Conforme a chuva cai
Toca o chão e escorre
Pela terra molhada
Eu repenso meu passado.
Penso em coisas
Que poderia ter feito diferente,
Em maneiras de amenizar
Meus tombos,
Ou feito um sonho
Nunca tivesse caído.
Mas, quando a prova chegou
Também me despreparou,
Eu esqueci conteúdo,
Dia dos testes
E estudei pouco,
Fui aos trancos e alcancei barrancos....
Bem, eu andava a pé,
Então, a colisão foi simples
Eu toquei o muro
Feito de terra e gramado,
Encostei as mãos contra a parede,
Esperei ser revistada,
Aguardei o resultado,
O fato é que eu não sabia
O que buscavam,
Com isso, não sabia
Se eu teria ou não.
Me virei,
Dei de cara com o policial
Que cansado de passar
A mão por meu corpo,
Buscou meu nome
E através dele conteúdo
Em seu próprio sistema
De anotações sobre pessoas.
Então, fui liberada,
Segui caminho,
Uma viatura veio na via
Do meu lado,
Eu olhei de soslaio,
Lá estava o Coronel,
Ele era velho,
Contudo, enxergava bem,
Dirigia seu próprio carro
E eu acenei.
Ele olhou e sorriu,
Nisto tudo,
Eu quis ser aquela
Que passou pela periferia
Armada desde criança
E não sentiu medo nenhum.
Eu não desejei conhecer
Cada pessoa que estava
Escondida por entre
Aquelas paredes de casas
Mal feitas com telhados
Despencando sobre suas cabeças.
Eu não quis
Nenhum pouco
Saber de suas necessidades
Ou repensar meu trabalho
Para entender como poderia
Suprimi-las,
Não.
Eu só quis não sentir medo
Daqueles olhos sujos
Escondidos por entre os escombros,
Com suas mãozinhas sujas
E dedos magros e compridos
Agarradinhos na sujeira
Mantendo apenas suas cabeças
De fora,
Com aquele cabelinho curtinho,
Rosto redondo e pequeno,
E uma arma ao seu lado
E medo nenhum
Naquele ser que não sabia
Onde estava seu pai
Ou sua mãe
E nem qual a responsabilidade
De se atirar para matar
E ferir alguém.
Ao invés disso,
Eu quis ser aquela
Que fez o Coronel
Parar seu carro
Um pouco antes da favela,
Abrir a janela,
Retirar a película escura,
E gritar:
“Venha eu te levo,
Conheço o caminho,
Posso mantê-la segura”.
Quis ser a moça
Que ultrapassou ambas
As ruas sem ter faixa
De pedestre onde pisar,
Sem medo de carros
Que viriam ou iriam
Porque o Coronel Edivar
Estava lá.
Eu nunca desejei ver
Aquela mãe debruçada
Sobre uma tábua de madeira,
Agarrada a um córrego
De água suja
Lavando suas roupas brancas
Em água marrom.
Não desejei nenhum pouco
Saber da dona Denilce
Que pulou a janela do segundo
Andar de sua casinha compridinha
Para o céu e bastante torta,
Para buscar suas roupas
Que o vento forte carregou
Para longe,
Quase próximo ao carro
Do Coronel Edivar
Que cruzou olhou
Juntou as peças e a entregou:
“Vento forte,
Heim, senhora”.
Ele disse ao entregá-la.
Eu não desejei ver
Aquela garota de saia curta
Que ao avistar o carro dele
Levantou a camiseta
Para lhe mostrar os seios
Que ainda se formavam nus.
Até que dois meninos
Desceram mais rápidos
Que o carro do Coronel
Edivar aquele moro feito
De terra desmoronando
E grama em seus carrinhos
De rolimã
E cruzaram a frente de sua viatura
O fazendo frear forte e rápido,
E os garotos se foram
Muito perto de sua frente
Para o outro lado do moro
E seguiram com seus sorrisos sujos.
Menos quis ver o Coronel Edivar
Não ter uma bomba de encher
Pneus para ajudar
A menininha que chorava
Sobre a roda da bicicleta
Com pneu murcho,
E que morava longe demais
De um posto de gasolina
Que pudesse ajudá-la,
Mas o Coronel Osvaldir veio
Logo atrás e ele tinha.
Foi simples,
Não demorou nada,
Ver ambas as viaturas paradas
A espera da criança que limpou
O sorriso branco,
Sujo de terra e com poucos
Dentes e sorriu.
O difícil foi vê-los
Saírem rápidos porque
Os garotinhos do lugar
Juntaram pitocos de cigarro
E começaram a jogar neles,
Amarrados a pedras,
Acho que quiseram pôr fogo
Em ambos.
Eu passei,
Olhei a garota dentro da viatura,
Lhe sorri,
Abri a porta com um olhar
Cúmplice e disse:
“Vou também”.
Ela desgostou ou não,
Eles se olharam sérios
Como se pensassem:
“algo mudou”.
Mas, coisas fixas
Não mudam por muito tempo,
Eu os vi parar mais para a frente
E saí do carro
Para pedir emprego
Na empresa próxima a tudo aquilo,
Onde minha prima trabalha.
Eu quis ser aquela garota
Que já tinha um emprego garantido,
Que não teria imprevistos,
Que estava segura,
Então, eu ouvi barulho
De tiros mais para cima,
Mas, ambas as viaturas
Já haviam passado,
Eu estava a caminhar de novo.
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