terça-feira, 5 de janeiro de 2021

À Luz Da Lua

 

Lá fora o vento da primavera brincava com as flores,

Saboreando o frescor noturno, brincando de esconder

A lua através de um véu de nuvens esparsas,

Como se desejasse esconder seu brilho inocente,

De quem acredita e sabe muito mais do que demonstra,

Embora pudesse afugentar pouco as sombras,

 

Nem mesmo o véu da noite conseguia despista-la,

E mesmo, ela estando, ali dentro, escondida,

Ela sabia e nunca poderia negar: ainda amava,

Como o amou desde a primeira vez que o viu,

E por mais que tentasse esconder, amava-o muito,

Passou as mãos pelo cabelo, sem querer sentiu seu rosto,

 

Seus olhos estavam assombrados pelo quanto podia amar

Mesmo através da distância, do tempo, da saudade

Que consumia toda a sua “dignidade” e sussurrava:

“ligue para ele, gaste seu último resquício de orgulho e o procure”,

A vidro da janela ficou embaçado, pareceu descontente

Ou talvez estivesse confuso diante da confissão,

 

Orgulho, dignidade? Burrice era negar-se a voz do coração,

E de repente, como se chateado pela mentirinha inventada,

Todo o seu horizonte se desfez pelo vapor a sua frente,

Em um ímpeto de ousadia ela levantou a mão e o tocou,

Limpando com os dedos, entre os espaços pode contemplar-se,

Era como se ela já não fosse mais uma única pessoa,

 

Era como se parte dela estivesse ali, ela sentia a si mesma,

Mas outra parte estava distante, em outro lugar,

Lá onde a saudade volta e meia a levava em pensamento,

Lá onde passou seus melhores momentos,

Onde amou como nunca acreditou ser possível,

Onde desejava desesperadamente voltar algum dia,

 

A lua saiu de uma nuvem espessa e iluminou seu rosto,

Por entre os vãos, como se a convidasse para ir lá fora,

Para quebrar aquelas grades invisíveis que a prendiam

Sem ferir, que a tomavam através do sentimento de... impossibilidade?

Afinal, a que ela se prendia para estar tão distante?

Para desistir do homem que amou como louca

 

E do qual jamais deveria ter desistido, procurou em si um motivo,

Reviveu cada momento que passaram juntos,

Mas nem um único parecia resistente para mantê-la longe,

Para apagar tudo que viveram, toda a felicidade que tiveram,

Ela sabia que se fosse lá fora iria querer ir além,

Sabia que dirigiria até ele, ainda mantinha viva cada lembrança,

 

Se apegava a tão pouco para pôr um fim a todo o amor que sonharam,

Aquelas grades desenhadas em seu reflexo eram precárias,

Por mais que tentassem fazê-la resistir ao que sentia,

Não conseguiriam por nada, mas e quanto a ele, o que diria?

Parecia que a lua já sabia sua resposta, ela sentia isso em sua certeza,

Não fosse amor, ela não teria afastado nuvens tão densas,

 

Movida por um único motivo: amor genuíno, amor puro, íntegro,

Para ilumina-la, para convida-la a perder o medo do inseguro,

Construir barreiras para manter-se distante de si mesma?

Para distanciar quem ama e sabia que amaria por toda a vida?

Isso era ego inflamado, conversas mal resolvidas, erros apagados

Aos quais ousava se prender apenas para por em evidência

 

Empecilhos jogados no chão, por onde construiu seu caminho,

Se eram eles seu chão, não poderia ela, mudar de posição?

Ainda lembrava do dia em que tiveram uma discussão,

Ela pegou o perfume que o presenteou e o jogou ao chão,

Estatelado em mil pedaços, teria ela resumido o amor a um vidro?

É certo que o cheiro poderia ter escapado pela janela,

 

Também, é certo que, mantendo-a fechada ali permaneceria,

Mas há ninguém é permitido fechar-se culpando-se pelo desnecessário,

A culpa deveria ser definida sobre o que é possível fazer

E o que não é, sendo imutável a tolice está no prender-se,

O caminho construído a erros existia apenas na sua imaginação,

Nos fazes de conta que ela inventava para manter-se distante,

 

Para se apegar e não atender ao telefone, não ligar,

Com a lua a iluminá-la em metades, ela decidiu ser inteira,

Num rompante de algo em que ela acreditou, embora,

Não soubesse nomear o que a moveu, ela levantou a mão inteira

E a sentou sobre o vidro com força suficiente para o desembaraçar,

Até que seu rosto tornou-se uma imagem fraca, ali refletida,

 

Enquanto a lua continuava a chama-la, com ainda mais intensidade,

Ela secou as lágrimas, não queria mais viver de miragem,

Pegou as chaves do carro, a bolsa, seu cachorrinho enroscou-se entre os seus pés,

Ela o abraçou com toda a força e amor que tinha, fechou as cortinas...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Mulher Armada

O barulho que a despertou a fez chorar de novo,

Lágrimas silenciosas escorriam por seu rosto,

Se agarrou nas cobertas, desejou se esconder,

Mas não importava o que fizesse, seria presa fácil

Se não levantasse e reagisse da forma que fosse possível,

Do espaço da cama ao interruptor havia o medo do escuro,

 

O medo do inseguro, dos fantasmas que faziam um eco

Em seu pensamento, fazendo-a ver reflexos de sombras do teto ao assoalho,

Alguém poderia pegá-la, naquele exato instante,

Agarra-la e fazer dela presa fácil, objeto de desejos obscuros,

Ela parou um momento, fechou os olhos, desejou morrer,

Então, lembrou-se da arma que guardava na cômoda

 

