Bem, você não está preparado
Para perder seu irmão
Tão jovem,
E
“Ele tinha dezenove anos”
Eu comento no velório
Como se isso tornasse injustificável perde-lo.
Na época, eu estava com 21 anos.
O tempo passou,
Os dias me acordam
De alguma forma,
Como se o sol pudesse
Amenizar o buraco de dor
Que se abriu em meu peito
E guardou meu irmão ali,
Na esperança de que ele emerja
Lá de dentro,
Eu abro os olhos,
Finjo que descansei,
Busque um sorriso forçado
E encontre forças
Para sair da cama.
A parte do se alimentar
É difícil,
Eu vou até o quarto
Que tenho ao lado do meu
Para espera-lo,
Sento sobre a cama
Que arrumo todos os dias
Com um lindo cobertor antigo
Que o espera para mantê-lo
Aquecido.
Eu deito de bruços,
Imagino que se aquele cobertor
Possa aquecer meu coração,
Sanar a dor,
E trazê-lo de volta,
Depois me sento,
Pegou seus cadernos antigos,
Os abro mil vezes,
Folheio suas páginas
Buscou as histórias dele.
Eu busco traços de marcas
Sobre as páginas,
Vou do escrito
Para o não escrito
Em busca de cada momento
Em que ele viveu,
Eu sonho estar lá,
Ter acompanhado ele,
Protegido,
Eu sonho muito tê-lo amparado
Daquele maldito tiro,
Destrutiva bala que o levou,
Fez um dilacerado de dor,
Que se cravou em casa um
De nós:
Nosso pai,
Nossa mãe,
Eu.
Eu abraço cada página
Sonho que ele saiba
O quanto o amei,
E o amarei por toda a vida,
Aperto contra o peito
Tentando evitar mancha-la
Com minhas lágrimas,
Eu busco cada cheiro,
Cada perfume que esteve
Ao seu lado ou próximo,
E tentou buscar os de mais
Distante,
E depois desenho em minha mente
Cada rosto,
Cada corpo,
O que disse a ele,
Cada nome,
O que o fez.
Então, fecho o caderno
E o guardo de volta,
Acaricio o antigo cobertor
Com o qual já dormimos juntos,
Já vimos televisão abraçados,
E envolvidos nele,
Fizemos nossa gemada,
Servimos nosso café,
Comemos nosso delicioso creme
Da tarde.
Arrumo o cobertor
Da mesma maneira anterior,
Por vezes, poucas vezes,
Eu desenho ele sobre o cobertor
E tentou imaginar
Como ele estaria,
Como seria seu sorriso,
Que roupa vestiria,
Se tem saudades de nós.
Eu o desenhei tanto
Naquele cobertor
Apenas com abraços e chorou
Que já sinto o cheiro
Encravado em cada linha
De costura de suas cores
Branca, marrom e vermelha
Axadrezadas.
Buscá-lo me dá forças,
Então, eu saio para fora de casa,
Vou ao trabalho,
No meu trabalho eu ligo
Para a casa das pessoas
E ofereço planos de telefonia,
Todo o dia eu ligo
Para pessoas diferentes
E cidades diferentes da região.
Eu me esforcei
E agora posso oferecer
Planos de televisão e celular,
Eu ligo para suas casas,
Seus trabalhos,
As vezes, sou inconveniente,
Mas, eu insisto,
As vezes, sonho com a voz dele.
“Será que ele me atende?”
Eu penso,
Levou uma mão ao coração,
E a outra ao telefone
E digito um número a esmo,
Eu o busco.
Na primeira vez,
Uma voz masculina atendeu,
Eu insisti.
“voce é o Gilvan?”
Indaguei,
“não”.
Foi a resposta tardia
Que recebi.
Eu busquei o cheiro dele,
Busquei muito.
Insisti e liguei de volta,
Outra vez masculina
E outro não.
Recebi muitos nãos,
As pessoas não gostam
De mudar planos em seus
Celulares e televisores,
E... Infelizmente,
Não consegui contato
Com meu irmão,
Não para eu.
Sim, para a verdade.
Eu fiquei rouca,
Perdi a voz,
Nunca faltei,
Cada mês lhe comprei flores,
Cada final de semana
Eu o visitei no cemitério,
Lhe abracei de perto,
Mas, o buraco em meu peito
Dava voltas,
Não se adequava.
Assim, foram dez anos.
Meu trabalho durou pouco,
Eu fui xingada por ter ligado
Para a cidade inteira
Em muito pouco tempo,
E já estar sendo reconhecida
Nas ruas,
E sendo alvo de comentários
Em cidades vizinhas.
Fui para a área jurídica,
Busquei ele nos cemitérios,
Hospitais, delegacias e afins,
Não havia processos contra ele,
Não teria sido possível,
Ele estava morto,
Havia um atestado de morte,
E um corpo num caixão
Que concordavam com isso,
Não havia está certeza
Em meu coração.
Eu quis abrir o túmulo,
Buscar no caixão os seus restos,
Ver de que forma
Eu me identificaria com a perda,
E aceitaria os fatos,
Encerraria minhas buscas.
As pessoas me indicavam
Tratamento psiquiátrico,
Alegavam insanidade,
Eu disse: “ meu bem, é saudade”.
Alguns elogiavam minha força
Por não fazer uso de remédio,
Até para esquecer e aplacar a dor,
Eu respondi:
“ não quero esquecer,
Preciso lembrar,
Buscar cada detalhe,
Estar lá...”
Então, baixei os olhos
Carregados de lágrimas
E terminei a frase:
“com ele”.
Eu tive poucos amigos,
Eles foram viver suas vidas,
Disseram que sentiam medo
Do meu luto
Porque se tornava contagioso,
E ninguém desejava
Acordar mortos.
“ não está morto”.
Eu consegui dizer
Com tanta dor
Que arrastei a frase
Até eu chegar a porta,
Abri-la e dizer adeus eterno
Para a pessoa
Que não queria lembrar dele.
Eu mataria a que me fizesse
Esquecer,
Não é possível aplacar a dor
De perder um irmão,
Eu via isto em nosso pai,
Em nossa mãe,
Via no reflexo do olhar
De cada um que chegava perto.
Eu guardei o celular
Que ele usava,
A roupa que ele gostava,
Eu liguei para ele
Muitas vezes,
Ele não atendeu,
Eu não tive está certeza,
Por isso, nunca parei.
Eu fui em festas
Onde tinham pessoas
Para buscá-lo,
Eu quis vê-lo nos olhos
De cada um que passava.
O cheiro dele
Não parecia distante.
Eu me esforcei na cozinha,
Busquei os temperos antigos,
Lembrei da culinária da família
E o busquei,
Temperei do mesmo jeito,
Com o mesmo carinho,
Abri a janela
Para que ele sentisse o cheiro,
Desejei que isto o trouxesse.
Eu sempre guardei
Um prato para ele,
Sempre mantive seu lugar a mesa.
Eu busquei o reflexo dele
Na imagem de outros garotos,
Tentando identificar
Como ele estaria
Se não tivesse existido
O maldito dia 23 de julho de 2011.
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