Estava em seu segundo plantão,
Mais um caso dificil de ser resolvido,
Sente um desconforto no coração,
Apesar de entregar-se por completo,
As coisas nao conseguem se resolver,
Olha para a pilha de papéis diante de si,
De repente, lembra-se do café que iria beber,
Tentativa futil de aplacar o sono,
Sorve um gole, buscando aplacar a fome,
O café já esta frio e enjoativo,
Ignora o fato e o bebe sem esforço,
O ar condicionado faz frio, o ar torna-se pesado,
Olha para os seus sapatos disfarçadamente desgastados,
As roupas já estão amarratodas,
Ainda eram quatorze horas denunciava o relógio,
Verificou que havia uma chamada nao atendida no celular,
Instante em que, constatou assustado já serem 3 horas da madrugada,
Fazia portanto, três dias que não se alimentava ou dormia,
Na chamada estava expresso família,
Na pilha de papeis a serem resolvidos,
Descrevia-se, humanidade,
No aglomerado de leis juntadas ao seu lado,
Descrevia-se: decifra-me se for capaz,
Ou seja, decida-se entre razão e consciência,
Aquele aglomerado não passava de papeis em branco,
Onde poucos decidiam o que valeria para muitos,
O papel satisfeito ou não , nada pode dizer sobre isso,
Assim, como a pilha de papeis (Casos) a sua frente,
Descritas pela mesma mão humana,
Haviam letras que denunciavam questões sobre pessoas
Que não passariam de letras mortas,
Condenadas aos becos da ignorancia,
Caso aquele emaranhado de leis nao fosse reconhecido,
Identificado e posto em efetividade,
Pelas mesmas mãos humanas que o manuseavam,
Identificando seu dever para com a sociedade,
Dever moral por ter sido criado em sua condição de humano,
Dever jurídico por ter escolhido sua profissão,
Nunca precisou de uma roupa que o identificasse,
Manuseava a espada do direito porque sentia isso em si mesmo,
Caráter o definiria muito mais que a tantos outros,
Regidos por salário, ou mero dever de ofício,
Mesmo sem ter o reconhecimento que merecia,
Manuseava como poucos a balança da justiça,
Naquele momento o cansaço o dominava,
Sem saber como, dirigiu-se para a casa,
Ao chegar lá, avistou sua porta arrombada,
Invadiu com um ímpeto e achou sua filha jogada,
No chão, rosto pálido: violada!
Perdeu suas forças, lagrimas corriam desajustadas,
Jogou-se nela, carregando-a no colo,
Gritando ao vento: eu a amo, eu a amo,
Não se sabe se pela rapidez do vento,
Ou se pela urgencia de suas lagrimas,
Ou por simples merito proprio,
Mas Deus ouviu suas súplicas,
E fez a vida retornar ao corpo de sua filha,
Que o abraçou com o pouco de força que tinha
-tentei te ligar pai, você não me ouviste?
-meu Deus, me perdoe, estava no trabalho, absorto!
- invadiram nossa casa, feriram o cachorro,
Levaram tudo e ameacaram matar-te caso siga tão justo,
Com este seu comportamento assim tão íntegro!
Ele secou o pranto dos olhos da filha,
Foi até a escrivaninha e sacou sua arma,
Aquela que jurou a menina: nunca usaria,
Mas a filha precisava de cuidados,
O restante da família estava em risco,
Não poderia agir com descuido,
De forma premeditada, ele amava a todos,
Diante disso, colocou-os, onde imaginou ser melhor:
Estariam a salvos de todo o perigo,
Juntou nome a nome, fez sua lista,
Haviam desonrado o nome da família,
Roubado seus bens mais preciosos,
Nao sentiram piedade alguma,
Entao, ele também não teria,
Sempre se considerou um homem bom e justo,
Não seria com relação a sua família
Que deixaria de ser, lutou com toda a garra,
Morreria pelo que mais presava: fazer o bem,
-Assunto de polícia, pensou com voz trêmula,
Confiar em quem nessa hora de angústia?
Qualquer passo em falso e estaria trucidado,
Sem contar a ninguém,
Ele decide por descumprir a lei,
Uma unica vez,
Sem ainda ter certeza de como proceder,
A lista de nomes começa a crescer,
Um caminho de crime se personifica a sua frente,
Descrito naquele papel que jurara proteger,
Mas agora, na virada da 4 noite,
Tudo tomava outra forma,
A tinta tem um estranho cheiro de terra,
E o café se escurece feito esgoto,
Sente-se sujo, precisa fazer algo meticuloso,
Em seus ouvidos, ainda lembra o choro da sua menina,
Uma recordação paira em sua mente,
Sua mulher encontrada imovel e sem vida,
Por culpa daquele injustificado acidente,
O medo faz o suor descer pelo rosto,
Misturando-se com as lágrimas,
Um homem que protegesse a honra da família
Poderia ser perdoado, não poderia?
Certamente sua atitude seria comprrendida,
Em razão de um bem maior,
Que seria livrar a sociedade de pessoas,
Mesquinhas, corruptas, e educadas
A serem indiferentes, a agirem dentro e conforme a lei,
Mas para que a lei havia sido feita senão para proteger?
A indiferença não seria considerada um crime moral?
Entre a razão, a lei e o discurso o que deveria prevalescer?
Olhou para a foto da família guardada na carteira,
Dirigiu -se para o primeiro nome,
Silencioso, sorrateiro: primeiro tiro disparado,
Um corpo sem vida cai por terra,
Suas mãos nunca mais estariam limpas,
Estavam sujas de pólvora,
As mãos que dantes cheiraram a tinta,
Agora faziam sua família respirar aliviada,
Naquele instante o cheiro do sangue percorria seu corpo,
E parecia sussurrar aos seus ouvidos: Proximo passo.