Logo ao lado da cama, pensou que havia um copo de água sobre ela,

E que estava cheio, pois ela havia bebido apenas dois goles,

E o reservado para depois, se ela tateasse de forma errada,

Poderia derrubar a água que escorreria sobre a arma,

E quem sabe, para o seu azar ela falhasse na hora em que mais precisava,

Precisava pensar um pouco, refletir parecia ser a melhor ideia,

 

Mas ela achava que não havia tempo, as formas nas sombras

Pareciam sussurrar: corra, fuja, se esconda, ela se via

Dominada por seus medos, era como se todo o seu redor se movesse,

Lembrou do seu cão rottweiler, ele poderia estar ferido, pois a amava,

Certamente poria em risco sua própria vida por ela, precisava ser forte,

Não poderia chama-lo para não chamar a atenção de quem poderia estar à espreita,

 

Esperando o momento para domina-la, e sabe-se Deus lá o que fazer,

O medo se aproximava tomava forma e ela fugia, com o máximo de destreza que pode,

De passo a passo, rumou ao interruptor, errou a metragem, bateu na parede,

Um risco de sangue correu do seu braço, teve que conter o grito de dor,

Pensou no seu cachorro a esta hora ele poderia estar morto,

Pensou em chorar, mas conseguira conter as lágrimas a algum tempo,

 

Não lhe restara outra alternativa que não fosse ser forte,

De costas para a parede, colada a ela, como se agora já não fosse humana,

Fosse mero objeto, matéria fria e sem vida, ela suspirou,

Pediu forças a Deus e esticou o braço, raspando-o de novo,

Dessa vez sem se ferir, seus dedos não encontraram o interruptor,

Parecia que sua casa havia mudado de lugar, coisa estranha,

 

Pois tudo costumava ser deixado exatamente da mesma forma,

Estendeu um dedo, depois o outro, no terceiro conseguiu encontra-lo,

Sentiu medo, mas dessa vez era da luz, e se alguém estivesse ali parado,

A sua espera, talvez com uma arma, talvez apenas com seus músculos,

Ela estava nua, isso seria bom ou ruim? Não sabia se desejava ser vista dessa forma,

O medo tomava diversas nuances e neste instante parecia dominá-la por completo,

 

Ela desejou que seu cão a ouvisse, que ao menos suspirasse, mas nada...

Apertou o dedo, ligou o interruptor e sem pestanejar, nem pensar,

Se jogou ao chão no mesmo instante, assustada pelo barulho do interruptor,

Tendo sua queda amortecida pelos joelhos e a mão direita que estendera ao assoalho,

Com a esquerda cobriu o rosto, tinha medo que a ferissem de forma tão visível,

Como enfrentaria as pessoas no outro dia se estivesse com a cara amassada?

 

Sua alma já gritava agressão, sentia que não precisava mais que isso,

O que diria, que sofrera uma queda? Que havia se ferido sozinha?

A vizinhança jamais acreditaria e seria difícil encarar o olhar atento

Da vizinha da frente que casada por mais de trinta anos,

Nunca havia aparecido com uma única sequela para fora da casa,

Nem mesmo grito, barulho, nada...apenas silêncio...

 

Minutos se passaram sem que nada a tenha atingido,

Arriscou olhar para o alto por meio aos dedos, não encontrou ninguém,

Foi levantando-se ainda recostada na parede,

E sorrateiramente olhou para cada canto do quarto, sentiu-se, por segundos,

Um pouco mais tranquilizada estava sozinha, mas o silêncio ainda imperava,

Onde estaria seu cão que costumava dormir na mesma cama que ela?

 

Algo poderia estar errado no outro cômodo, e agora?

Seria melhor seguir até ele, chama-lo, ou o quê? Lembrou-se da arma,

Mas se andasse até ela, poderia ser tarde para o seu cão,

Seus olhos lagrimejaram de novo, sentia-se ferida, tonta,

As lágrimas que não escorriam por sua cara

Rumavam para algum lugar, ferindo sua alma,

 

Como se embebessem seus pensamentos, embriagando a razão,

Afogando seus sentidos, abafando o pulsar do coração,

Com poucos passos chegou a cama, sentou-se, sentia-se fraca,

Talvez a arma já estivesse sido removida... olhou para os lados,

Abriu a cômoda e a sacou com uma das mãos,

De repente, o aço dela, antes tão frio e duro, agora lhe parecera quente

E reconfortante, para sua segurança havia deixado ela desmuniciada,

 

Puxou o tambor do revolver com as mãos tremulas,

Pegou a munição, atentando-se triste para a sua forma,

Pareciam pequenos absorventes internos usados outrora para estancar sangue,

Que ironia, sorriu para si mesma, e carregou o tambor,

Não saberia precisar se era contra ou a favor ao desarmamento,

Mas naquele instante, a ideia de ter o porte lhe pareceu favorável,

 

Mas imaginar ceifar a vida de alguém, contemplar seu cão imóvel,

Tudo isso, a deixava insegura, frágil, não sabia se teria forças para rumar

Até a sala, sua cabeça rodava, as coisas não se apresentavam bem,

As imagens das violações sofridas viam a sua cabeça, e pareciam domina-la,

Contudo as ondas de roubos da região haviam se intensificado,

Precisava ser forte por ela e por seu animal de estimação,

 

Colocou os dedos no gatilho e caminhou escondida na parece,

Sem fazer barulho, parecia nem ao menos respirar, apenas seguia,

Ela estava nua, havia escolhido ser uma vítima nua?

Estava impedida de fazer barulho em que sua roupa poderia protege-la?

Da exposição de aparecer nas manchetes de jornais, talvez reportagem capa?

Não seria mais que um corpo bonito, uma pobre alma atormentada,

 

Seria bom estar assim, lhe daria mais chances para reagir,

Afinal, todo o tempo era precioso para o que tinha em mente,

Ela teria coragem para atirar nele, sabia disso, o fato de estar nua,

Exposta, não mudaria em nada a sua concepção, contemplar seus medos,

As marcas das feridas de outrora nada a fariam mudar seus objetivos,

Nem mesmo se seu cão estivesse caído, no chão, morto...

