Certa tarde,
Meu pai saiu com a espingarda,
Eu não soube pra onde foi
Ou para que.
Então, voltou mais tarde
Do que a hora que foi,
E me chamou:
- Aline, vá até às bananeiras.
Eu fui.
Se ele me manda,
Eu obedeço,
Eu sou filha.
Pensei que se tratava
De algum serviço
A ser feito.
Eu sempre fui esquecida,
Nem sempre vejo
O que tem para ser feito,
Nem sempre o faço.
Fui,
Cheguei lá
E até acreditei que houve
Barulho de tiro,
Ou não,
Sei lá.
De repente,
Ele juntou pedras do chão,
Grandes pedras
E começou a atirar contra eu,
Acertou na altura
Da minha bexiga
Acima da perna esquerda
De primeira.
Eu me contorci de dor,
Não gritei,
Sempre que ele me batia
Eu procurei não gritar
Ou fazer alarde,
Ele dizia:
- engula o choro!
E eu era proibida
Do choro ao barulho.
Depois disto,
Voaram mais pedras,
Uma acertou contra
A minha perna esquerda,
Eu olhei para trás das bananeiras
E pensei:
“ Será que corro?”
Ele sempre diz:
- se correr é pior.
Eu te pego!
Eu acreditei,
E nunca corri.
De repente, houve mais pedras.
Aí ele disse:
- agora corra
E fique atrás da moita.
E gesticulou para a flor
Que havia em frente a casa.
Eu fui,
E ao dar o primeiro passo,
Eu senti medo imenso,
Aí corri.
Então, fui tomada
Pela vergonha
E não corri mais.
Mas, eu juro,
Eu não sentia as pernas,
Doeu tanto a esquerda
Que ela pareceu
Se estirar para trás,
Tremeram tanto ambas
Que elas se chocavam
Feito gelatina.
Eu quis gritar,
Eu quis pedir socorro.
Eu quis não ir,
Eu juro.
Então, prendi a respiração e fui.
- agora pare.
Eu parei.
- você gosta de se esconder
Atrás de moita,
Venha pra frente pra você ver.
Eu não quis ver.
Eu baixei os olhos,
Minha cabeça caiu
Para baixo,
Eu não tive forças
Para olhar.
Eu acho que se ver morrer
É odioso,
Temeroso e aterrador.
Eu nunca quis
Me ver morrer,
Só desejei morte rápida.
Mas fui, saí de trás da moita.
- erga a cara!
Ele disse.
E eu fatalmente o vi.
Sim.
O vi.
Mesmo com a cabeça abaixada,
Vi seu chinelo preto,
Sujo de terra,
Seus pés sujos,
Suas pernas peludas,
Seu calção verde,
Seu peitoral sem camisa,
Bronzeado e tonificado,
Seus músculos dos braços,
A arma em sua mão,
Seu rosto bonito
E jovial,
Seus olhos escuros,
Seu cabelo curto escurecido,
Suas orelhas bonitas,
A arma em ponto de mira.
A arma dele estava reta
Contra meu rosto,
No meio,
Apontada.
- eu com a arma na mira.
Apontada na cara.
Que vontade de explodir!
Ele disse.
Explodir minha cara.
Eu o vi.
Eu o ouvi.
Me explodir.
Meu corpo tremeu
Violento de medo,
Meus braços caíram
Na lateral do corpo,
Inertes feito duas cobras
Se tocando,
Eu fiquei pesada,
Eu parecia feita de ferro
Dos joelhos para cima,
Um ferro em casa perna,
Um ferro do início ao fim
Do corpo,
Um ferro no lado
Das faces,
E um no meio,
Bem no meio da cara.
Eu pensei
Se me atirar que acerte no ferro.
E eu não era mais de carne.
Aí fiz sinal de consentimento
Para ele,
Dizendo-lhe “ atire”.
E ele disse:
- corra.
Faça que nem os outros,
Fuja!
O ferro em meu corpo
Era pesado demais,
Eu não me moveria mais.
Ele se cansou daquilo
E saiu,
Foi para o lado do galpão
Próximo às bananeiras.
Eu caí no chão,
Com um baque alto.
Cai sentada
Sobre os meus ossos.
E fiquei.
Minha mãe chegou ali
Mais tarde,
Cansada de me chamar
Para ajudar nos afazeres,
Eu não ouvia,
Não via,
Não me movia.
Ela juntou
Um pé de guanxuma
E me bateu,
Bateu nas costas,
Bateu na cara,
Enfiou o dedo
No meu olho.
Me deu socos
E tapas.
Depois saiu para frente da casa.
- cadela vó.
Cadela quebrou
Meu braço
Quando eu fui dar educação.
Cadela,
Me machucou.
Ela falou para a minha vó Marica.
A vó saiu para fora,
E me viu.
Ela havia jogado
Terra contra meu rosto,
Esfregou em meus olhos terra,
Puxou meu calção
E jogou terra lá
Em meu corpo.
- o que você quer vó?
Estou suja e imunda.
Eu disse a ela.
- quero nada, fia.
Quero nada.
Minha vó frágil,
De ossos sobre salientes,
Pele alva e enrugada,
Cabelos brancos,
Quase seca a disse:
- dexe ela.
Dexe ela.
E eu fiquei.
Chorando e escorrendo
Terra e pedregulho,
Sentindo dor,
Com a cabeça caída
Sobre o peito.
Ferida.