Nenhum movimento, nenhum som, nem um suspiro aos seus
ouvidos,
Sabe aquele instante em que o olhar fala muito mais que a
voz?
Sabe, aquele segundo único em que o coração pulsa forte o
bastante,
Para ser ouvido por quem quer que fosse, latejante sobre a
pele?
Este momento chegara, justamente quando ela desejara evita-lo,
Logo que ensaiara seus passos mil vezes em frente ao
espelho,
Um segundo após, dar o primeiro passo sobre a calçada
íngreme,
No mesmo instante em que se pusera sobre o salto vermelho,
Logo que erguera o rosto e esfriara o olhar em pose
indiferente,
Justamente, naquele segundo ele passara por ela e ousara fita-la,
Parecia brincar com os sentimentos dela, era isso ou a
amava,
Se a amava como poderia cruzar daquela forma segura e atenta,
Quando tudo no entorno dela ruía, quando tudo dentro dela se
dilacerava?
Não fazia sentido, por que falar que amava daquela forma
limitada,
Apenas um olhar na direção um do outro, um andar trôpego a
passos descalços,
Por que, inevitavelmente, tudo nos seus entornos os feria,
Queda brusca de tudo que haviam imaginado para si mesmos
Na vã tentativa de manterem-se em distância segura do que
sentiam,
Bem, se ele acreditava haver distância segura entre eles,
Ele disfarçava bem, ela nem ao menos tentava cogitar a
ideia,
Estremecia, pisava em falso, mexia as mãos, olhava por todo
o lado,
Aspirava o máximo que podia do seu cheiro, o mantinha
guardado,
Nos poucos segundos em que se permitia encará-lo,
Registrava cada um dos seus traços, cada olhar cabisbaixo,
Cada segundo escondido na boca que implorava o beijo,
Mas mãos que ansiavam por contato, no corpo que pedia o
abraço,
Aquele que embora jurassem pertencer ao passado,
Estava vivo em suas memórias e em cada um dos seus desejos,
Podia apostar que este fato tinha relação com o brilho dos
seus olhos,
É certo que iria de encontro a tudo que havia ensaiado...
Mas, algo muito mais forte que ela o puxava para ele, as
lembranças,
Sim, nada além das lembranças ainda os mantinham unidos,
Não havia nenhum desejo por reaproximação por novo contato,
Quanto mais ele seguia para o lado oposto ao que ele seguia,
Muito mais ela tinha certeza disso, o problema circundou a
questão,
No instante em que ele parara atrás dela e a puxara pelo
braço,
Ele provavelmente desejava adiantar a hora do juízo final,
Aquele instante em que tudo que esta engasgado na garganta
É cuspido em frases soltas sobre a cara do outro sem perdão,
Ela se manteve altiva, virara-se segura do tudo que
pretendia falar,
Sobre cada lágrima, tudo que sofrera com sua ausência,
No entanto, ao encará-lo, percebera o triste erro cometido,
Ao verificar se tratar de outra pessoa, um homem bonito por
sinal,
Mas não era ele, embora bastante similar, de perto não tinha
traço algum
Que poderia convencê-la de que se tratava da mesma pessoa,
Agora, já ficava incerta quanto ao fato de ele ter ou não
passado por ela,
Se antes a certeza sobre tê-la esquecido era cogitada, agora
era afastada,
Se desvencilhou do contato, se manteve distante daquele
homem,
Não entendera sua atitude, mas não pararia o que fazia para
entender,
Imaginara que ele desapareceria da mesma forma que se
aproximara,
Mas, quanto virara as costas e olhara para trás ele ainda
estava lá,
Parado no mesmo lugar e olhando-a com um olhar de interesse,
Parecia que ele a conhecia de forma muito peculiar, ela
balançara a cabeça,
Negava-se a ideia, tudo não passara de imaginação sua,
Apenas quisera com muita emoção encontra-lo e o imaginara na
rua,
Coincidentemente provocara o contato com um estranho, nada íntimo para ser
registrado,
Nada intenso o bastante para fazê-la lembrar nos segundos
seguintes,
No entanto, não fora dessa forma que ocorrera, parecia vê-lo
por todos os cantos,
Onde quer que andasse cruzava com ele, sua imagem estava
presa em suas ideias,
Como se significasse muito mais do que ela gostaria de
tolerar,
Com certeza não se tratava do homem que amava e que há muito
não via,
A semelhança embora fosse incomum era vaga e imprecisa,
Anos a haviam separado de tudo que havia vivido com ele,
isso era fato,
Mas, será que ele havia mudado dessa forma e agora vinha procura-la?
Ela levou as mãos a boca, soltara o copo de água que tinha
em mãos sem notar,
Vira-o cair ao chão, molhando suas roupas, embora não
absorvesse aquilo,
Pode sentir o sabor do beijo entre seus lábios carnudos e
desejosos,
Com certeza não se tratava da mesma boca que havia visto,
O cheiro era peculiar, mas os lábios com certeza eram
outros,
A altura, seria fácil confundir, o jeito como andava, os
gestos precisos,
Mas, não, definitivamente, aqueles lábios não eram os
mesmos,
Então, por que ele havia ficado preso em seu pensamento?
Por que, onde quer que ela fosse, agora parecia vê-lo?
Mera semelhança entre ele e o passado?
Um elo a leva-la a quem nunca havia esquecido?
Um desejo secreto por um beijo proibido?
Fosse como fosse, se entregar a ele não era seu objetivo,
E poderia apostar que ele desistiria dela no primeiro
segundo,
Mas, dentro dela, seu coração pulsava desnorteado,
Desejava ardentemente retornar ao passado onde o havia
deixado,
Onde, no mesmo instante em que seguira para longe dele,
Também, jurara nunca mais amar como fez com ele,
Ela precisava evitar aquele homem depressa e segura de si
mesma,
Entregar-se a alguém para enganar o que sentia seria fatal
para ela,
Sempre soubera que seguira na direção oposta ao que sentia,
Ele também tinha consciência quanto a isso e resistia,
Por que é que ela teria que ceder e se entregar a algo sem
amar?
Apenas para recordar? Viver uma mentira seria o bastante
para ela?
Beijar outra boca para se aproximar das memorias esquecidas?
Se entregar a um outro abraço em busca de um sonho que se
perdera?
Queria que ele nunca tivesse cruzado por seu caminho,
Não o homem que havia deixado no passado: o outro,
Aquele que a olhara de forma significativa e ousara tocá-la,
Como se a reconhecesse, com um interesse abstrato na pele
macia,
Não queria apostar na confiança dele, ao contrário, queria
fugir dela,
Deixaria o medo alimentar as lembranças, não outra boca,
É certo que não sairia dali, de onde estava, correndo porta a
fora,
Também, não ficaria parada olhando a água escorrer pelo chão
frio,
Vendo o suor do nervosismo se entregar a aquela água límpida,
Olhara para os lados, não para busca-lo, não havia esse interesse
nela,
Quando a isto estava segura, quanto a todo o resto não
saberia,
Mas, não o encontrando, uma lágrima percorrera seu rosto,
Ela o buscara por sua volta, não havia ninguém ao seu redor,
Se abaixara para buscar o copo e uma mão se estendera para
ela,
Aceitara sem prestar atenção ao fato, quando levantara os
olhos,
Não esperara que ninguém a direcionasse porta a fora: correra como nunca.
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