domingo, 3 de agosto de 2025

Cidade Perdida

Elena perdeu seu filho
Outra vez,
Dez anos de casada,
De ano em ano
Tentou engravidar,
Amava seu esposo,
Queria consagrar a união.
Contudo, está vez
Foi diferente.
Enriqueeh dirigia seu carro,
Ela estava trocando um cd
No rádio,
Grávida de seis meses,
Quando um caminhão
Desistiu de sua pista,
Sem aviso algum,
Veio para cima deles.
Não houve meios
De desviar,
Apenas ela pôde ver
As luzes acesas e intensas
Do caminhão mudarem
Para sua direção,
E então, veio um escuro,
E mais nada.
Ela acordou chorando,
Estava sobre um monte
De terra nua,
Ao lado havia um gramado,
Ela se escorou na lápide,
Sem entender o que
Estava acontecendo.
Apenas notou
Que não sentia a alma
De seu bebê,
Outra vez,
Perdeu o filho,
Outra vez,
Não foi capaz
De mantê-lo vivo
Em seu ventre.
Depois de chorar
Abraçada aos joelhos,
Percebeu que o esposo
Não estava ao seu lado,
Outra vez,
Ele fugiu para o trabalho,
Outra vez,
Ela enfrentaria a perda sozinha.
Era culpa dela,
Suas entranhas não
Mantinham filho,
Seu ventre era incapaz
De engravidar,
Sua barriga não dava a vida,
Apenas mantinha a dela
E mais nada.
Ao levantar o rosto dos joelhos,
Secou os olhos ao ver
O dia descendo por trás da cidade,
Lá no final do prédio mais alto,
O sol se punha,
Lhe parecia ter corrido
Um dia inteiro,
Doze horas ou mais.
Baixou a vista para o chão,
Notou assustada
Que não estava em casa,
Estava num local
Com muitas lápides,
Com muita terra,
Estava no cemitério da cidade.
Olhou para trás
Para ver no que estava escorada
Então, viu sua fotografia
Ali colada junto ao seu nome,
Logo ao lado,
Havia uma fotografia do esposo,
E seu nome,
E uma data,
Parecia ser a da noite passada
Ela não entendeu,
Mas, algo em seu íntimo
Lhe ditou: estavam, ambos, mortos.
Manteve o choro,
De repente, suas lágrimas
Percorreram aquela terra,
E muitas velas se acenderam
Do nada.
Velas ao redor dela,
Da lápide do esposo
E de outros túmulos,
Velas atendidas a anos,
Outras recentes,
Todas ganharam chama,
E creditaram como se
Estivessem tremendo devido
Aos seus soluços.
Porém, mais tarde,
Outros soluços se juntaram
Ao dela,
Pertenciam ao que pareciam
A bebês,
Então, a terra toda
Passou a verter água
E cera de velas.
Cada túmulo verteu,
Cada túmulo tremeu,
E as lágrimas se misturaram
A cera,
Depois desceram do monte,
No qual o cemitério
Estava localizado
E cruzaram a rua que o ligava
A cidade,
Depois desceram até o centro.
As luzes da cidade
Começaram a falhar,
Em todo lugar
Onde haviam velas,
Elas se acenderam de súbito,
E não se apagavam
Mesmo que fosse tentado,
Seja com o dedo
Ou com o que for,
A chama retornava
E tremeluzia
Como se fossem chacoalhadas
Pelos soluços secos e curtos
Como os de bebês.
De repente,
Surgiu uma rachadura
No cemitério,
E ela se estendeu por ele
Inteiro,
Lá de dentro saíram
Pequenos braços,
Que se firmaram na terra,
Depois surgiu suas cabeças
E depois seus pequenos corpos,
Eram bebês de todo tipo
Que emergiam do chão
Como grama em terra molhada.
As crianças se ergueram
Daquela rachadura
Chorando,
Suas barrigas soluçando,
E seus olhos arregalados
De espanto.
- o que vocês são?
Ela indagou assustada,
Abraçada a sua lápide.
- somos bebês abortados!
Responderam em uníssono.
Os bebês provenientes
De abortos deram seus
Primeiros passos
Em direção ao centro,
E deixaram de olhar
Para ela,
E deram seus segundo passo
E terceiro e foram todos.
Ela ficou estarrecida,
Vendo crianças surgirem
De todo lado
