Era o que ela dizia para ele entre soluços e pranto sentido,
Mas, ante a qualquer palavra dele que pudesse contraria-la,
De malas prontas, o carro na garagem a levaria embora,
Mais uma vez a história se repetia e nada mais importava,
Nada permanecia intacto ao seu redor, muito menos as
promessas,
Chego a pensar que esta palavra deveria ser repartida ao meio,
Beirando a algo como em-bora, porque tudo nela se resolvia
desse jeito,
Contrariada: porta a fora, nada a segurava, nada a mantinha,
Mesmo o amor que jurava com tanta maestria, era tão facilmente
esquecido,
Suas lágrimas, se tivessem sabor soariam a liberdade plena,
Ou qualquer coisa que pudesse ser usada para satisfazer seu
ego,
Ainda que jurasse de joelhos amor sem medidas,
Ainda que se debulhasse em lágrimas jogada sobre a cama
macia,
Mesmo que jurasse nunca esquecê-lo, fazer para sempre parte
da sua vida,
Há um afago de outros dedos, tudo o mais era deixado para
trás,
Menos as dívidas que ela fazia questão de que fossem
quitadas,
Ela fazia um jogo em que deixava todos em falta com relação
a ela,
Era como se todos a devessem algo, como se ela fosse vazia
de si mesma,
A preencher-se dos outros, não importava qual seria o custo,
Seu bem-estar estava sempre acima de todo o resto,
Era como uma miragem de si mesma, a convencer e convencê-la,
Quando as pessoas se afeiçoavam a ela, não costumava durar
muito,
Gostavam da imagem que ela criara, mas estavam distantes do
que ela era,
Imagens não duram para sempre, ela gostava de alianças para
ostentar,
Feito uma atriz coadjuvante da vida alheia, a primeira
discrepância se esquivava,
De que forma convenceria aos outros sobre o que não era, nem
mesmo acreditava?
Se apegava ao dinheiro como se fosse o fator principal em
sua vida,
Embora jurasse de pés juntos que para ela era o de menor
importância,
Tanto era pouco importante que suas dívidas, quando
quitadas,
Eram saldadas por terceiros, joguetes em seu caminho de
mentiras,
Gostava de maquiar-se, de vestir-se bem, manter um ideal de
imagem,
Ela pôs o baralho no bolso, mandou guardar a louça de cima
da mesa,
Sentou-se na cadeira e abriu o jogo, sabia como ninguém cartear,
Eu, fiquei em pé, contemplando-a, ela era boa no que fazia,
Chegava a me convencer com suas lágrimas frias e vazias,
Se prendia a tudo o que via, mas não absorvia nada do que
repetia,
Aqui uso o repetir, por que ela não era dona dos seus atos,
Tão pouco do que falava, creio que nem ao menos do que
acreditava,
Porém, não a subjuguem, ela sabe manipular como nenhuma
outra,
Se criara na rua, apesar de ter sido bem acolhida em sua
família,
Dera as costas a todos, menos ao seu ego, este sempre soube
guia-la,
Eu a via dar as cartas de forma atenta, me sentia repulsiva
ao seu lado,
Ela não aceita competições, quer sempre exceder-se em tudo,
Não sabe sentir a tal perita do amor, a rainha das
baixarias,
Sempre acreditara poder manusear a todos que a adornam,
Com aqueles seus dedos bem gesticulados, via nos outros
meros objetos,
Preocupava-se com a aparência, mas não media as
consequências,
A cópia que de tanto fingir ser outra, se perdera em algum
lugar,
Difícil encontra-la, ela nunca soube quem era, a usurpadora
de ideias,
Nunca soubera agir compatível a elas, como agiria se não
eram suas?
Sabe o reflexo do espelho que reflete todo o contrário do
que vê?
Até ele é mais fidedigno que ela com aquela sua imagem a
contento,
Eu fiquei ao lado dele, não queria ser vista por reflexo,
quem iria querer?
Embora seus olhos fossem escuros, a alma era branca, fugia
de si mesma,
Era como se, se escondessem entre suas próprias sombras,
Perdida dentro do vazio que a havia consumido a muito tempo,
Tragada para dentro dela, como poderia sair de lá inteira se
nem sabia o que era?
Aqueles seus olhos escuros estavam distantes do que ela
queria ser,
Rejeitava a si mesma, vocabulário precário, ideias inconsequentes,
Embora fosse inteligente, não conseguia ir longe, se
desprender do ego,
Uma imagem falseada, que só contentava sujeitos masculinos,
Não até muito longe, ela encontrava fácil o ponto final da
rua em que vivia,
Não haviam recompensas da parte dela, tudo era medido e
cobrado ao final,
Sua cabeça era numérica, não se preocupava com o que havia
dentro dela,
Mesmo os dentes que faltavam em sua boca, escondendo o
sorriso falso,
Não serviam mais que joguetes a serviço daquilo em que ela
interpretava,
Se visse-se refletida no espelho, perceberia que os vazios
estavam a mostra,
Quando o vazio já saiu do coração e encontra-se tão
evidente,
Não acredito que haja retorno, ela era mesmo diferente,
Ela desejava tudo que via, em razão de algo diferente de
necessidade,
Uma espécie de suborno, quando vê-se descoberta, usa do seu
teatro,
Desnuda de alma, de sentimentos, teatral em cada momento,
Quem lhe daria ouvidos? Muitos, muitos caem em seus
joguinhos,
Agora seu vazio tinha uma voz e saia por seus espaços,
O rosnado em que ela se refugiava estava enfraquecendo,
Eu confesso surpresa ao que via naquele momento,
Cheguei a me ver indefesa, ela parecia um soldado,
Com um único objetivo, uma única meta: satisfazer seu ego,
Não servia uma nação, marchava em benefício próprio...
De vez em quando, ela me olhava de canto de olho,
Eu respondia de soslaio, quase que para ter certeza do que
via,
Ela me analisava, copiava e representava,
Não dei importância a aquilo,
Não naquele momento.