domingo, 12 de novembro de 2023

Guardado

Eles olharam.
Antes, durante e depois.
Olharam.
Para ele era importante isso.
O capo do carro estava quase preto,
Sujo, empoeirado,
Pertencente a um alguém, 
Porém.

Não houve sinal de fumaça, 
Gás para obrigar,
Houve sentimento e ternura,
Mãos entrelaçadas. 

Ela passava de um beijo,
Esbarrou no cos da calça, 
O bastante para ser segurada,
A mão levantou e veio ao rosto.

-Na cara?
-Não, desculpa. 
É que você estava lá beijando,
Depois esbarrou em minha calça. 

Ela puxou sua orelha,
Tocou no rosto,
Puxou-o para ela,
Ele parecia tonto.

-beije-me.
Não houve tom de ordem,
Mas havia um quê de Comando,
De ambos os corpos.

Ele tropeçou no chão espasmodico,
Ambos foram para o capo,
O riso foi contido pelos rostos colados,
A respiração entrecortada na cara,
O cheiro forte ganhando lugar.

Seu peso a continha, 
O rubor na face dele denunciava,
Ela iniciou uma música, 
Ele a reconhecia.

Frases sussurravam sobre os lábios,
Tocavam sua maciez e calor,
Corações aos saltos
Entre corpos e mãos colados.

Tudo ocorreu naquele instante,
Zíper aberto,
Dentes esbarramos,
Calça puxada sem jeito,
Camisa removida as pressas...

Gemidos, granidos, juras...
Plateia para presenciar,
Desconhecimento e certezas
Se misturaram ao nunca mais se ver...
Coisas que não se repetem.

Juventude, medo e imprudência.
Perfume impregnado na pele,
A escuridão pareceu se flexionar,
E conte-los,
Em si mesma e um no outro,

O peso lhe roubava o ar,
Lhe doava lufada,
Olhares clamavam conquista,
Mas, bem, ele não quis esperar,

O aglutinar das pernas,
O apalpar de mãos entrelaçadas, 
Que percorriam unidas
Seus próprios corpos,
Fechadas uma na outra,
Apenas a ponta dos dedos acariciava,
Era o bastante,

Para mil arrepios,
Desejos cegos,
Olhares escurecidos de vontade de estar próximo, 
Rostos suados unidos,
Suor a romper a poeira da negritude,

Um nome escrito num capo de carro escuro e empoeirado 
Feito tatuagem de uma unha,
E duas mãos úmidas e unidas,
O grito cresceu,
Sem nunca abandonar aquele negro de desconhecido, 

Dois passos masculinos se puseram para trás,
Ele, deitou-se, jogou-se,
Sem juras ou pressa,
Nem para sempres.
Apenas um romper,
Um escorrer,
Palpitar destrutivo.

Pálida, Olhos saltados,
Roupa suja,
Calcinha rasgada por entre os dedos,
No escuro apenas as marcas,

-dedo a conter as palavras,
Pulmões pesados pra respirar,
Portas abertas e fechadas,
-Não, pera aí, pera aí que eu pago.

Sem pressa no correr das horas
E resvalar no capo desconhecido,
Intenso e febril sobre suas pernas,
-deixarei-o guardado.
Ela sussurrou com sua mão em seu peito.



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