 

Nem mesmo se um par de olhos inexpressivos a estivessem esperando, agressivos,

Nem mesmo se fosse alto, bonito, musculoso, ou estivesse armado?

Ou mesmo agarrado junto ao pescoço do seu cão, sufocando-o?

Nunca entendera por que nos filmes os estupradores eram retratados como feios,

Mas o que fora fácil identificar é que eles gostavam de tirar a roupa,

Então, ela estaria nua, saberia o que falar e fazer na h,

Também lembrou que as vezes haviam cúmplices ou co-autores?

Ela saberia o que fazer mesmo se estivessem armados...

domingo, 3 de janeiro de 2021

Moça Triste

 

O que você faria se seu corpo estivesse ferido

E sua alma caísse em um vazio do qual não conseguia sair?

Talvez perambulasse por entre as sombras em busca de abrigo,

De que as sombras pudessem esconder as marcas da sua dor,

Se seus olhos negavam-se a buscar uma saída que parecesse lógica,

Talvez camuflar-se pela escuridão da noite parecesse mais adequado,

 

Cansada de andar por ruas incertas e sem destino fixo,

Sentara-se sobre uma pedra a espera de que a poeira baixasse,

E quem sabe o sol da manhã pudesse apresentar um endereço,

Um rumo certo, mas antes mesmo que o sol se apresentasse,

Tudo parecia se apagar em sua mente,

Deixando sobre as margens apenas as marcas do seu corpo,

 

Chorar copiosamente, as escuras, parecera uma boa saída,

Quem sabe as lágrimas apagariam o gosto amargo da sua boca,

Ela não conseguia lembrar com nitidez, na verdade, nem queria,

Estava machucada, ferida, magoada, ela repetia para si mesma,

Ela sabia que não seria a primeira a ferir-se nem a última,

As lágrimas prendiam-se em sua garganta, engolindo no vazio a sua fala,

E isso a felicitava, pois a impediriam de gritar tudo que queria calar,

 

Ela precisava pensar, encontrar uma saída, não podia perder tempo demais a chorar,

Ela havia se perdido em algum lugar e por mais que tentasse,

Não conseguia se encontrar, porém após seus lapsos de lágrimas,

Ela sempre se sentia mais em si mesma, chorar parecia alivia-la,

Caminhar sob o luar, ou às escuras com sua sombra para companhia,

Sempre havia aparentado a saída mais ideal; decidira, jamais amaria,

 

Seus medos e pesadelos pareciam acompanha-la por onde quer que fosse,

Nem mesmo o edredom da sua cama lhe concedia o direito ao esquecimento,

Ela poderia entregar sua alma algum dia, mas não seria agora,

Não seria desta forma, escrevera algo na poeira da estrada,

A noite sem lua não permitiria a ninguém enxergar,

E talvez, antes do nascer do sol a chuva pudesse apagar,

 

Ela se sentia no limite da razão, um passo distante do coração,

Sua alma pairava sobre ela, como se estivesse a quilômetros de distância,

A luz da sua consciência parecia esvair-se da sua alma,

Largando-a submersa a toda dor que sentia e apesar do esforço, não entendia,

Poderia acabar longe demais de si mesma, precisava encontrar um caminho de volta,

Ela se sentia fora de si mesma, perdida em algum lugar,

Vítima dos seus conceitos, das promessas que jurou a si mesma,

 

Se sentia atacada, muito mais do que os tabloides poderiam noticiar,

Ela tentava contar sua história nas estrelinhas, mas as pessoas negavam-se a crer nela,

A entende-la, o sangue exposto sobre a pele tornou-se trivial,

Mesmo as letras garrafais apresentavam-se desconexas, a beira do irrisório,

Os vazios em que aos poucos, de um a um, os sentimentos se consumiam,

Pareciam inelegíveis, indistintos, vagos demais aos olhos desatentos,

Que embora desconfiados negavam-se a verdade dos fatos,

 

Seus olhos arregalados de medo eram desconsiderados,

Ela pediu por isso, mereceu cair por entre os vãos deste cenário,

Atriz coadjuvante de um filme de terror com final incerto,

Diziam os outros aterrorizados por contemplarem a si mesmo em seu reflexo,

Ela estava exposta sobre as luzes dos holofotes, mas ninguém queria vê-la,

Mesmo ela, negava-se a encarar a ferida que sobre a sua pele se cicatrizava,

 

Denunciando que sofrera, e que ninguém parecia se importar,

Para começo de conversa, ela nem sabia mais onde estava,

Tudo havia se perdido em reflexos de sua história,

Era como se houvesse um teatro sobre si mesma, em que ela sentara-se na última fila,

A última a saber sobre si própria, a última a acreditar em tudo que passara,

Mesmo escondida ali, no escuro, sentia vergonha de tudo que houvera,

Fontes atinentes aos seus passos relatavam utilizarem-se de uma peça íntima

Como forma de monopolizarem-na, manipularem os atos da sua vontade,

Ela afastou esse pensamento, pensaria nisso mais tarde, se houvesse um mais tarde...

 

Sua história parecia pertencer a outro alguém, ela nega a si mesma,

Havia então se apaixonado, isso mudaria sua rota e agora?

Esse pensamento embebia em lágrimas a luz do seu olhar,

Queria sair para a luz do dia, mas tinha medo de que as pessoas pudessem vê-la,

Não queria demonstrar que sofria, mas precisava seguir adiante,

Seu coração não batia, prendia-se junto a garganta,

Emudecido, cego, sem encontrar palavras ou saída,

De repente falar parecia algo difícil, ausente do seu alcance,

 

Queria fechar os olhos, desejava que tudo não passasse de uma vertigem,

Mas a luz do dia trazia tudo de volta, por mais que tentasse,

Nada poderia apagar tudo que houve da sua memória,

Os risinhos, as conversinhas, o sofrimento de não ter ninguém com quem contar,

Mas agora que ela tinha, não sabia como falar, como extravasar o que sentia,

Parecia uma incógnita, por mais que tentasse não se reconhecia,

Sentia-se ofegar, mas algo prendia sua fala, a impedia, a afastava...

