quinta-feira, 26 de maio de 2022

Feito a Tarde de Outono

 


Chacoalhou os chinelos pela terceira vez,

Caminhava pelo caminho a arrastar os pés,

Não porque não gostasse de algo – contrário,

Gostava do barulho que passava uma impressão errada,


De não estar sozinha,

Porque de fato,

Quanto se ama não se pode dizer que está,

Ah, mas o amor da mesma forma que chega,


Some sem fazer perguntas ou dar respostas,

Nem se quer pensou nisso,

Quando se decidiu por amar sem medidas,

Se é que o coração consulta a alma quanto a isso,


Naquele caminho de pedras, flores e espinhos,

A tortuosidade da rua se assemelhava a ela,

Logo, semblantes tristonhos dizem tudo,

Mesmo que permanecesse em silêncio mórbido,


A palavra é inútil, quando vem sozinha aos lábios,

É preciso de um resultado,

Há instantes em que se poderia afirmar sem erro

Que corações conversam entre si mesmos,


O seu decidia tudo por si próprio,

Não admitia controversas,

Coitada dela que sofria calada,

Sua dor ou renúncia ele não ouviria,


Corações, mesmo distantes,

Olham-se e reconhecem,

O dele deve ter dito na hora aos seus ouvidos:

-Cilada, cai fora antes que seja tarde.


Mas, ainda assim ele teve atitude arriscada – o beijo,

Sim, beijou-a como se fizesse uma promessa,

E logo depois desapareceu por onde veio,

Sem deixar rastro ou vestígios,


Não fosse o amor que sentia,

Nem poderia dizer que teria vindo,

Todavia, naquela tarde que caia,

Seu coração lhe fez bruscamente um pergunta:


-Ela se recusou a responder,

Alegou ofensa e fez silêncio,

O mesmo que ele sempre fez ante sua recusa,

Apresentou-se a sua alma com simples atitudes,


Descalçou o chinelo que incomodava

E pôs-se a andar de pés descalços sobre as pedras,

Doía, - mais dói a alma- foi tudo que disse.

O coração descansa quando compreende bem,


Mas, o seu as vezes parecia esquecer de bater,

Do horizonte parecia vir a salvação, - o nada,

Vazio profundo e obscuro que se aproximava,

Ante a perda talvez fosse melhor o nunca ter tido,


Somente é o coração a rocha que se oculta,

Permanece a espreita a espera de novo encontro,

O amor que sente e guarda é torre segura,

Um tornozelo ferido, um passo em falso,


Mas doce e tolo amor – jamais abalado,

Sentia-se ferida, era como a tarde que fugia,

Inclinada para o chão já não podia ver mais nada,

Sensação de perda e dor e certa angústia,


Como uma alma que derrama-se estava prestes a perder-se,

Todo o propósito daquele que parte

É ser esquecido como se nada houvesse acontecido,

Ele embebeu os lábios em mentiras feito veneno,


E o derramou sobre o beijo que entregou,

Com a boca disse: a quero, mas no íntimo se recusou.


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