sábado, 9 de janeiro de 2021

Meia Hora

 

O fim de tarde se apresentou nublado,

A chuva estava prevista para daqui a pouco,

Não esperaria, deixei o trabalho um pouco mais cedo,

Peguei o carro e segui a direção do vento,

Àquela hora o sol estaria no horizonte,

Assim, dirigi um pouco mais rápido, como as nuvens estavam vagarosas,

Eu chegaria até ele com tempo suficiente para um banho de chuva

 

Enquanto colheríamos as frutas saborosas do final do verão,

Eu ansiava por vê-lo, tinham sido apenas horas de distância,

Mas sentia em meu coração como se o peso da morte me tocasse,

Engraçado como a distância mexe de forma estranha os corações apaixonados,

Mesmo a menor fagulha, quando chega explode em momentos que pedem,

Imploram para serem revistos, de segundo a segundo e revividos sempre,

 

Estes momentos em que a saudade nos pega desprevenidos,

Nos dão a falsa sensação de que poderíamos resistir ao sentimento,

Nos permitem abrir aquele sorriso largo, de um jeito desajeitado e bobo,

Nos afastando de tudo o que estamos fazendo e nos levando para perto,

Perto de alguém que mesmo não estando conosco, se faz presente,

A vontade de ligar é incontrolável, deseja-se ouvir a voz, mas no fundo sabemos:

 

Que o que nos prende mesmo, são aqueles momentos fortuitos de sorrisos despretensiosos,

Com aquele Q de “o desejo muito, quero abraça-lo, quero beijá-lo, mas não sei como agir”,

Há quem defina isso timidez, eu, porém, acho que é amor em demasia,

Aquele em que se teme errar por medo de perder, perder?

Seria possível perder o que se guarda dentro da gente,

Gestos de carinho e saudade se confundem, no que meu coração define: amor;

Me vejo tocar meus lábios e imaginar um beijo, o calor, o cheiro...

 

Já nos conhecíamos a tanto tempo, havíamos vivido tantas coisas juntos,

Eu ousei imaginar nosso beijo por milhares de vezes, mas me sinto vacilar,

Como se dá o primeiro passo em direção a algo que se deseja tanto,

Quando se ama em sobremaneira, qual seria o meio exato para se demonstrar?

O amor deveria vir com manual de instruções,

Do tipo que não se admite erros, que não se prende a vacilos,

 

De preferência daqueles que se ensina até mesmo a forma de beijar,

Beijo de língua, sem língua, onde pôr a mão, quando tirar,

Aqueles que ensina a conquistar a alma,

A alcançar tudo que vejo e sinto com ele, mas que não sei demonstrar,

Como agir nos instantes em que as palavras se confundem na cabeça,

Nos momentos em que tudo falha e apenas busca-se o reencontro, o estar perto,

 

Por Deus que moveria mundos apenas para contemplar o brilho dos seus olhos,

Parei o carro, pedi ao vento que também esperasse,

Queria pegar o início da chuva junto com ele,

O noticiário já estava prevendo a chuva a algum tempo,

Mas, de última hora denunciou a possibilidade de vento forte,

Eu sabia que ele sentia medo, embora não quisesse admitir,

 

Então, seria minha deixa para me aproximar, quem sabe,

Pegar sua mão, entregar-lhe um abraço, em tom confidencial

Eu posso admitir que sempre me admiro com as belezas da natureza,

Mas confesso que a magia que vem com a chuva me deixa extasiada,

E a melhor parte é o começo, o jeito como as nuvens vem e tomam conta de tudo,

A forma como o vento brinca com os pingos, como tudo ao redor reage,

 

Então, com um sorriso de cumplicidade, do tipo que diz mais do que quer dizer,

Comprei duas árvores frutíferas de espécie desconhecida,

Na agropecuária em que estacionei,

Apenas para plantarmos juntos e aproveitarmos o mistério de colher os frutos,

Sem saber quais seriam, nossa paixão são as frutas, então não haveria erro,

Pensei que poderia numerar este como o primeiro acerto entre nós,

Mas não, no decorrer dos anos em que nos conhecemos já vivemos tanta coisa...

 

Olhei ao redor, peguei também umas mudas de flores e veneno contra formigas,

Fui até o caixa, cumprimentei a menina que me sorriu enquanto passava as coisas,

Ajudei-a a coloca-las no pacote, paguei e rumei com destino: o amor,

Eu sabia que ele estaria me esperando, eu havia feito suspense,

Pela primeira vez, em anos, eu não liguei e quando ele mandou uma mensagem,

Eu nem conferi, fui forte e consegui resistir, ele deveria estar ansioso,

 

Seria maravilhoso contemplá-lo, quem não gostava tanto de surpresas era eu,

Sorri diante disso, achei engraçado que meus medos fechavam com os dele,

Conforme eu temia, ele sorria gentil, conforme ele temia, eu resistia,

A vida monopolizada era boa, mas quando se abre uma brecha para o improviso,

Tudo se transforma e o resultado muda no mesmo instante,

As nuvens já se aproximavam de forma mais densa, nebulosa,

 

Teria que seguir, meu destino estava em meia hora...

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