 

Tinha medo de que suas esperanças se apresentassem falsas,

Até sua memória parecia falhar agora,

Sem chances de gritar, sentia-se paralisada, machucada,

Porém, ilesa? Embora destruída em sua alma,

Como se arrancassem-na de dentro para fora,

Expondo-a, gritando em uma voz que ela não entendia,

Ela tentava sorrir, mas seu rosto inchado doía,

 

Queria esconder as lágrimas, mas em que isso importava?

Quem desvendaria os segredos que os olhos que a julgavam

Guardavam no lugar obscuro e incerto, dentro de si mesmos?

Naquele instante, ela não conseguia lembrar-se nem do seu endereço,

Trancara-se por dentro com travas sem chave para abertura e isso era bom,

Mas agora alguém desejava encontra-la, como ela reagiria?

 

Os sonhos de uma noite poderiam se apagar com o tempo,

Ela desejou acreditar nisso, mas a saudade veio e negou-se a tanto,

Ele havia lhe prometido um para sempre? Isso ela não conseguiria responder,

Sentia medo e o medo a paralisava, engolia suas palavras, mas isso ela já disse,

Em um instante sua mente condenava-se a ficar em branco,

Esconder parecia o melhor caminho, queria acreditar, embora nega-se a isso.

Um Homem Triste

 

Algo ainda me fazia insistir em meu destino,

Duvidava que fosse Deus, mas ainda não havia

Vendido minha alma ao inferno, a cedido ao diabo,

Você pode achar que eu desisti de viver,

Mas isso está longe de ser verdade,

 

É certo que agora estou com a cara no chão,

Tenho minha integridade violada pelas minhas costas,

Minhas mãos estão presas, emudecido está o meu coração,

“Estuprado – mãos ao alto”, pude ouvir através do silêncio frio

Do estrondo que me feria por dentro,

 

Um grito silenciado na garganta, um homem ferido ao chão,

Na alma de um selvagem um gemido,

Ao meu redor o silêncio de pessoas que fingiam não ver,

Estavam cegas em si mesmas, fechadas em suas próprias dores,

Eu tinha sorte por ser dessa forma, não tinha?

 

Já pensou se pudessem ver através da minha cara tudo que eu sentia?

Imagina se pudessem ver pelos meus olhos a dor que escorria?

Meu nome escrito em letras gritantes de vergonha,

Indigno, eu me sentia, carente de força para me levantar,

Palavras cuspidas escoriam por minha cara,

 

Me sentia cegado, emudecido, entregue a dor,

Via tudo que eu era tornar-se frio esvaziando-se em sangue,

Algo me consumia por dentro, roubava-me de mim,

Pobre homem que ousou sonhar alto demais,

Caiu ao solo seco, tiro certo, voz silenciada,

 

Pena de morte premeditada, violar-me até tirar-me de mim,

Eu teria sorte em estar vivo, não teria?

Eu deveria cooperar se quisesse salvar a mim mesmo,

Eu deveria me mexer, no entanto, caí estagnado,

A dor me corroía por dentro, sangue escorria em minhas entranhas,

 

Uma vida roubada pelo vão de dedos ferinos,

Eu desejei falar, objetar, mas quem me daria ouvidos,

Eu era um homem condenado ao chão da terra fria,

Que agora estava molhada, embebida em lágrimas?

O que é isso que escorre em mim agora?

 

Preciso de água, sinto cede, preciso ir ao banheiro,

Algo dentro de mim não está certo, nada parece fazer sentido,

Será que sobrou muito de mim para confirmar algo,

Será que um banho quente vai tirar o frio do corpo?

As marcas que sinto pesarem dentro do espaço

 

Que se abriu em minha alma, em meu peito?

De algum modo consegui esconder a dor, em algum lugar,

Agora o vazio aberto em mim poderia abrigar muitas coisas,

Eu poderia marchar feito um soldado armado,

Sem precisar me condenar aos becos da cidade,

 

Que já estava cansada de noticiar este tipo de espécie,

Diziam eles, espécie de crime, cultuado pelos ignorantes,

Esquecido pelos inteligentes, ignorados pelos que não entendem,

Entendimento era tudo que eu não tinha naquele instante,

É cediço, que a lei me abrigava a denunciar o ocorrido,

 

Embora eu já tivesse conhecimento do tormento que seria

Tomar uma atitude desta amplitude, ouviria julgamentos,

Seria vitimizado, reviveria este momento por mil vezes seguidas,

E aqueles olhos me seguiriam, talvez isso fosse o suficiente para me manter calado,

De vítima a ofensor, eu havia sido estuprado quem queria ouvir isso?

 

Do grande e forte homem que eu era, agora o que havia restado?

Dói, sangra, fere a alma eu poderia alegar, mas quem entenderia?

Eu merecia conforto, queria abafar o grito de socorro,

Mas me ensinaram a calar o choro, sofrer em silêncio,

Eu havia sido um alvo fácil, agora, porém, me sentia agressor,

 

Cada vez que eu tentava citar o fato, buscando entender o ocorrido,

As pessoas desviavam a atenção, pareciam estar ensurdecidas,

Haviam, então, se acostumado as violações, para ter direito a ser alguém,

Cadê a bandeira que eu ergui buscando por dignidade?

Mesmo quando minhas queixas chorosas chegassem até a delegacia,

 

Eu teria que enfrentar outros homens ou mulheres

Olharem no fundo dos seus olhos e dizer: “sim, sim, fui ferido de morte”,

Há algo de pior para a alma de um ser que nasceu para ser forte?

