quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Amor do Colarinho Branco

 

Depois daquele beijo, ele teve certeza que sua vida

Nunca mais seria a mesma, e ela também pensou dessa forma,

Embora não tivesse muito dinheiro o amor falou mais alto,

Meses após se conhecerem, ele a pediu em casamento,

Em um encontro romântico sentados na areia a oeste de algum lugar,

Foi preferível, devido as circunstâncias deixar o endereço em suspense,

Ele foi gentil, ajoelhou-se, tocou o rosto da moça,

Disse que a amava pelo menos um milhão de vezes,

 

Com a brisa do mar a embalar seus cabelos molhados de chuva,

A areia a aquecer seus corpos deitados na penumbra noturna,

As borbulhas do champanhe a acariciar o céu de suas bocas,

A singela rosa vermelha a qual ele encaixou por detrás da sua orelha,

Entre seus cabelos, aproveitando a deixa para acaricia-la até os lábios,

Instante em que ele pressionou o lábio inferior com o dedo indicador,

 

Com um desejo incontido de abri-lo, provar o seu sabor,

Cedendo aos seus desejos ele percorreu até o seu queixo,

Pressionando e trazendo-a para perto onde pousou seu beijo,

Fechou os olhos para saborear o gosto e ao abri-los contemplou-a com seu melhor sorriso,

Mostrando seus dentes brancos e perfeitos, e aquele brilho nos olhos

Que seria demasiado difícil conseguir expressar com poucas palavras,

 

De fato, com um suspiro incontido ela foi tomada pela certeza

De que jamais alguém seria capaz de resistir ao encanto daquele momento,

Disse sim, sem hesito algum nos atos que se seguiram ou nas juras feitas um ao outro,

Poucos meses depois, juntaram as toalhas, os sabonetes e as escovas de dentes,

Decidiram casar-se como ocorre com todos os amantes que se amam ardentemente,

As juras de amor nunca foram silenciadas, porém, ela como esposa dedicada,

Largou o trabalho e decidiu colaborar no recanto do lar, cuidar da família,

Ele, como servidor público ganhava o suficiente para os dois, acreditavam,

 

No entanto, alguns meses depois de noites de amor desmedido,

A notícia que chegou ás mãos da moça relatava que estava grávida,

Ela nunca se sentiu mais feliz, agora sua família finalmente estaria completa,

O cachorro teria mais companhia, ela não se sentiria sozinha,

Nada mais seria como antes, vestiu seu melhor vestido, a melhor maquiagem,

Sem esquecer daquele salto 15 que sempre a elevava até o alto,

Transmitindo uma sensação de segurança, de poder, com um ar de supremacia,

Sensação a qual apenas os braços dele a sobrepunham, vez que a erguiam bem mais alto,

 

Fez um jantar caprichado, comprou um buquê de flores diversificadas do campo,

Pôs o vinho no gelo, colocou sua toalha predileta,

Elaborou tudo com delicada atenção aos menores detalhes,

Ele chegou cansado, abraçou-a, beijou-a rapidamente,

Banho tomado, jantar servido e a notícia repousou em suas mãos,

Com a tonalidade do vinho que balançava em seu coração,

Doce, espesso e gelado, ele sorriu sem entender a situação,

 

Havia um filho a caminho? A primeira ideia que ocorreu foram as dívidas

Contraídas em decorrência do casamento, além das anteriores,

As roupas cujas quais adorava manter o gosto da sua esposa,

O extrato do cartão de crédito, o aluguel no final do mês,

Sorriu a contento, beijou-a sôfrego e lento, a ideia parecia intragável,

Mas como diria algo deste teor a quem amava tanto?

