de lenha
E retorno,
Com o orgulho ferido,
É certo,
Todavia, muito correta
Por não estar seminua
Rumo ao desconhecido,
Ele que se acalme em seu canto,
Enquanto eu queimo meu brasido.
Mas, de vestido curtinho?
Nem se cogita para o frio de maio,
No verão, talvez,
Se não houver roupa 
Que melhor se encaixe.
E quanto a baladas 
Recheadas de estranhos,
Prefiro meu fogão a lenha,
E uns bolinhos fritos
Na frigideira de banha
Dos porcos que nós 
Mesmos criamos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caso: Assassinato da Balconista

Aos vinte e cinco anos Não se espera a chuva fria De julho Quando se sai para o trabalho, Na calada da noite, Até altas mad...