Peguei a carta entre os meus dedos abertos,
O vão por onde o deixei partir agora fazia sentido,
Deslizei a mão uma vez por suas linhas,
Sem arriscar olhar o que diziam, já a havia lido,
Sabia identificar cada palavra que parecia gritar,
Mantinha meus olhos fechados,
Quisera eu, pudesse me acordar deste sonho,
Onde o busco sem cessar, mas não encontro,
Contudo, as doces palavras nada diziam além de lembranças,
Falavam de um sonho bonito e acrescentavam um fim ao que
vivemos,
Quisesse dizer algo, não poderia minha voz estava embargada,
A dor de sua partida me feria a alma,
Uma chuva de lembranças vinha à tona por meus olhos,
Balbuciei algo sem contê-las que em lágrimas escorriam,
Mesmo os olhos cerrados não eram capazes de freá-las,
Desciam por meu rosto, apagavam o sorriso,
Molhavam o papel e com ele avivavam as palavras trêmulas,
Elas dobravam seu tamanho, amargas a afogar-se no mar de
dor,
Tivesse eu, visto-as, talvez pudesse salvá-las,
Mas lhe digo, meus olhos não foram capazes de abrirem-se,
A dor era tamanha que me consumia por inteira,
Trouxe a carta ao peito, recostei-a em meu coração,
Ele palpitou descompassado, disse algo que eu não entendi,
Mantive minha mão onde estava desde o início,
Meus dedos pareciam pregados nela, não se moviam por nada,
As palavras escorriam e pulavam da carta,
Ganhavam vida esmurrando-me com lembranças,
Tivesse eu esquecido, o que poderia restar de mim?
É possível esquecer alguém que se ama com toda a alma?
As últimas frases pareciam estar ficando prejudicadas,
A caligrafia borrada impedia de ver seu conteúdo,
Mas ele estava vívido em mim, falava de quando partira,
Do instante em que decidira dar um fim a tudo que vivemos,
Embora eu não a pudesse ler eu reconhecia sua letra,
Mantinha os olhos fechados, até que soluços me romperam,
Dilacerada dor em mil fragmentos se mortificava – as lágrimas
-,
Morria ela enquanto apagava a letra de uma lembrança,
Poderia morrer naquela hora e não sentiria dor maior que
outrora,
Pior que vê-lo desentrelaçar nossos dedos para abrir a
porta,
Apenas para depois fechá-la contra os meus sentimentos,
Não iria acontecer, perder quem se ama por meio de uma
carta,
Nada mais que pouca coisa dita, muita escrita e única
atitude:
- Pam, pam - um bater
de porta, um adeus pronunciado em silêncio,
Um olhar que não cruzaria com o meu, dois corações partidos,
Com apenas uma frase eu costumava mudar tudo ao redor,
- Eu te amo, meu amor não vá -, mas desta vez não bastou,
Toda a minha força agarrada aos seus dedos, não ajudou,
Ele abriu a mão, ergueu seus dedos, depois removeu dos meus,
Virou o rosto para a frente em gesto decidido,
Deixou o braço para trás e depois o puxou, sem falar nada,
Não ousou um último olhar, apenas se afastou seguro,
Acho que eu quis morrer, acho que ele sabia disso,
Penso que esta carta signifique algo além de tudo isso,
Com um arfar no peito, um suspiro que vinha de dentro
Me fez soltar a carta, afastá-la por um único segundo,
Levei a mão ao rosto, sequei as lágrimas doloridas,
Quando pude abrir os olhos avistei minha mão manchada,
Os dedos onde eu mantive a carta a todo custo comigo
Continham palavras como se fossem tatuadas,
Sílabas se formavam conforme eu os juntava,
A tinta que escorreu da carta havia penetrado em mim,
- Eu te amo, e alguma coisa rabiscada eu pude ler entrededos,
Decidi procura-lo e para a dor que me consumia buscar um fim.