Condenado a prisão de sofrer calado, de vencer por si mesmo,

Eu procuraria por consolo, alguém levantaria a voz em meu amparo?

 

Olhos famintos e reprovadores me cuidavam,

Me sentia vigiado, tentei me manter afastado,

Qualquer um teria feito o mesmo, mas me encontraram,

Mancharam meu corpo, cabularam meu pranto,

Eu senti medo, nenhum homem merecia ser ferido a este ponto,

 

Ninguém merecia provar tal dor dilacerante,

Meus punhos antes de aço, renderam-se presos,

Eu queria gritar sou homem, não faça isso comigo,

Mas foram poucos minutos, eu iria sobreviver,

Conseguia ver no rosto dos transeuntes que haviam outros,

 

E talvez, não parassem, alguém teria que dar um ponto final,

Não teria? De vítima a agressor um passo que não fora prescrito...

Na noite seguinte, eu tomaria mais cuidado, repetia para mim mesmo.

sábado, 2 de janeiro de 2021

Dormir de Conchinha

 

Eu ficaria a noite toda acordado cuidando dela,

A vida toda ficaria velando o seu sono,

Se eu conseguisse, pois, vê-la segura em meu abraço,

É minha realização, é onde deposito minhas esperanças,

A protejo do real, do imaginário, de tudo que for necessário,

Pois a amo de uma maneira única, que nenhuma outra mereceria,

 

Senti-la repousar em meu braço é o que me faz homem,

Vê-la dormir serena é tudo que sempre imaginei fazer,

Desde a primeira vez que a vi, me faz tocar o céu

Ouvir ela sussurrar no meu ouvido que ama meu cheiro masculino,

De homem, seu protetor; os instantes em que em seus sonhos

Vejo ela me procurar, ressonando, buscando meu cheiro, meu carinho,

Me faz completo, me faz realizado, me faz inteiro,

 

Eu chego a pensar que durmo muito mais do que gostaria,

Preferiria passar insone a noite toda, a contempla-la,

Ela acorda pela madrugada, suspira, se encosta em mim,

Me procura, se ampara e me pede para dormir,

Unidos como um só corpo, nos sinto flutuar,

 

Uma noite as 3:15 da manhã, ela ressonou, procurou meu cheiro

E não me encontrou, eu havia ido ao banheiro,

Ouço ela soluçar assustada, triste, magoada, volto correndo,

E vejo que ela ainda nem abriu os olhos, apenas sentiu minha falta,

Deito e abraço-a com todo o meu amor e vejo que não há nada maior que isso,

Às vezes, ela acorda, me pede água e eu busco para ela,

Me satisfaz como homem ver ela saciada, feliz, contente comigo,

 

Não medimos esforços para realizar um ao outro,

Ela odeia dormir sem mim, e gosta de deixar isso bem claro,

A cada vez que acorda pela madrugada enroscando os pés às escuras,

A procura de água, do banheiro, do que for que seja,

E eu também, não durmo sem ela do lado, gostamos de ser assim,

Quando se ama não há nada pior do que deixar seu bem mais valioso,-

 

A pessoa que amamos, sozinha-, ainda mais conhecendo seus medos estranhos,

Nós pertencemos um ao outro, nos completamos, nos realizamos, isso é tudo,

É claro que antes de nos conhecermos dormimos sozinhos, isso é obvio,

Mas a partir do momento em que juramos cuidar um do outro,

Cumprimos isso à risca, mesmo se nos custasse a própria vida,

Nós não sabemos ao certo se acreditamos ou não em vidas passadas ou futuras,

 

Por isso nos dedicamos com integridade ao presente, simplesmente vivemos,

Nós adoramos escrever um para o outro o quanto nos amamos,

Fazemos todos os tipos de declarações, até aquelas bizarras, adoramos os sorrisos roubados,

Estes que surgem do nada e que, quando estamos sozinhos gostamos de recordar,

Só para rir mais um pouco, feito dois bobos, aquelas gargalhadas que fazem doer a barriga,

Ela adora se esconder pelas paredes e sussurrar ao meu ouvido:

 

Um amor para a vida toda ou um beijo roubado?

Os dois, respondo e a seguro em meus braços, isso é absolutamente maravilhoso,

Esta declaração pode parecer um tanto quanto bajuladora,

Mas é a realidade expressa pelas mãos de quem muito ama,

E que é profundamente amado também, me sinto seguro quanto a isso,

Não admitimos fofocas um sobre o outro, nem paira mentira sobre os nossos atos,

 

Somo unidos, íntegros, o amor em sua forma íntegra é o que nos une,

Não são ideias, relatos, nem nada, unicamente amor,

Os outros se importando ou não, essa é a verdade,

Nossos planos pertencem a nós dois, nossas vitórias são nossas,

Cobrar algo dela iria parecer chantagem, em nosso relacionamento

Nós nos doamos, nos entregamos de forma espontânea,

 

Se é possível estabelecer um preço para as coisas como o amor ou a vida,

Eu diria que é saber viver, se entregar de maneira profunda,

Respeitar, acreditar um no outro, evitar evasivas, construir-se através do diálogo,

Ver ela chorar, me fere muito mais que a mim mesmo,

Me ferir ataca a ela mais que o cometimento de um crime bárbaro,

Estupro ou pânico são aversões que ninguém poderia medir,

 

São coisas que ferem o corpo e machucam a alma, e quem é que poderia

Calcular um preço a algo nojento desta magnitude,

Qual seria a pena justa para quem rasga a pele e dilacera a alma de alguém?

Imagine a amplitude desta aversão quando ocorre contra quem se ama?

