Eu caí em meio a calçada, dois pares de olhos arregalados
Me olharam de soslaio, levantei, bati a poeira da roupa e
segui,
Meus joelhos arranhados foram reparados por dois olhos
famintos,
De uma moça que me estendeu um lenço com o qual pude secar o
sangue,
Eu sorri de forma melancólica, me senti envergonhado,
insípido,
Parecia que os lábios dela tinham algo que me atraiam,
Me sentei sobre aquele banco verde da calçada, ela sorriu
agitada,
Seu hálito quente sobre o meu rosto, tinha um gosto que eu
desejava,
Depois ela, se ajoelhou ao meu lado e me ajudou a limpar o
machucado,
Não soube o que dizer quando a vi beijar minha perna com um
carinho
Quase materno, um sentimento puro que me deixou fascinado,
Eu teria dito a ela que estava apaixonado, se pudesse
admitir isso para mim mesmo,
Lembro-me com os olhos incertos e distantes, talvez pudesse
dizer com saudade,
Do momento em que ela se levantou com um sorriso radiante,
E correu os dedos deliciosamente sobre minha calça,
Repousando um beijo na minha testa, depois disse que eu iria
ficar bem
E seguiu seu caminho perdendo-se para longe no horizonte,
Mesmo quando ela se afastou, meu carinho parecia irromper
pela multidão,
E alcança-la, mesmo quando meus olhos não a avistavam mais,
Por mais longe que pudesse estar, senti que a alcançaria...
Naquele momento, eu não consegui pensar direito, tudo
parecia estranho,
Mas a saudade queixosa que agora me aprisiona às lembranças,
Me implora para que eu tivesse tomado outra atitude, não a
permitisse se afastar,
Penso comigo mesmo, que eu poderia ter dito algo, mas não
confesso isso a ninguém,
Não lembrei de pegar seu número de telefone, nem ao menos
pedi seu nome,
Feito um bobo, ainda sorri ao vê-la afastar-se,
Não sabia que naquele dia perdia alguém importante,
Alguém que eu guardaria comigo para o restante da minha
vida,
É certo que há instantes eternos e que não precisam
repetir-se
E há também aqueles que se prolongam no tempo,
Os quais se roga a Deus para que nunca tivessem nem ao menos
começado,
O tempo é para uns o que não é para outros,
Tivesse percebido a oportunidade naquela bendita hora, teria
a aproveitado,
Ela também poderia ter ficado, poderia ter tomado uma
atitude diferente,
Ao invés de colocar-se em pé, olhar-me nos olhos e ainda
beijar-me
Daquela forma gentil, quase materna, o que eu poderia ter
feito?
Eu estava rasgado, sangrando, envergonhado, teria chorado
não pela dor
Mas pelo constrangimento diante do fato, mas com muito custo
Engoli as lágrimas de uma a uma e fiquei parado feito um
tolo,
A contemplar aquela moça sorridente que se desprendia em
carinhos,
Os dias correram tranquilos, eu até consegui sorrir daquilo,
Embora, após uma semana eu ainda sentia os olhos dela presos
em mim,
Fixos como se estivessem a me vigiar, a me atrair de alguma
forma,
Eu não soube o que fazer, nunca senti algo assim,
Como foi cair feito um inconsequente esparramado no chão
daquela cidade,
Só Deus em sua infinita bondade e sabedoria conseguiria
responder,
Mas o bom disso tudo é que ela estava lá, e quando todos
riram, ela me amparou,
Não teria como esquecer algo assim tão belo, inusitado e na
falta de palavras
A gente se contenta em apenas sentir, em permitir que as
coisas aconteçam,
Não há como se programar o destino, não é como um relógio
que se põe para despertar,
As coisas acontecem na hora exata em que tudo deveria
acontecer,
O fato é que contemplar a decoração pascalina que adornava a
cidade,
Não deixava menos dolorosa a saudade que me acompanhava nas
horas vagas,
O vento trazia algumas folhas secas para o vidro molhado da
janela,
Ali dentro ninguém tinha conhecimento da saudade que me
abraçava,
Decidi colocar minhas roupas para lavar na lavadora,
Recolhi todas, desde as que estavam esparramadas pelo chão,
Até as que havia deixado no cesto da lavanderia,
Ao revirar os bolsos para ver se não havia algum documento,
Por algum equívoco ali esquecido, encontrei um bilhetinho,
Bastante surrado, a alguns dias esquecido ali dentro,
Vez que o inusitado ocorreu de forma mágica aos meus olhos,
No bilhetinho estava rabiscado um número de telefone,
Estremeci de felicidade, é certo que estava um pouco
apagado,
O último número eu não conseguia identificar se era um o ou
um 8,
Mas, como toda a tentativa é válida eu iria me agarrar a
isso,
E torcer para que fosse o número da moça,
Na primeira vez que liguei um homem atendeu, conversei um
pouco,
Vi que era engano, não deveria se tratar da mesma pessoa,
Na outra tentativa, ninguém atendia, fiquei intrigado,
Mas nem por um instante me permiti desistir, aquele era
apenas o início,
E eu iria até o final, dois dias de tentativas esparsas e
inesitosas,
Uma voz melodiosa e feminina sorridente atendeu,
Perguntei seu nome e puxei assunto, vi que se tratava da
moça
Que eu havia conhecido, me senti muito feliz, nada estava
perdido,
Conversamos por horas consecutivas, e depois marcamos um
encontro,
Cheguei 15 minutos adiantado, não sou tolerante a atrasos,
Nem ela era, percebi ao ver seu carro dobrando a esquina
minutos após.