Indo em direção a cidade.
Em momento posterior,
Do cemitério foi audível
Gritos de casais,
Homem e mulher gritando juntos,
Pois tiveram suas camas
Invadidas pelos bebês mortos,
As luzes das cidades
Passaram a ser acesas.
Alguns corriam para fora de casa
Com velas e acendiam
Holofotes para o céu
Em busca de ajuda.
Os casais que receberam
Suas visitas tiveram
Os vestidos de noivas
Cortados por seus dentes
E tesouras,
E queimados.
Uma cera descia de seus
Bracinhos para as roupas,
E elas passaram a queimar
Mesmo sem haver fogo,
As alianças foram tomadas,
E em suas mãos
Viravam líquidos
Que escorriam para o chão
E fugiam como se tivessem vida.
- você não merece papai.
Elas diziam.
Ediane acordou assustada
Quando um bebê
Retirou seu cobertor
E tomou sua aliança.
Ela ligou a luz do quarto,
E boquiaberta viu
Que era um bebê
Igual ao que ela enterrou
Quando tomou remédio
Abortivo.
- me dê minha aliança.
Ela exigiu.
Porém, o bebê a queimou,
Estarrecida ela viu a aliança
Virar líquido amarelo,
Escorrer por cima do cobertor,
Seguir para fora do quarto,
E o bebê a olhava fixo.
- você me matou.
A criança falou.
- impossível, eu o abortei
Com sete meses apenas,
 Você nem sorriu,
Nem ao menos respirou...
Ela gaguejou,
Vendo a criança.
A criança estendeu
A mão e encostou no rosto
Dela dizendo:
- você nunca será mãe.
Depois disso,
O bebê olhou para fora
Do quarto
E desceu escorregando
Da cama para o chão,
Então, saiu.
Neste enfoque, o bebê
Foi até a casa de seu pai,
O encontrou dormindo,
Subiu sobre o cobertor
E o acordou tocando em
Seu braço que estava
Sobre o cobertor e disse:
- você abandonou mamãe,
Quando ela estava grávida
De mim,
Você nunca será pai.
O homem acordou assustado,
Não sabia de ninguém
Que havia engravidado dele,
Também nunca desejou ser pai,
E ver uma criança sobre a cama
Tão bebê lhe soou terrível.
Tentou ligar a luz,
Mas ela só piscava,
Seu quarto ficou iluminado
Por reflexos de suas velas
Que se acenderam
Sem ele saber como
Sobre a espelheira do roupeiro.
Depois o bebê escorregou
Pelo cobertor e saiu.
Todos os bebês
Se encontraram na igreja,
Foram até o altar,
E juntaram diversas velas
Junto uma da outra,
Próximo as cortinas,
Então, as cortinas se acenderam
Junto com as velas
E queimaram,
A igreja inteira pegou fogo.
Um médico que praticava
Aborto odiou o que estava
Havendo e correu de encontro
Aos bebês com uma seringa
Em mãos e alguns frascos
De remédios abortivos
Para mata-los outra vez.
Como eles estavam
Todos dentro da igreja
Ele foi obrigado a entrar lá,
E uns vez, lá dentro,
Uma cortina se desprendeu,
E o segurou preso ao chão,
Enquanto as chamas
O consumiram no fogo.
As crianças saíram de lá,
Andando em soluços,
E voltaram ao cemitério.
Nenhuma das pessoas
Pode fugir daquela cidade,
Os casamentos de pessoas
Abortivas sempre foram
Impedidos por seus abortos,
E os pais que abortaram filhos
Não puderam mais ter nenhum.
A cidade foi envelhecendo,
O mato cresceu ao seu redor,
E foi se aproximando,
Os jovens envelheceram,
Até os últimos morrerem,
Presos no que fizeram.
Nunca casados,
Nunca pais,
Impedidos de fugir,
Os últimos não tiveram
Quem os enterrassem,
Então, os bebês saíram
Do cemitério
E os puxaram para a rachadura,
Era um último casal.
A placa na estrada
Com o nome da cidade
Apodreceu e caiu,
Uma anterior aquela cidade,
Que tinha uma seta
Que informava que haveria
Tal cidade próxima
Se apagou com a chuva.

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