domingo, 28 de fevereiro de 2021

Sem Importância


Os casais que juram amor eterno deveriam permanecerem juntos,

Era o que ela dizia para ele entre soluços e pranto sentido,

Mas, ante a qualquer palavra dele que pudesse contraria-la,

De malas prontas, o carro na garagem a levaria embora,

Mais uma vez a história se repetia e nada mais importava,

Nada permanecia intacto ao seu redor, muito menos as promessas,

 

Chego a pensar que esta palavra deveria ser repartida ao meio,

Beirando a algo como em-bora, porque tudo nela se resolvia desse jeito,

Contrariada: porta a fora, nada a segurava, nada a mantinha,

Mesmo o amor que jurava com tanta maestria, era tão facilmente esquecido,

Suas lágrimas, se tivessem sabor soariam a liberdade plena,

Ou qualquer coisa que pudesse ser usada para satisfazer seu ego,

 

Ainda que jurasse de joelhos amor sem medidas,

Ainda que se debulhasse em lágrimas jogada sobre a cama macia,

Mesmo que jurasse nunca esquecê-lo, fazer para sempre parte da sua vida,

Há um afago de outros dedos, tudo o mais era deixado para trás,

Menos as dívidas que ela fazia questão de que fossem quitadas,

Ela fazia um jogo em que deixava todos em falta com relação a ela,

 

Era como se todos a devessem algo, como se ela fosse vazia de si mesma,

A preencher-se dos outros, não importava qual seria o custo,

Seu bem-estar estava sempre acima de todo o resto,

Era como uma miragem de si mesma, a convencer e convencê-la,

Quando as pessoas se afeiçoavam a ela, não costumava durar muito,

Gostavam da imagem que ela criara, mas estavam distantes do que ela era,

 

Imagens não duram para sempre, ela gostava de alianças para ostentar,

Feito uma atriz coadjuvante da vida alheia, a primeira discrepância se esquivava,

De que forma convenceria aos outros sobre o que não era, nem mesmo acreditava?

Se apegava ao dinheiro como se fosse o fator principal em sua vida,

Embora jurasse de pés juntos que para ela era o de menor importância,

Tanto era pouco importante que suas dívidas, quando quitadas,

Eram saldadas por terceiros, joguetes em seu caminho de mentiras,

 

Gostava de maquiar-se, de vestir-se bem, manter um ideal de imagem,

Ela pôs o baralho no bolso, mandou guardar a louça de cima da mesa,

Sentou-se na cadeira e abriu o jogo, sabia como ninguém cartear,

Eu, fiquei em pé, contemplando-a, ela era boa no que fazia,

Chegava a me convencer com suas lágrimas frias e vazias,

Se prendia a tudo o que via, mas não absorvia nada do que repetia,

 

Aqui uso o repetir, por que ela não era dona dos seus atos,

Tão pouco do que falava, creio que nem ao menos do que acreditava,

Porém, não a subjuguem, ela sabe manipular como nenhuma outra,

Se criara na rua, apesar de ter sido bem acolhida em sua família,

Dera as costas a todos, menos ao seu ego, este sempre soube guia-la,

Eu a via dar as cartas de forma atenta, me sentia repulsiva ao seu lado,

 

Ela não aceita competições, quer sempre exceder-se em tudo,

Não sabe sentir a tal perita do amor, a rainha das baixarias,

Sempre acreditara poder manusear a todos que a adornam,

Com aqueles seus dedos bem gesticulados, via nos outros meros objetos,

Preocupava-se com a aparência, mas não media as consequências,

A cópia que de tanto fingir ser outra, se perdera em algum lugar,

 

Difícil encontra-la, ela nunca soube quem era, a usurpadora de ideias,

Nunca soubera agir compatível a elas, como agiria se não eram suas?

Sabe o reflexo do espelho que reflete todo o contrário do que vê?

Até ele é mais fidedigno que ela com aquela sua imagem a contento,

Eu fiquei ao lado dele, não queria ser vista por reflexo, quem iria querer?

Embora seus olhos fossem escuros, a alma era branca, fugia de si mesma,

Era como se, se escondessem entre suas próprias sombras,

 

Perdida dentro do vazio que a havia consumido a muito tempo,

Tragada para dentro dela, como poderia sair de lá inteira se nem sabia o que era?

