O fim de tarde se apresentou nublado,
A chuva estava prevista para daqui a pouco,
Não esperaria, deixei o trabalho um pouco mais cedo,
Peguei o carro e segui a direção do vento,
Àquela hora o sol estaria no horizonte,
Assim, dirigi um pouco mais rápido, como as nuvens estavam
vagarosas,
Eu chegaria até ele com tempo suficiente para um banho de
chuva
Enquanto colheríamos as frutas saborosas do final do verão,
Eu ansiava por vê-lo, tinham sido apenas horas de distância,
Mas sentia em meu coração como se o peso da morte me
tocasse,
Engraçado como a distância mexe de forma estranha os
corações apaixonados,
Mesmo a menor fagulha, quando chega explode em momentos que
pedem,
Imploram para serem revistos, de segundo a segundo e revividos
sempre,
Estes momentos em que a saudade nos pega desprevenidos,
Nos dão a falsa sensação de que poderíamos resistir ao
sentimento,
Nos permitem abrir aquele sorriso largo, de um jeito
desajeitado e bobo,
Nos afastando de tudo o que estamos fazendo e nos levando
para perto,
Perto de alguém que mesmo não estando conosco, se faz
presente,
A vontade de ligar é incontrolável, deseja-se ouvir a voz,
mas no fundo sabemos:
Que o que nos prende mesmo, são aqueles momentos fortuitos de
sorrisos despretensiosos,
Com aquele Q de “o desejo muito, quero abraça-lo, quero
beijá-lo, mas não sei como agir”,
Há quem defina isso timidez, eu, porém, acho que é amor em
demasia,
Aquele em que se teme errar por medo de perder, perder?
Seria possível perder o que se guarda dentro da gente,
Gestos de carinho e saudade se confundem, no que meu coração
define: amor;
Me vejo tocar meus lábios e imaginar um beijo, o calor, o
cheiro...
Já nos conhecíamos a tanto tempo, havíamos vivido tantas
coisas juntos,
Eu ousei imaginar nosso beijo por milhares de vezes, mas me
sinto vacilar,
Como se dá o primeiro passo em direção a algo que se deseja tanto,
Quando se ama em sobremaneira, qual seria o meio exato para
se demonstrar?
O amor deveria vir com manual de instruções,
Do tipo que não se admite erros, que não se prende a
vacilos,
De preferência daqueles que se ensina até mesmo a forma de
beijar,
Beijo de língua, sem língua, onde pôr a mão, quando tirar,
Aqueles que ensina a conquistar a alma,
A alcançar tudo que vejo e sinto com ele, mas que não sei
demonstrar,
Como agir nos instantes em que as palavras se confundem na
cabeça,
Nos momentos em que tudo falha e apenas busca-se o
reencontro, o estar perto,
Por Deus que moveria mundos apenas para contemplar o brilho
dos seus olhos,
Parei o carro, pedi ao vento que também esperasse,
Queria pegar o início da chuva junto com ele,
O noticiário já estava prevendo a chuva a algum tempo,
Mas, de última hora denunciou a possibilidade de vento
forte,
Eu sabia que ele sentia medo, embora não quisesse admitir,
Então, seria minha deixa para me aproximar, quem sabe,
Pegar sua mão, entregar-lhe um abraço, em tom confidencial
Eu posso admitir que sempre me admiro com as belezas da
natureza,
Mas confesso que a magia que vem com a chuva me deixa
extasiada,
E a melhor parte é o começo, o jeito como as nuvens vem e
tomam conta de tudo,
A forma como o vento brinca com os pingos, como tudo ao
redor reage,
Então, com um sorriso de cumplicidade, do tipo que diz mais
do que quer dizer,
Comprei duas árvores frutíferas de espécie desconhecida,
Na agropecuária em que estacionei,
Apenas para plantarmos juntos e aproveitarmos o mistério de
colher os frutos,
Sem saber quais seriam, nossa paixão são as frutas, então
não haveria erro,
Pensei que poderia numerar este como o primeiro acerto entre
nós,
Mas não, no decorrer dos anos em que nos conhecemos já
vivemos tanta coisa...
Olhei ao redor, peguei também umas mudas de flores e veneno
contra formigas,
Fui até o caixa, cumprimentei a menina que me sorriu
enquanto passava as coisas,
Ajudei-a a coloca-las no pacote, paguei e rumei com destino:
o amor,
Eu sabia que ele estaria me esperando, eu havia feito
suspense,
Pela primeira vez, em anos, eu não liguei e quando ele
mandou uma mensagem,
Eu nem conferi, fui forte e consegui resistir, ele deveria
estar ansioso,
Seria maravilhoso contemplá-lo, quem não gostava tanto de
surpresas era eu,
Sorri diante disso, achei engraçado que meus medos fechavam
com os dele,
Conforme eu temia, ele sorria gentil, conforme ele temia, eu
resistia,
A vida monopolizada era boa, mas quando se abre uma brecha
para o improviso,
Tudo se transforma e o resultado muda no mesmo instante,
As nuvens já se aproximavam de forma mais densa, nebulosa,
Teria que seguir, meu destino estava em meia hora...