segunda-feira, 12 de maio de 2025

O Mulato- São João

Fez-se noite,
Com as primeiras estrelas
A fogueira foi acesa,
Tão alta no escuro do céu,
Quanto se poderia ver
O fogo tremeluzente
Azul e amarelo tocar-lhes a face,
Ganhar um sorriso da lua.
O quentão foi feito ao lado,
Taças serviam seu líquido quente
Na noite gelada
Como se não embriagassem,
Todos bebiam...
Lá por algum tempo
Passou o caixeiro de seu Manuel,
O negrinho Manuelzinho,
Limpo e de sorriso no rosto,
Indiferente a sua idade infante,
Bebendo quentão,
E comendo um enorme puxa puxa.
“Veja aquele menino,
Vale quanto pesa”.
Disse sem travas na língua,
A referir-se que o garoto
Não poupava os dentes,
Deixava o doce,
Apegava-se a bebida,
Depois nutria-se de ambos
De uma vez,
Um doce na boca
E vinho quente a derreter-lhe
As veredas.
Raimundo juntou-se
A Ana Rosa,
Mais Manuel, Dias,
Dona Bárbara e Dona Maria.
Todos ergueram suas taças
De quentão
Em um brinde pela lua,
Pelo sucesso da noite,
Pelos sonhos de inverno
Que seguiriam nos
Dias que viriam.
Dona Maria derrubou vinho
Sobre as vestes,
Queimou-se toda e gritou incontida,
Em busca de auxílio
Raimundo correu,
Acudiu-se na farinha
Que encontrou,
Juntou um grande punhado
E jogou sobre a velha,
Duas, não sobrepujou
Juntou dois punhados
Um jogou na taca de Raimundo
E o mais na velha senhora,
Ambos batendo suas vestes
E ajudando-a a não queimar-se
Ou estragar sua noite
Por ter de trocar a roupa.
“Que a farinha lhe ampare,”
Disse Raimundo,
A limpar o rosto da senhora,
Seu vestido,
E suas mãos.
“Ora, você?”
Disse ela.
“Se acolha num espelho”.
Respondeu ela resignada.
“Preferia um lenço
Para poder te ajudar melhor”.
Respondeu caloroso.
Passado o infortúnio,
Continuou a festa,
Raimundo pegou a mão de Ana Rosa,
Passeou com ela
Pelo redor da fogueira,
Juntou madeira,
Jogou no fogo
Para mantê-la acesa.
Depois cruzaram a capela
Que foi feita de improviso,
Toda enfeitada
Em madeira bruta e bandeirolas,
Entraram para acender
Uma vela a São João,
E fingiram o casamento caipira,
Fazendo os votos de amor
Um pelo outro,
Beijando-se no altar.
Raimundo fez as vezes do padre,
Pois este bebia
E não recordava de palavra,
“Senhora Ana Rosa
É de boa vontade
Que aceita este doutor
Para esposo?”
Ele indagou
Se posicionando atrás da mesa
Do altar,
Jogando água benta
Sobre as tranças de Ana Rosa
Que caíam-lhe pelo peito,
“ É de vontade e
É de amor,
Seu padre,
Há tanto que espero um homem,
Que não aceito por menos”.
Ele sorriu,
Suas lágrimas correram sobre
A toalha branca,
Ele juntou uma flor do buquê
Que estava sobre ela
E repousou no cabelo
De Ana Rosa,
No início de sua trança.
“Eu a amo Ana Rosa”.
Lhe falou se colocando
Sobre a mesa
E beijando seus cabelos,
Suas lindas franjas loiras
De cabelo de boneca de milho.
Ela curvou os olhos,
Baixou a cabeça
E se colocou em seu peito,
Como se a boneca buscasse
O sereno da noite
Para saciar a cede e revigorar.
Ele tocou sua cabeça,
Ela levantou o olhar,
Ele saiu de trás da mesa
E beijou-a no altar.
Entre as testemunhas
De bonecas e bonecos
Feito com milho verde,
O padre que era ele mesmo,
E o altar para santificar
Em Deus o que sentiam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caso: Assassinato da Balconista

Aos vinte e cinco anos Não se espera a chuva fria De julho Quando se sai para o trabalho, Na calada da noite, Até altas mad...