Lá fora o vento da primavera brincava com as flores,
Saboreando o frescor noturno, brincando de esconder
A lua através de um véu de nuvens esparsas,
Como se desejasse esconder seu brilho inocente,
De quem acredita e sabe muito mais do que demonstra,
Embora pudesse afugentar pouco as sombras,
Nem mesmo o véu da noite conseguia despista-la,
E mesmo, ela estando, ali dentro, escondida,
Ela sabia e nunca poderia negar: ainda amava,
Como o amou desde a primeira vez que o viu,
E por mais que tentasse esconder, amava-o muito,
Passou as mãos pelo cabelo, sem querer sentiu seu rosto,
Seus olhos estavam assombrados pelo quanto podia amar
Mesmo através da distância, do tempo, da saudade
Que consumia toda a sua “dignidade” e sussurrava:
“ligue para ele, gaste seu último resquício de orgulho e o
procure”,
A vidro da janela ficou embaçado, pareceu descontente
Ou talvez estivesse confuso diante da confissão,
Orgulho, dignidade? Burrice era negar-se a voz do coração,
E de repente, como se chateado pela mentirinha inventada,
Todo o seu horizonte se desfez pelo vapor a sua frente,
Em um ímpeto de ousadia ela levantou a mão e o tocou,
Limpando com os dedos, entre os espaços pode contemplar-se,
Era como se ela já não fosse mais uma única pessoa,
Era como se parte dela estivesse ali, ela sentia a si mesma,
Mas outra parte estava distante, em outro lugar,
Lá onde a saudade volta e meia a levava em pensamento,
Lá onde passou seus melhores momentos,
Onde amou como nunca acreditou ser possível,
Onde desejava desesperadamente voltar algum dia,
A lua saiu de uma nuvem espessa e iluminou seu rosto,
Por entre os vãos, como se a convidasse para ir lá fora,
Para quebrar aquelas grades invisíveis que a prendiam
Sem ferir, que a tomavam através do sentimento de...
impossibilidade?
Afinal, a que ela se prendia para estar tão distante?
Para desistir do homem que amou como louca
E do qual jamais deveria ter desistido, procurou em si um
motivo,
Reviveu cada momento que passaram juntos,
Mas nem um único parecia resistente para mantê-la longe,
Para apagar tudo que viveram, toda a felicidade que tiveram,
Ela sabia que se fosse lá fora iria querer ir além,
Sabia que dirigiria até ele, ainda mantinha viva cada
lembrança,
Se apegava a tão pouco para pôr um fim a todo o amor que
sonharam,
Aquelas grades desenhadas em seu reflexo eram precárias,
Por mais que tentassem fazê-la resistir ao que sentia,
Não conseguiriam por nada, mas e quanto a ele, o que diria?
Parecia que a lua já sabia sua resposta, ela sentia isso em
sua certeza,
Não fosse amor, ela não teria afastado nuvens tão densas,
Movida por um único motivo: amor genuíno, amor puro,
íntegro,
Para ilumina-la, para convida-la a perder o medo do
inseguro,
Construir barreiras para manter-se distante de si mesma?
Para distanciar quem ama e sabia que amaria por toda a vida?
Isso era ego inflamado, conversas mal resolvidas, erros
apagados
Aos quais ousava se prender apenas para por em evidência
Empecilhos jogados no chão, por onde construiu seu caminho,
Se eram eles seu chão, não poderia ela, mudar de posição?
Ainda lembrava do dia em que tiveram uma discussão,
Ela pegou o perfume que o presenteou e o jogou ao chão,
Estatelado em mil pedaços, teria ela resumido o amor a um
vidro?
É certo que o cheiro poderia ter escapado pela janela,
Também, é certo que, mantendo-a fechada ali permaneceria,
Mas há ninguém é permitido fechar-se culpando-se pelo
desnecessário,
A culpa deveria ser definida sobre o que é possível fazer
E o que não é, sendo imutável a tolice está no prender-se,
O caminho construído a erros existia apenas na sua
imaginação,
Nos fazes de conta que ela inventava para manter-se distante,
Para se apegar e não atender ao telefone, não ligar,
Com a lua a iluminá-la em metades, ela decidiu ser inteira,
Num rompante de algo em que ela acreditou, embora,
Não soubesse nomear o que a moveu, ela levantou a mão
inteira
E a sentou sobre o vidro com força suficiente para o
desembaraçar,
Até que seu rosto tornou-se uma imagem fraca, ali refletida,
Enquanto a lua continuava a chama-la, com ainda mais
intensidade,
Ela secou as lágrimas, não queria mais viver de miragem,
Pegou as chaves do carro, a bolsa, seu cachorrinho enroscou-se
entre os seus pés,
Ela o abraçou com toda a força e amor que tinha, fechou as
cortinas...