A maioria dos bons momentos exigem um pouco de cautela,
É como se toda a felicidade merecesse ficar sob suspeita,
Com isso, ela se desmotivou ao ler a carta apaixonada,
Preferiu recordar o quanto era triste estar sozinha,
A forma como ele achava que podia sumir e depois voltar,
E exigir ser recebido como se não houvesse nada a especular,
Às vezes, ele parecia possuir a chave da casa - a invadia -,
Forçava a sua vida, o sentimento e se evadia para fora,
Partia em direção ao sol acreditando em qualquer desculpa,
Esta carta a entorpeceu e entristeceu ainda mais que a
anterior,
Abriu a gaveta para guarda-la, encontrou as outras – olhou-as-,
Pensou em rasga-las, mas tinha medo de apenas rasgar o
conteúdo,
Tudo soava tão falso que merecia ser consumido por chamas,
Por aquele mesmo fogo que ele ofereceu para acender o seu cigarro,
A ideia fez os músculos do seu corpo retornarem a vida,
Um dia, conseguiria dar um fim a aquilo tudo – sem arrependimento-,
Trocaria a fechadura, tomaria qualquer medida necessária,
O deixaria do lado de fora, por uma noite fria e mais um
dia,
Talvez, por uma vida inteira, deitado sob a calçada íngreme,
A mesma em que um dia ele disse: “querida, por favor, me entende...”,
Com um gesto vago virou as costas e partiu, sem dizer mais nada,
Como se ela fosse algum tipo de vidente que pudesse ler as
entrelinhas,
Diria o quê? Calou-se, engoliu a atitude a seco, a ferir a
garganta,
Jurou nunca mais vê-lo, mas ele nunca respeitou-a – voltava,
sempre voltava -,
Ele parecia sentir prazer com a dor que a feria por dentro,
Todavia, quem a olhava dizia que seu semblante estava
emudecido,
Não entregava nem um pingo da sua dor – lágrimas engolidas-,
Talvez, tentassem amenizar a dor em sua garganta
Deixada pelas palavras duras engolidas antes de sua partida,
Aquele teor de algo mais que ele evitou dizer, estava preso
nela,
Até ali, ela posicionou-se com o mínimo de interesse sobre a
carta,
O conteúdo, não importava em nada, nem aquelas palavras
rabiscadas,
Entregava a alma a um papel, mas aos seus olhos ele não dizia
coisa alguma,
Sua atitude estava presa em sua alma, prisão perpetua para o
amor do passado,
Daquele amor que engoliu em seco, existia só mesmo a dor e
lembranças,
Não guardava interesse por sua vida longe dela, de tudo que
viveram,
Só subsistiu a raiva, saudade à espreita, e algum teor de
lembranças,
As quais pretendia queimar no fogo em que apagaria cada
palavra,
Agora, a escuridão do quarto em que estava, era iluminada
por chamas,
O clarão não dizia nada que a luz não pudesse falar –adeus e
mais nada-,
As sombras ao seu redor não significavam nada, invadir sua
vida?
Ninguém lhe roubaria seu direito sobre si mesma, nem a
trariam de volta,
Disse adeus, emudecida, assim que o viu ir embora, porque
retroagiria?
Enquanto as cicatrizes dos presentes saravam de suas mãos
machucadas,
Agora partiam para longe as cartas, abriam-lhe uma leve
ferida, mais nada,
Da mesma forma – rasgadas, arruinadas, queimadas -, passado
apagado,
Dos seus olhos não merecera nenhuma lágrima, então porque o
arrepender?
Dentro de si algo fermentava, sentia por fora novos
contornos – um amor perdido-,
Deixava o fogo explorar as formas da carta, consumir de uma
a uma as suas letras,
Suas palavras, queimando as lembranças, ferida por quem
jurou amar,
Cicatrizaria, logo poderia dizer que não sentia mais nada,
mais tarde, talvez...
Eventualmente, as cinzas voavam pelo quarto escuro, ela não
se importava,
Nem as via, agora as promessas não estavam mais estagnadas –
livres, outra vez -,
Podia sentir no ar algo de dor, talvez o cheiro do que antes
fosse o seu perfume,
Agora, pertencia as chamas, futuro incerto para um amor
deixado para trás,
Mas não descobriu qualquer promessa que a fizesse acordar
daquele transe,
Nada que a fizesse acreditar que seus sonhos foram mais que
flor de primavera,
Estava aborrecida pelo transcorrer do tempo não tê-lo feito
esquecer,
Isso dificultava as coisas para ela; Sentia falta do abraço
pelo qual viveu e morreu,
A mulher que ele buscava, já não existia, aquela na penumbra
era uma estranha,
Sabia que não iria esquecê-lo tão fácil, embora, se
recusasse a voltar atrás,
Chegou finalmente o dia em que, ela se considerava liberta, -o
apagara-,
Queimara tudo que lhe pertencera, até mesmo o sol do dia – a esquecida-,
A lua fazia sombra sobre o seu quarto, escondida atrás da
neblina,
Conforme dizia a sua alma, tinha mais para pensar e fazer-
esquecer apenas-,
Aquele endereço era tudo que restou de sua vida anterior –
mudou tudo,
Móveis, cor e planta-, o que despertou algum interesse dos
vizinhos,
Ela soube disfarçar com um sorriso e sua vida seguiu como
outrora,
É certo que houveram alguns soluços que soaram um pouco mais
alto,
Mas, isso ocorreu apenas na madrugada, certificado de que
todos dormiam,
A saudade e as lembranças deixavam suas noites mais
geladas,
Não há lealdade alguma que faz valer as promessas feitas por amor?
Um dedo sobre os lábios e um cálice embebido em ódio à seco
pela garganta,
Um qualquer coisa balbuciado antes de ir embora e uma carta
de saudade,
É certo que algumas movimentações lhe tomaram de surpresa, -
últimos meses-,
Não se sentia segura para perdoar, não agora, buscou algo na
parede escura,
Temia encontrar o seu reflexo no espelho sem moldura preso a
parede,
Tinha um pequeno no bolso, mas a escuridão lhe fazia bem, -melhor
evitar-,
E então, sussurrou ela – é hoje que você nos deixa, acenou
ao amor,
Levantou-se do assoalho em que estava sentada, com um
espasmo de dor,
Abriu a janela, a lua estava pálida, parece que dormia,
Enquanto as cinzas partiam, levando as lembranças de uma
vida perdida,
O cheiro impregnava o ambiente, não fazia mais diferença,
Um acabou ganhava forma em sua boca, mas permanecia nela... silencioso, acho que dormia.