Isso são questões que entrego para as senhoras que gostam de tricotar,

Quanto a nós, nos amamos profundamente, respeitamos a realidade

Um do outro, cuidamos dos nossos machucados, entregamo-nos,

 

Sempre que possível seguramos a mão um do outro,

Seja em um passeio, na cama ou o que for, gostamos de demonstrar presença,

Gostamos da segurança de estar juntos, de simplesmente amarmo-nos,

Isso são questões que a sociedade precisa considerar,

Negar-se a ver o que a moral, a lei, a ordem, os bons costumes, ou seja, o que for

Jogam nas nossas caras no nosso dia a dia não deveria passar despercebido,

 

Sempre vejo a vizinha trocando farpas com a outra do lado,

Falando da vida alheia, mas comentamos eu e meu amor,

Quem é que cuida dos desafortunados expostos as agressões de todo tipo?

Há quem relate que um crime em que se ceifa a vida de uma pessoa por dinheiro

É mais cruel que certas formas de terrorismo ou o estupro,

De fato, o direito à vida deve prevalecer, mas, e quando nos furtam o direito de viver?

 

Condenando a perambular sobre a terra feito corpos errantes, violados,

Condenados ao silêncio devido ao medo, a vergonha do julgamento,

De enfrentar, admitir: sim, fui estuprado, sim fui ferido e isso dói,

Vou depor, me expor, mexer com uma faca invisível as feridas dilaceradas,

Transcorrido o tempo do processo, serei chamado ao tribunal,

Cutucar com uma lâmina afiada as feridas que já pareciam cicatrizadas,

Que Deus me ajude para que pelo menos eu não tenha que aturar de novo,

 

A cara do agressor ou da agressora, sim, porque eu sujeito homem,

Também padeço, e sou suscetível a cair no vão do estupro,

E para mim, ter que falar, talvez doa mais ainda,

Eu sou homem e tentaram tirar meu direito de sê-lo,

Sobrou o que de tudo que fui, ignoraram meu pênis, fui sufocado,

 

Me feriram com agressões, me jogaram no chão, e ficaram sobre mim,

Me seguraram com uma única mão sobre o meu peito,

Desejaram silenciar o amor que eu poderia sentir algum dia?

Me socaram por trás, no fundo, me ignoraram, sou nada e agora?

Os músculos dos quais me orgulho, não me ajudaram, falharam na hora H,

Eu não poderia gritar, poderia? Doeu e ainda dói, mas falar agora?

 

Será que quem irá me ouvir saberá dar vazão ao que eu sinto?

Será que entenderia a amplitude do que eu vivi, ali sozinho...

E se minhas palavras falharem e eu chorar na frente de todos,

Estarei preparado para expor o que me foi retirado à força?

Terei que passar por um corpo de delito? Irão me tocar de novo, e agora?

De novo me sinto homem, mas agora condenado aos próprios medos,

Encarcerado sem chave de saída por dentro, dentro?

 

Sofri uma ereção instantânea, poderia ter resultado em um filho,

Agora sou um assassino? O que sobrou do que eu era?

Minha voz masculina, grave, agora está rouca em soluços,

De vítima a agressor, de agredido a silenciado

...um passo não percorrido, carência de lógica, razão, sentido,

 

O que estariam a procurar? O que estariam a tirar de mim, se não a vida?

Me fizeram parecer fraco, me condenaram a poeira da terra suja,

Sujaram meus lábios agora sou um pecador? Um predador?

Ainda posso sentir aquele peso sobre as minhas costas,

Me esforcei, tentei empurrar para longe, mas nada...

Acordo suado, enfraquecido, ela me abraça, está ao meu lado,

Eu te amo, sou eu meu amor, ela fala com suavidade,

Não tenha medo, foi apenas um pesadelo... choro colado em seu peito, seguro.

Declaração no Jornal

Em 2016, o sangue manchava as páginas dos jornais,

E a capa gozadora, exibia os restos do que sobrara,

Pessoas insanas recebiam tudo que liam, sem se ater,

Já nem se surpreendiam com tanta barbárie,

E eu, sentado em minha escrivaninha esperava uma ligação,

Em um dia normal de primavera, me assaltava o coração,

 

O fato de amar tanto minha namorada, mas nos vermos tão pouco,

Foram poucos os momentos vividos juntos, mas os guardaria comigo,

Seus olhos, seu cheiro, seu gosto, ainda estavam em meu corpo,

A saudade, insatisfeita, tentava agarrar-se a distância em tentativa

Inútil de me fazer esquecer, dizia ela que onde um dia houve o amor

Restaria apenas um vazio, pois tudo de bom ali, ela consumiria,

 

Eu me negava a todo custo a este sentimento de angústia,

Ferir de morte onde um dia existiu algo tão bom,

Não seria tolerável, não quando a questão referente fosse amor,

É certo que amar a distância é frio, as vezes chega a machucar,

Mas há tantos que convivem no mesmo ambiente e nunca

Chegam a estabelecer uma fala profunda que dirá dividir a vida,

 

Apesar de habitarem o mesmo ambiente, vivem divididos,

Quatro pés perambulantes por suas casas frias e vazias,

Eu, porém, estava carregado por mim mesmo, sozinho, dois únicos passos,

Mas sentia-me preenchido eu havia amado, por um momento sublime

Que poderia recompensar uma vida toda sem ninguém,

Todavia, a maneira tolerável como as pessoas contemplavam

Aquelas notícias cada vez mais indigestas, me dava desgosto,

 

Nessa hora, eu ansiava pelo gosto dos seus lábios macios,

Pelo momento em que a tive em meus braços, bem apertados,

Como se quisesse mantê-la comigo por toda a vida,

Eu não poderia me acostumar com toda aquela barbárie,

Tendo jurado a ela, que a protegeria, que para sempre a amaria,

O amor pedia passagem em uma estrada onde perambulavam

 

Pessoas vazias, feito fantasmas, isso não parecia chamar-se vida,

Mas ninguém parecia se importar com isso,

Será que aquela a quem tanto amei também havia se encaixado nisso?

