Ele havia trabalhado o dia inteiro,
Contando as horas para voltar ao aconchego
Do seu lar, onde sua esposa o esperava,
Ao chegar, ela lhe deu um beijo de longe,
Mal repousando os lábios em sua boca,
- Você está sujo, suado, favor tomar um banho;
Ele havia tocado em outra, pode sentir isso
Logo que ele entrou pela porta de sua casa,
Seu cheiro, seu jeito desatento, tudo o denunciava,
Mas ela também, há muito que não o amava,
Por isso, nem fazia questão de que o sentimento que os unia,
Passasse de algo que poderia ser definido como amizade,
Ou pura e simples conveniência,
Afinal disso é que eram feitos os casamentos, não era?
Não gostava tanto de abraça-lo, ele tinha um cheiro forte,
Que parecia tomar conta dela e refletir em sua pele,
Ela sempre fez questão de saber como havia sido seu dia,
Mas ele era evasivo, fugia do assunto com muito esmero,
E ela, com o tempo, achou que isso era o bastante,
Se refugiar em frente a tv assistindo a um filme,
Afinal, só ela sabia o quanto ele podia ser impertinente,
Embora, ela fosse excelente no método virar a cara e
Se recusar a ouvir qualquer coisa que viesse dele,
Engraçado, quando acaba o diálogo em uma família,
Já não resta nada em um lar além da angústia
De ter que suportar a convivência com outra pessoa,
Ele sabia irritá-la de uma forma devastadora,
Por vezes, suas mãos magras e frágeis se fechavam
Prontas para desferir um soco certeiro em sua cara,
Vã tentativa, ele sempre foi mais forte que ela,
E demonstrava isso cada vez que a forçava,
Puxando-a para si, como se quisesse abraça-la,
Usando da força bruta para mantê-la,
Apertando seu punho de menina com dois dedos,
Em uma demonstração prepotente de força,
Como se desejasse quebra-la por dentro,
Talvez, ele soubesse em seu inconsciente
Que aquilo aniquilava suas forças,
Tornando-a nula, mera vítima de suas vontades,
Fazendo-a fugir para longe, como ela sempre fez,
Sempre que encontrava qualquer oportunidade,
Ser presa fácil nas mãos de um macho prepotente,
Quem desejaria destino mais ultrajante?
Depender dele? Somente para ser usada conforme seus
interesses?
Mera submissa, de um covarde conquistador,
A essa vontade, Deus sabe: ela nunca se curvaria,
Entregar seu coração onde guardou seu amor,
A um prepotente com suas juras de amor falsarias, isso
nunca;
Eles só ficaram próximos uma vez,
Na vez em que ele jurou cuidá-la por todo o sempre,
E sabe-se Deus por quê, ela acreditou,
Por tempo o suficiente para entregar a ele o seu nome,
Não mais que isso, caiu em si e desejou partir para longe,
De tanto sofrer presa por anos nesse amor infame,
Havia sempre um vestígio de compaixão em seus olhos,
A cada grito mais alto, a cada vontade dele,
Ela se curvava, se sentia incapaz de lutar por si mesma,
E o mundo ao seu redor parecia apoia-lo,
Ninguém via o quanto ela sofria,
O quanto a angustiava cada tocar dos seus lábios,
Com o tempo ela se distanciou, mas ainda havia o sexo,
Como evita-lo? Sentia-se presa a essa vida,
Sem saída alguma, mera vítima de si mesma?
A sociedade gritava a culpa é sua,
Por que escolheu conviver com esta pessoa?
Ela abaixava a cabeça e chorava,
Embora extravasasse sua dor em suas compras caras,
E depois escondesse o saldo do cartão por pirraça,
Sempre buscava reduzir o valor das coisas que possuía,
Então, não possuía o direito de escolher o melhor por si
mesma?
Quando foi que lhe roubaram o direito de escolha?
Deram a ela o direito de eleger o representante do seu país,
Mas lhe roubaram o direito de ser senhora de si mesma,
Nem mesmo seu voto era vontade sua,
De que adiantou queimar o sutiã em praça pública
Se era obrigada a usá-lo para passar despercebida?
De autora a vítima de si mesma, o que fizeram dela?
Não podia escolher o que comprar,
O preço a pagar, absolutamente nada,
Quando foi que ela aceitou que sua voz fosse calada?
Quando caiu o sol naquele mesmo dia, logo após a tardinha,
Ela fez suas malas e desejou ir embora,
Pensou em levar na bagagem algumas lembranças,
Mas não guardou nada,
Nem mesmo as rosas vermelhas de que tanto gostava.