sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Bilhetinho

 

Eu caí em meio a calçada, dois pares de olhos arregalados

Me olharam de soslaio, levantei, bati a poeira da roupa e segui,

Meus joelhos arranhados foram reparados por dois olhos famintos,

De uma moça que me estendeu um lenço com o qual pude secar o sangue,

Eu sorri de forma melancólica, me senti envergonhado, insípido,

Parecia que os lábios dela tinham algo que me atraiam,

 

Me sentei sobre aquele banco verde da calçada, ela sorriu agitada,

Seu hálito quente sobre o meu rosto, tinha um gosto que eu desejava,

Depois ela, se ajoelhou ao meu lado e me ajudou a limpar o machucado,

Não soube o que dizer quando a vi beijar minha perna com um carinho

Quase materno, um sentimento puro que me deixou fascinado,

Eu teria dito a ela que estava apaixonado, se pudesse admitir isso para mim mesmo,

 

Lembro-me com os olhos incertos e distantes, talvez pudesse dizer com saudade,

Do momento em que ela se levantou com um sorriso radiante,

E correu os dedos deliciosamente sobre minha calça,

Repousando um beijo na minha testa, depois disse que eu iria ficar bem

E seguiu seu caminho perdendo-se para longe no horizonte,

Mesmo quando ela se afastou, meu carinho parecia irromper pela multidão,

E alcança-la, mesmo quando meus olhos não a avistavam mais,

Por mais longe que pudesse estar, senti que a alcançaria...

 

Naquele momento, eu não consegui pensar direito, tudo parecia estranho,

Mas a saudade queixosa que agora me aprisiona às lembranças,

Me implora para que eu tivesse tomado outra atitude, não a permitisse se afastar,

Penso comigo mesmo, que eu poderia ter dito algo, mas não confesso isso a ninguém,

Não lembrei de pegar seu número de telefone, nem ao menos pedi seu nome,

Feito um bobo, ainda sorri ao vê-la afastar-se,

Não sabia que naquele dia perdia alguém importante,

 

Alguém que eu guardaria comigo para o restante da minha vida,

É certo que há instantes eternos e que não precisam repetir-se

E há também aqueles que se prolongam no tempo,

Os quais se roga a Deus para que nunca tivessem nem ao menos começado,

O tempo é para uns o que não é para outros,

Tivesse percebido a oportunidade naquela bendita hora, teria a aproveitado,

Ela também poderia ter ficado, poderia ter tomado uma atitude diferente,

 

Ao invés de colocar-se em pé, olhar-me nos olhos e ainda beijar-me

Daquela forma gentil, quase materna, o que eu poderia ter feito?

Eu estava rasgado, sangrando, envergonhado, teria chorado não pela dor

Mas pelo constrangimento diante do fato, mas com muito custo

Engoli as lágrimas de uma a uma e fiquei parado feito um tolo,

A contemplar aquela moça sorridente que se desprendia em carinhos,

 

Os dias correram tranquilos, eu até consegui sorrir daquilo,

Embora, após uma semana eu ainda sentia os olhos dela presos em mim,

Fixos como se estivessem a me vigiar, a me atrair de alguma forma,

Eu não soube o que fazer, nunca senti algo assim,

Como foi cair feito um inconsequente esparramado no chão daquela cidade,

Só Deus em sua infinita bondade e sabedoria conseguiria responder,

 

Mas o bom disso tudo é que ela estava lá, e quando todos riram, ela me amparou,

Não teria como esquecer algo assim tão belo, inusitado e na falta de palavras

A gente se contenta em apenas sentir, em permitir que as coisas aconteçam,

Não há como se programar o destino, não é como um relógio que se põe para despertar,

As coisas acontecem na hora exata em que tudo deveria acontecer,

O fato é que contemplar a decoração pascalina que adornava a cidade,

Não deixava menos dolorosa a saudade que me acompanhava nas horas vagas,

 

O vento trazia algumas folhas secas para o vidro molhado da janela,

Ali dentro ninguém tinha conhecimento da saudade que me abraçava,

Decidi colocar minhas roupas para lavar na lavadora,

Recolhi todas, desde as que estavam esparramadas pelo chão,

Até as que havia deixado no cesto da lavanderia,

Ao revirar os bolsos para ver se não havia algum documento,

Por algum equívoco ali esquecido, encontrei um bilhetinho,

Bastante surrado, a alguns dias esquecido ali dentro,

 

Vez que o inusitado ocorreu de forma mágica aos meus olhos,

No bilhetinho estava rabiscado um número de telefone,

Estremeci de felicidade, é certo que estava um pouco apagado,

O último número eu não conseguia identificar se era um o ou um 8,

Mas, como toda a tentativa é válida eu iria me agarrar a isso,

E torcer para que fosse o número da moça,

 

Na primeira vez que liguei um homem atendeu, conversei um pouco,

Vi que era engano, não deveria se tratar da mesma pessoa,

Na outra tentativa, ninguém atendia, fiquei intrigado,

Mas nem por um instante me permiti desistir, aquele era apenas o início,

E eu iria até o final, dois dias de tentativas esparsas e inesitosas,

Uma voz melodiosa e feminina sorridente atendeu,

 

Perguntei seu nome e puxei assunto, vi que se tratava da moça

Que eu havia conhecido, me senti muito feliz, nada estava perdido,

Conversamos por horas consecutivas, e depois marcamos um encontro,

Cheguei 15 minutos adiantado, não sou tolerante a atrasos,

Nem ela era, percebi ao ver seu carro dobrando a esquina minutos após.

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