Estaria, ela, em negação ao seu direito de existir de forma digna?

Havia posto em cinco tábuas de madeira seu coração outrora apaixonado,

E agora o selava, sobrepondo uma tábua sobre ele, como se o dissesse: não ame!

 

E ainda o tivesse adornado com um laço negro,

Aquele mesmo que ela usava para adornar seus cabelos,

Aquele que eu adorava remover antes de provar os lábios que tanto me faziam falta,

Queira Deus que não tivesse o enterrado a sete palmos,

A partir do instante em que se torna apenas um corpo errante,

Condenado a meramente perambular sobre a existência,

Ainda haveria algo a ser feito pelo que se chama vida?

 

Espero que, tendo ela desistido de nós, já que nunca me chamou de volta,

Ao menos tivesse deixado descrito o endereço de onde poderia encontrá-la,

Eu escavaria o que fosse necessário apenas para tê-la de volta,

Espero não estar desejando muito, mas um corpo sem vida não me bastaria,

Do contrário eu poderia me entregar a qualquer uma,

Estivesse onde estivesse seu coração, eu juro: o buscaria!

 

Os anos haviam transcorrido como a enxurrada que passa sobre a terra,

Aquela passageira que a toca a superfície, mas não chega ao núcleo,

Ela, porém, quando me abraçou, quando me permitiu sonhar,

Foi além, e me levou junto, todos os olhos que eu contemplara sem ela,

Estavam perdidos em vazios distantes demais, inalcançáveis talvez,

Ela não, tivera sido tão próxima, tão frágil, tão minha, ainda podia senti-la,

 

Jamais seria possível esquecer, seria um tolo se pensasse diferente,

Sozinha, em um canto, agora feliz, concordava a saudade,

Parecia que ela havia desistido de me ver sofrer,

Eu paguei um preço caro por estes anos em que me mantive longe,

Mas, mais caro era o preço daqueles seres perambulantes lá fora,

O amor se espalhou por mim como o sangue em minha alma,

 

E agora a desejava de volta, quem poderia resistir a um pedido assim?

Eu sabia que tudo que vivi possuía suma importância,

Eu sentia que as lembranças me traziam uma falta desmedida,

Eu merecia tê-la de volta, apenas um instante apenas,

Minha velha jaqueta jeans estava pendurada na cadeira a minhas costas,

No bolso um bilhetinho onde guardei o endereço dela,

 

Peguei-a, vesti e saí pela mesma porta onde tantas vezes entramos juntos,

Quando encontrá-la iria dizer o quanto a amava, o quanto estes anos sem ela

Foram difíceis e desestimulantes, é certo que guardei na memória o caminho,

Mas o bilhetinho continha a letra dela, seu jeito e eu parecia ouvi-la falar,

Percorri a distância que nos separava com uma rapidez premeditada,

Mentir não era uma opção, me declararia e imploraria a ela por sua sinceridade,

Caso ainda estivesse em seu coração, ela seria sincera, me diria a verdade,

 

Tivesse me esquecido no decorrer destes anos, eu pediria uma oportunidade,

Não queria negar-me há felicidade, a amar e ser amado novamente,

Minhas intenções eram as melhores, meu sentimento o mais íntegro,

Sempre fui verdadeiro, até encontrei tempo para aprender a cozinhar,

Isso não seria uma qualidade a se desprezar, era o que ela me dizia,

Eu a entendi, a distância que nos separou agora virava poeira,

 

Tão ínfima, que seria carregada pelo menor vento,

Mas apagaria também nossos passos,

Aqueles em que vivemos separados um do outro,

Como se dissesse que o que passou não faria diferença,

Estaríamos juntos o que poderia importar mais que isso?

Se a distância me ensinou algo, foi ama-la sobremaneira,

 

Parei a distância de poucos metros, passei em uma relojoaria e comprei um anel,

Pedi ao síndico do condomínio, ele me relatou ouvi-la chorar em noites insones,

Disse que nunca soube de que ela tenha amado alguém,

Mas que ouviu de outras bocas, sobre relatos esparsos de certo homem,

Ele nunca soube a identidade, ela sempre soube ser bastante reservada,

Mas, em suas horas vagas gostava de folhear o jornal local,

 

Eu, então, fiz-lhe uma declaração relatando sobre a saudade,

Sobre o choro abafado pelo travesseiro, sobre perambular pela noite,

A busca-la por todos os cantos, onde imaginaria estar, até dormir no volante,

Com o carro estacionado em qualquer local incerto, sobre

O quanto sonhei com sua visita, o quanto ainda lembro de tudo

Como se fosse ontem e o quanto a amo para todo o sempre,

 

Solicitei informações sobre se ainda me amava, se ainda me queria,

Coloquei meu número a vista para que pudesse ligar,

O amor que um dia a entreguei, relatei: estava guardado,

Seguro dentro de mim, ela poderia buscar as informações que quisesse,

Não obteria outra, eu a amei e nunca me permiti, nem um instante,


Esquece-la, gostaria de ao menos um sinal para saber se isso era importante,

Aguardava qualquer gesto seu para reclamar-me para sua vida,

Caso ela não aparecesse até as três horas daquela tarde,

Eu bateria a sua porta, com flores, bombons, o vinho que ela gostava e o anel...

