segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Solidão a Dois...


Ela o amava com toda a alma, se entregou a ele profundamente,

Mas a cada vez em que se olhava no espelho não se encontrava,

Ele a deixava sem saída, tragava a sua liberdade, lhe tirava as escolhas,

Presa a uma vida antiquada ausente de tudo que sonhava,

No início, tudo era perfeito, parecia que nada atrapalharia,

As discussões eram caladas com beijos, as lágrimas esquecidas,

 

Pouco antes do amanhecer, assim que ele se arrumava para o trabalho,

Ela acompanhava a rotina dele, fazia o café, preparava a mesa,

Ignorava as noites percorridas insones, vazias de sonhos, com teor de pesadelo,

Fingia uma dor de cabeça para tentar se livrar das investidas,

Nunca esquecia o beijo de bom dia e a indagação de como tinha dormido,

Ele permanecia na cama o máximo que podia, levantava tomava o café e saia,

 

Ela o seguia até a porta com as chaves em mãos, entregava a ele seu melhor beijo,

Com o cachorrinho no colo, ambos acenavam desejando êxito,

Nunca esqueciam o abraço apertado dado, os três, em conjunto,

Com aquele sorriso de promessa de que tudo se sairia bem,

Olhos brilhavam para o horizonte, mas dentro dela algo não estava satisfeito,

A casa era humilde e feliz, porém, os móveis eram escassos, a comida era suficiente,

 

Mas a cada vez em que colocava a cabeça no travesseiro, as preocupações vinham,

Tiravam seu sono e a indagavam sobre como poderiam pagar as contas ao final de cada mês?

A luz, a água, as roupas, os carnês... como poderiam satisfazer as necessidades da casa?

Ela pensava em buscar um trabalho, era jovem teria sucesso com o que quer que fosse,

Acreditava em si mesma, sempre se saíra bem com os estudos, poderia auxiliar nas despesas,

Ele, porém, negava-se veemente a isso, apegava-se a um ciúme desmedido,

 

Ou algo deste teor escondido por trás de um machismo predominante,

Negava a qualidade de tudo que ela se esforçava para fazer,

Procurava afazeres na casa alegando estarem malfeitos,

Quando olhava-a, ela sentia que não era vista, parecia um reflexo,

As roupas que vestia, as mesmas que comprara outrora para agradar

Não serviam aos gostos dele, havia sempre algo sobre o qual reclamar,

 

A comida, a qual ele sabia de antemão sobre sua falta de técnica:

Era rejeitada; as flores sobre a mesa - esmoreciam, não conseguia contentar,

Os costumes que ela detinha eram renunciados, nada servia ou o agradava,

Os bilhetes deixados pelos cantos, as cartas metradas de outrora não convinham,

O beijo que antes selava o eu te amo de ambos, agora tinha gosto de ódio,

Algo explodia dentro dela de forma incontrolável: o gosto amargo do fracasso,

 

Havia falta de muitas coisas pelos poucos cômodos da casa,

Principalmente do amor que os uniu em promessa de casamento,

O que os mantinha unidos já não era mais sentimento, mas sim um pranto,

Silencioso, que embebia cada frase pronunciada por ambos,

Ela tentava a todo custo sustentar o amor falso para os vizinhos,

Ele negava-se a qualquer ideia que proviesse dela, com uma espécie de desprezo,

 

Os conselhos eram deixados de lado, os beijos ficavam escassos,

Os abraços repudiavam o suor de seus rostos, a distância tomava forma,

E os afastava, as ideias não combinavam, as piadas não soavam de bom tom,

Havia um vazio crescente dentro dela, ela o saciava através da pouca comida,

Recusava ver sua imagem refletida ante a ausência de um espelho a altura,

Ante ao medo do que pudesse encontrar, engordava, se rejeitava,

 

A certidão de casamento em que uniram seus nomes, os ratos roeram,

A mesma em que, através de um ato de fúria ela havia rasgado,

Aquele gesto ele sentiu, ela pode ver as lágrimas brotarem em seu olhar,

O restante do papel os ratos roeram formando o retrato de um coração,

Bastante romântico e insatisfeito para ambos, será que sentiam sua emoção?

No dia em que conseguiu encarar seu próprio reflexo, ela se assustara,

 

O espelho era pequeno, quebrado, a refletia em partes e todas eram repulsivas,

Ela dera um soco contra a parede, machucara alguns dedos,

Mas sua alma sangrava, havia arrependimento e algo mais presente entre eles,

Ela tentava buscar o homem por quem havia se apaixonado, mas ele estava em falta,

Poderia estar na casa da sogra, na mesa de baralho ou em qualquer outro lugar,

Distante demais dela, ele estaria a evita-la ou evitava encarar a decisão errônea?