 

Lembrou com certo desespero, ouvindo-a retratar sobre os planos relacionados ao bebê,

Que em decorrência do seu cargo público tinha acesso a um grande teor em dinheiro,

Lembrou consternado da carta que recebeu dias atrás sobre o parcelamento em atraso

Do empréstimo que contraiu junto ao único banco da cidade,

Estava com o nome sujo e agora teria um filho para partilhar da situação,

Todos os reconheceriam na cidade, iriam aponta-lo para onde fosse,

 

Seu nome estava escrito na pedra da vergonha e agora poria lá sua família,

Já havia diminuído seu ritmo de vida em tudo que pode,

Mais que isso seria considerado pobre,

Ele que sempre se orgulhou do seu padrão de vida elevado,

Pediu a esposa que fizesse as malas naquele mesmo instante,

Avisou que teria que se ausentar por algumas horas, mas logo retornaria,

Disse que não poderia detalhar mais, que assim agisse sem perguntas,

Ela o fez conforme o plano, três horas depois ele retornou com uma mala,

 

Ela o esperava deitada no sofá, desacordada, acordou em um ímpeto,

Assim que se sobressaltou em decorrência da porta ter sido arrombada,

Com os olhos arregalados pode ver seu esposo posto junto ao que sobrou da porta,

Ele apenas gesticulou para que ela o seguisse, ela pegou as malas e o fez,


Apesar de estranhar o carro estacionado na calçada, não disse nada,

Na pressa ao percorrer o caminho ele atropelou o cachorro do vizinho,

Agora seu carro estava sujo de sangue, precisaria limpá-lo,

O cheiro chamaria muito a atenção por onde seguisse, e o pneu furou,

Não haveria tempo para concertar até a luz da manhã,

 

Chegou no final da cidade, arrombou a garagem de um vizinho,

Ao não encontrar as chaves do carro, arrombou a porta da saída,

Entrou e intimou-o que passasse as chaves, ao qual o vizinho foi prestativo,

Sentado com a chave na ignição, olhou para sua esposa e seus olhos arregalados,

E percebeu que havia deixado pistas, retornou e ceifou a vida da testemunha,

Com a tesoura que pertencia a avó do vizinho e estava posta sobre a mesa da sala,

Talvez, houvesse mais de uma pessoa lá dentro, sua lembrança ficou turva,

 

Algumas horas depois acordou algemado, olhar consternado,

Sua esposa havia sumido, carregando seu filho no ventre,

Teve certeza que algo deveria ter ocorrido em erro no plano,

Então, ela deveria ter fugido e depois voltaria para busca-lo,

Uma garrota sozinha e bonita, andando pelas redondezas chamaria a atenção dos tiras,

Este fato explicaria a demora em vir ao seu encontro,


Ele lembrou do último beijo que tiveram soube que era amor,

E o filho seria apenas a consumação de tudo que sentiam um pelo outro,

Foram suas palavras não foram? Porém, havia uma acusação a pesar contra ele,

Preferiu então, no momento de elaborar sua defesa

Omitir esses detalhes, por qual motivo iria envolver

A futura mãe do seu filho em uma investigação desta espécie?

 

O caminho de erros feito por ele havia começado muito antes dela,

Algo parecia sussurrar aos seus ouvidos que ela estaria em algum lugar, a salvo,

Ele nunca duvidou de que o sangue que apareceu naquele carro jogado as margens,

Fosse do cachorro que havia sumido, conforme lhe inquiriram,

Não havia nada que o comprometesse, nem ao menos sinais de que ela estivesse

Estado naquele carro em algum momento, sentia-se feito um joguete do destino,

 

Mas tinha certeza absoluta de que seria inocentado, não havia feito nada,

Aquele dinheiro pertencia ao povo e ele fazia parte disso através dos seus impostos,

Quem mais que ele havia contribuído em razão do seu padrão elevado?

Ele nunca mereceu a miséria, porém, sua conta havia sido confiscada a algum tempo,

Lembrou que suas roupas ainda estavam no armário, e estes eram seus únicos bens,


Seria inocentado, tinha certeza que ao final seria feita a justiça,

Elaborou seu breve relato, camisa branca, gravata clássica,

Relatou com esmero o fato de como, de repente, foi encontrado inconsciente,

Preso dentro de quatro paredes frias da delegacia da cidade...

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