Feliz Ano Novo

 

O Feliz Ano Novo coloriu o céu do verão de 2014,

Nos mais variados tons e formas, as estrelas se apagaram,

Apenas naquele instante para 15 minutos depois, retornarem,

Sólidas, resistentes e ainda mais bonitas naquele céu de janeiro,

Na calçada da rua, eu contemplava a moça mais bonita que já vi,

Ela estava abrigada por paredes sólidas de pedra fria e austera,

 

De uma construção que se erguia rumo ao céus de 2015,

Posicionava-se junto a janela de vidro, frágil e bela,

Eu sentia que ela sonhava com algo diferente do que vivia,

Pareceu-me um convite para tira-la daquele lugar,

Por mais estranho que possa parecer, eu desejei abraça-la logo ao alvorecer,

Fechei os olhos e desejei aos céus que a fizessem descer,

 

Sair daquela espécie de pedestal, para permitir-se viver,

Eu poderia ama-la por uma vida inteira, e assim me comprometi fazer,

Prometer amor para uma vida toda fica mais fácil quando se está longe,

E até então, nunca tive a oportunidade de me aproximar,

Mas jurei para mim mesmo, que me aproximaria, escolheria as palavras certas

E por tudo que é mais sagrado, a conquistaria,

 

Faria dela minha esposa, a mãe dos meus filhos, minha rainha,

Embora tenha planejado a melhor das serenatas,

Fiz da melhor maneira que poderia, porém ela negou-se a me amar,

Disse que apesar de não estar com outro alguém,

Também não queria se envolver seriamente com ninguém,

Desejava passar algum tempo sozinha, para conhecer a si mesma,

 

No entanto, apesar de prometer que aceitaria sua decisão de bom grado,

Eu nunca desisti do amor que tanto mexeu comigo,

E meses depois, a avistei em um bar tomando cerveja com um estranho,

Naquele instante me senti ferido,

Como se uma descarga de um raio descesse sobre mim,

Entrei no local, pedi uma bebida, não lembro ao certo qual era,

Mas recordo perfeitamente de ela descer por minha boca feito veneno,

 

O veneno se espalha rápido nos corações apaixonados,

Principalmente naqueles que amaram em demasia e não foram correspondidos,

Sangue e ódio ferviam em mim feito algo que eu não conseguiria controlar,

Rumei ao beco da esquina, sentei na calçada, não resisti, me entreguei as lágrimas,

Um jovem vendo meu tormento me ofereceu uma arma a preço baixo,

Estava municiada, quente e metálica feito o veneno a correr em minhas veias,

 

Ainda consigo me recordar daquele momento fatídico do início do ano,

Eu poderia fingir que nunca me apaixonei e assim, virar a esquina e voltar para casa,

Poderia usar toda a minha força e tomar inúmeras alternativas,

Mas nem uma me pareceu mais atraente que esta...

Ali mesmo, sentado, me embriaguei, bebi como se nunca mais fosse ver a luz do dia,

Não me parecia digno viver sozinho depois de ter amado tanto,

 

Entregar meus sentimentos com toda a alma e receber só desaforo em troca,

Eu a amei muito mais que podia, por Deus talvez até mais do que ela merecia,

Eu trocaria todos os meus dias futuros por um único beijo da sua boca,

Mas ela sempre esteve fora do meu alcance, nunca me pertenceria,

Se for para amar sem ser amado eu preferiria um beijo embebido em ácido,

Em que seria condenado a desfalecer aos poucos, quente e úmido,

 

Estatelado dos seus braços, ferido de morte por dentro,

Lembro da forma como ela olhou em meus olhos, apesar de não dizer nada,

Eu senti dentro de mim o quanto me amava, pude ler isso em sua boca,

Em um sussurro emudecido pela timidez da sua fala macia,

Eu me comprometi tanto, dei tudo de mim, fiz tudo que podia,

E agora chegava um estranho qualquer e a tirava de mim, sem razão,

 

Pagava tudo de melhor para ela, parecia esfregar dinheiro na minha cara,

Como se dissesse que eu nunca a tive por outro motivo que falta de emoção,

Eu não merecia isso, diante do tanto que a amava isso tinha nome: traição,

Ela não me pertencia eu sabia disso, mas seus sorrisos eram abusivos ao que eu sentia,

Minha jaqueta de couro, a mesma que comprei para vê-la,

Agora continha uma arma guardada em seu bolso,

 

No mesmo lugar em que já esteve o anel que eu a daria,

O anel que comprei usando todo o dinheiro que havia economizado,

Centavo por centavo e nunca me arrependi disso, pois sabia que ela valia,

Agora o anel estava no bolso esquerdo, as coisas mudaram dentro de mim,

Decidi retornar, contempla-la de longe, como sempre fiz diuturnamente,

Nunca mais consegui dormir uma única noite sem que a visse,

Sem admirá-la, sem querer trazê-la para perto de mim,

 

Me tirando dos meus devaneios, como se desanuviasse os meus sonhos,

Trouxesse um mínimo de lucidez a um coração atormentado pelo desamor,

Uma mulher surgiu na minha frente adentrando no local vendendo flores,

Ele comprou uma para ela, ela sorriu como se aquilo fosse tudo que mais desejasse,

 

Lágrimas molharam minha face quando recordei das 200 que ela recusou,

Nem se dignou a recebe-las, jogou todas de uma vez na lixeira,

Minhas economias, todo o amor que eu sentia, tudo caiu por terra,

Ele sorria e agora a beijava, isso era demais para o meu coração aguentar,

Ele batia, soluçava, ecoava em mim, não poderia resistir a esta dor tão frívola,

Eu ainda guardava no bolso a carta que havia feito para ela, a qual ela nem quis ver,

 

Peguei, olhei-a, rabisquei, talvez, minhas últimas palavras,

Dizem que tanto os assassinos quanto os suicidas vão para o inferno,

Inferno era ver tanto amor que eu tinha dentro do meu peito,

Escorrendo pelos vazios da minha alma, formando possas na terra fria,

Saquei a arma, não teria como fugir do que sentia: puxei o gatilho...

Comida do Leito do Rio

E, Houve fome no rio, Os peixes Que nasceram aos montes, Sentiam fome. Masharey o galo Sofria em ver os peixes sofrerem, ...