Ou, então, sua necessidade por contato era demasiada? Ela ficava reclusa,

 

Embora sentisse falta de carinho, de gestos que a deixassem satisfeita,

Preferia ficar recolhida, rejeitava qualquer forma de contato, se apegava ao animal,

As palavras vazias já não preenchiam os espaços e o vazio dentro dela crescia,

Não conseguia pronunciar mais o eu te amo olhando em seus olhos – o abraço se afrouxava,

 

Quando finalmente conseguia dormir, pesadelos a envolviam,

Acordava assustada como se estivesse sendo esmagada por algo estranho,

Encontrava a perna dele sobreposta a sua, amortecendo-a, contendo-a?

O espaço da cama que ela adorava agora estava reduzido,

 

Ele continuava dormindo, desatento enquanto o seu redor desabava,

Mesmo quando as tempestades vinham em fúria contra a casa,

Mesmo quando tudo ao redor rompia e gritava alto demais para se calar,

Ele permanecia adormecido em seu berço, desatento a tudo, avesso a ela,

As árvores ao redor se partiam, galhos quebravam e vinham contra a janela,

Ainda assim ele não via, nada afastava seu sono, nem mesmo o medo dela,

 

Seus hábitos estavam sendo impedidos, um braço se jogava ao redor dela,

Aquilo a feria, o travesseiro que gostava de abraçar tinha outro dono,

O calor dele vinha contra ela e sufocava, por vezes, ele roncava, ela se afligia,

Quando discutiam ele não conseguia manter as ideias fixas,

Partiam para os gritos ela encerrava aos prantos, o cachorro sofria os solavancos,

Em busca de feri-la ele feria o animal, ela esmorecia e o atacava - incontida,

 

Entre gritos, prantos e latidos, nada mais ficava no lugar naquela casa,

Ela jogada no assoalho encerado, ele quebrando os móveis ainda a serem pagos,

Cada vez que ele chegava bêbado, o cachorrinho se escondia pelos cantos,

Ela se armava e o recebia com sua cautela medida, reconhecido jeito compreensivo,

Tentava convence-lo sobre se dedicar a família, sobre tentar uma vida melhor,

 

Ele caia na cama abrandado, deitava e dormia, acordava para jantar,

Havia um descuido da parte dele, haviam sonhos na cabeça dela,

Depois de tanto descaso, tantas brigas insatisfeitas, convencera-o a ir embora,

Voltar para a casa dos pais não lhes daria as oportunidades de que precisavam,

Morar sozinha visava um padrão de vida que ela não possuía,

Suas amigas, com quem poderia dividir aluguel, haviam se dedicado a outras vidas,

 

As quais, ela se recusara a vida inteira, poderia pagar pensão na casa de parentes,

Tendo o dinheiro que lhe cobrariam, ela sabia: não seria aceita,

Sem alternativa em que se agarrar, juntou as malas o cachorro, o marido e partira,

Conseguira depois de muitas custas um emprego simples,

Após sangue, suor e lágrimas, alcançou a tão sonhada faculdade,

 

Neste ínterim, há muito tempo o sonho do casal havia se desfeito,

Ele passava a maior parte do tempo no trabalho e ela se dedicava aos estudos,

Certo dia, insatisfeita com a vida que levavam, que pouco havia se modificado,

Ela olhou para ele com o carinho alcançado durante os anos de convivência,

 

Então, o convenceu do contrário, juntar as roupas, entrar no seu carro e ir embora,

Queria que ele fosse feliz, estava certa de que não seria ao seu lado,

Agora sozinha, ela pagaria as contas que tinha em seu nome, buscaria suas conquistas,

Buscaria oportunidades diferentes em que pudesse ser feliz em seus sonhos,

 

Os beijos entre eles haviam acabado a tanto tempo, os abraços eram dados a distância,

O diálogo havia se diferido, algo que pudesse se chamar amizade os mantinha unidos...

Mas era insuficiente para aplacar seus vazios que os consumia por dentro,

Ambos feriam e eram feridos, avessos a todas as promessas que um dia acreditaram,

Solidão a dois tinha um nome, reconhecido e palpável a separá-los,

Se um dia haviam sonhado juntos, hoje recusavam até mesmo isso.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A Plantação de Pêra e Maracujá

Os pais de Pitelmario Fizeram uma linda plantação, Araram o campo, Jogaram adubo, Molharam a terra, Então, plantaram pêras...