Ela olhou para o relógio, duas da madrugada,
Com o canto dos olhos procurou a porta, ainda fechada,
Ele havia saído com amigos mas combinou que voltaria,
Já era tarde, ela sentia-se cansada, aonde ele estaria?
Sozinha, como estava, poderia ser alvo de infortúnios,
Uma dor de cabeça a atormentava, doíam os dedos,
Tentou fazer uma pausa em seus pensamentos incertos,
A sala estava absolutamente quieta, a tv estava em silêncio,
Imagens iam e vinham, mas nada conquistava sua atenção,
Por mais que estivessem interessantes, pareciam não dizer
nada,
Poderia desliga-la, ouvir uma música, escolher uma leitura
sem emoção,
Por que ele se demorava tanto, havia esquecido que estava
sozinha?
Casar para depois não ter com quem dividir a cama? Ideia
vazia,
Precisava priva-lo dessa sua frequência em se ausentar,
Isso a deixava inquieta, trôpega sobre as paredes vazias,
Tentava juntar os fragmentos de suas ideias, mas não
conseguia,
Tudo que haviam prometido um ao outro caíra em ilusão,
Não era mais que a cera que iluminava o escorregadio do
chão,
Fosse insensata, teria tropeçado nos percalços, mas não
cederia,
Cair poderia fazer com que seus sonhos quebrassem pelo
espaço,
Cada partícula poderia vir contra seu rosto, ferida por suas
crenças,
O amor que prometia e o que agora voltava-se contra, era o
mesmo,
Não houveram batidas na porta, ninguém tocou a campainha,
Somente o silêncio da sala vazia a fazer-lhe companhia,
Poderia ter ido se deitar, mas ao invés disso perdia o sono,
inerte,
Preocupada com sua demora, insegura com medo de um acidente,
O tráfego, embora não fosse tão intenso a essa hora, ainda
poderia ferir,
Talvez, ele tivesse vindo antes para casa, quem sabe
estivesse em problemas,
E ela ali, insegura, mais preocupada consigo mesma, incerta
do que sentir,
Indecisa com as ideias que a tomavam de si mesma e a levavam
para fora,
Fez um esboço de sorriso pelo rosto frio, tentando encontrar
uma sensação boa,
Algo que a tirasse daquele pesadelo, que fizesse com que ele
abrisse a porta,
Da mesma forma de sempre, ignorando a demora e qualquer
outra coisa,
Agarrado a alguma desculpa, não gostaria obter notícias
ruins,
Por mais que se sentisse magoada, se apegava a segunda
opção: a de que o amava,
A primeira, sobre estar magoada, poderia ser deixada para a
luz do dia,
Ela olhou pela segunda vez no relógio que brilhava em seu
pulso esquerdo,
Desejou que as horas retrocedessem e que o trouxessem
conforme combinado,
Quando uma pessoa promete algo não deve empenhar-se em
cumpri-lo?
O homem com quem se casou agora parecia diferente, distante,
ausente,
As conexões que outrora os uniram de forma apaixonada não
eram mais tão fortes,
Pareciam insuficientes para aquele sonhado para todo o
sempre,
Pensei que duraria, que estaria realizada, que nossos sonhos
tomariam forma,
Estava enganada, aliás, redondamente enganada, as coisas
estavam fora de prisma,
Até mesmo suas medidas estavam estranhas, havia engordado as
roupas não serviam,
Mesmo os móveis projetados daquela maneira não atendiam suas
expectativas,
Havia se dedicado por inteira, se entregado com concentração
a aquela sala,
Mas agora, sentada daquela maneira incerta, nada parecia atende-la
como quando vazia,
Pareceu-lhe que quando não tinha nada e poderia ser
projetada da forma desejada,
Conseguiria atender a aquilo tudo que ela sentia abraçada a
ele na hora da escolha,
Mas, agora, transcorrida as duas horas da madrugada, aquilo
já não lhe dizia nada,
Olhou para o quadro em que estavam abraçados, pendurados na
parede roseada,
Pôs-se em pé, a examina-lo, algo parecia errado em seu
sorriso, parecia haver uma mancha,
Ao pegar uma cadeira para alcança-lo, tropeçou e caiu de
encontro a ele, não sobrou nada,
Ela levou as duas mãos ao rosto em lágrimas e agora como
explicaria a queda?
Havia quebrado o quadro com a fotografia, seu joelho doía, o
rosto avermelhava,
O quão estranho era quando o pensamento tomava forma e se
realizava,
Pensou consigo mesma, isso a fez secar as lágrimas, retornou
ao sofá,
Deixou para depois recolher o vidro quebrado no chão de cerâmica,
Haviam estilhaços por toda a parte, o chão estava rasurado,
sua cara arroxeada...
Dizem que uma notícia ruim precede a outra, olhou para a
porta, ainda fechada,
Desgraça completa depois de sofrer de angústia usaria a
madrugada para faxinar,
Pelo menos teria uma desculpa para manter-se desperta, a
queda de sua alma,
Que azar o dela, agora encontravam-se em igualdade de faltas
sofridas,
Ele com sua demora desmedida e ela com sua queda em palpável
amargura,
Olhou para o dedo, avermelhado e inchado, agora teria que
remover a aliança,
E aquela maldita porta continuava inerte, silenciosa,
fechada e absorta,
Ela emitiu um sorriso incontido e triste, removeu a aliança,
a pôs sobre o sofá,
Olhou para ela antes de buscar água para se refrescar,
esperava não esquecê-la,
Seria muito trágico perde-la em meio as almofadas, de tudo o
que sentia àquela hora,
O medo não era a ideia mais afluente, apenas a apreensão
volta e meia voltava,
Insegura, distante com um gosto de agonia, sua dor de cabeça
se desenvolvia,
Ela olhou em volta, queria encontrar uma resposta para tanta
demora,
Tentou sustentar o olhar em outro cômodo, mas a ideia da
porta a tomava,
Tentava corrigir o deslize, evitar escorregar para aquele sofá
e esperar,
Ele chegaria em instantes, não havia motivos com que se
preocupar,
Ela olhou para o relógio da parede, contou os ponteiros,
estavam correlatos,
Se indagou se ele havia incorrido em algum lapso, ou se a
havia esquecido,
Ela estava sempre ao seu lado, talvez, desejasse algo mais
apropriado,
Quando se está na companhia de amigos é fácil perder o
tempo...
Ela permitiu ao pensamento pairar para o ar por um momento,
Deixou que os segundos saíssem do seu pulso e passassem para
o alto,
Aquele transcorrer de segundos a feria por dentro a olhos
vistos,
Um tremor percorreu-a, havia sido assim em seu relacionamento
anterior...