Aqueles seus olhos escuros estavam distantes do que ela queria ser,

Rejeitava a si mesma, vocabulário precário, ideias inconsequentes,

Embora fosse inteligente, não conseguia ir longe, se desprender do ego,

Uma imagem falseada, que só contentava sujeitos masculinos,

 

Não até muito longe, ela encontrava fácil o ponto final da rua em que vivia,

Não haviam recompensas da parte dela, tudo era medido e cobrado ao final,

Sua cabeça era numérica, não se preocupava com o que havia dentro dela,

Mesmo os dentes que faltavam em sua boca, escondendo o sorriso falso,

Não serviam mais que joguetes a serviço daquilo em que ela interpretava,

Se visse-se refletida no espelho, perceberia que os vazios estavam a mostra,

 

Quando o vazio já saiu do coração e encontra-se tão evidente,

Não acredito que haja retorno, ela era mesmo diferente,

Ela desejava tudo que via, em razão de algo diferente de necessidade,

Uma espécie de suborno, quando vê-se descoberta, usa do seu teatro,

Desnuda de alma, de sentimentos, teatral em cada momento,

Quem lhe daria ouvidos? Muitos, muitos caem em seus joguinhos,

 

Agora seu vazio tinha uma voz e saia por seus espaços,

O rosnado em que ela se refugiava estava enfraquecendo,

Eu confesso surpresa ao que via naquele momento,

Cheguei a me ver indefesa, ela parecia um soldado,

Com um único objetivo, uma única meta: satisfazer seu ego,

Não servia uma nação, marchava em benefício próprio...

 

De vez em quando, ela me olhava de canto de olho,

Eu respondia de soslaio, quase que para ter certeza do que via,

Ela me analisava, copiava e representava,

Não dei importância a aquilo,

Não naquele momento.

Entre a Culpa e a Desculpa, havia um lugar vago

 

Juntei suas roupas, fiz a mala bem-feita,

Conforme ele gostava que eu a fizesse,

Abri a porta com toda a delicadeza,

Coloquei ela em seu carro e entreguei as chaves,

Olhei, do lado de fora, por favor vá embora,

Eu disse, não faltou calma muito menos coragem,

 

Não tem conversa? Ele indagou com sua cara pasma,

Não, por favor, estou farta, eu lhe respondi irredutível,

Ele pegou as chaves da minha mão, roçou em meus dedos,

Tentativa de carícia rejeitada, sustentei meu olhar determinado,

Está bem, ficarei fora por quatro dias, depois dou retorno,

Apontei o dedo para o carro, precisa que eu abra a porta?

 

Meu semblante fechado não demonstrava que meu coração chorava,

Estava determinada a pôr um fim em todas aquelas discussões infundadas,

As brigas nunca resolvidas, que eram sempre deixadas para depois,

Eu nunca entendi o motivo de ele acreditar que eu não o deixaria,

Me era indigesto a forma como ele desdenhava dos meus objetivos,

O jeito como eu tinha que me curvar e servi-lo, como uma espécie de objeto,

 

Nunca medi esforços para agradá-lo, não me arrependo por ter sido assim,

Fiz tudo que estava ao meu alcance para ser o melhor possível,

Mas, as discussões iniciavam e aconteciam sem relevância contundente,

Chegava a noite, dormíamos cada um para um lado, as vezes cobertores diferentes,

Sonhos iam e viam, pesadelos se formavam, mas nada tomava alcance,

Transcorridas algumas horas ele acreditava que podia me abraçar,

 

Me dar um beijo na bochecha e já estava tudo certo em sua cabeça,

Diversas vezes, escondi a cabeça no travesseiro para chorar abstrusa,

Camuflava o sofrimento e não dizia nada, parecia não fazer diferença,

Mesmo ele tendo jogado o braço sobre o meu corpo, ele não me via,

Mesmo naquele gesto falso de abraço ele não sentia meus soluços,

Será que acreditava que alguém estaria a nos vigiar para intrigar-nos?

Será que ele era tão insensível a ponto de não sentir meus medos?

 

Cansada de calar a dor que pulsava forte em meu coração,

Prestes a desfalecer devido ao nó na garganta, rompiam os soluços,

Desta vez, mais altos, quase convulsivos, meu corpo queimava: o coração respondia,

Minha alma gemia, a boca se abria instintiva, como calaria o que me desfalecia?

Entre o pesadelo e o estar acordada, rompida em lágrimas,

Me vi tentando arrancar a própria língua com a ponta das unhas,

 

Parecia que aquelas palavras não tinham razão para existir, afinal ninguém as ouvia,

Senti o sangue tomar minha boca e escorrer garganta adentro,

Será que me preencheria? Quando dei por mim, virei de frente para ele,

O encontrei absorto, abracei seu corpo com toda a força, tremula,

Ele devolveu o abraço, com força suficiente para me fazer acreditar,

Que eu nunca desejaria pertencer a outra pessoa, estava segura,

 

Abrigada a ele, roí as unhas na mesma hora, ele não gostava disso,

Não dei ouvidos, elas queriam me machucar, não podia suportá-las,

É certo que ele precisaria trabalhar no outro dia bem cedinho,

Compreendo o fato de o barulho incomodar, da mesma forma,

Entendo bem minha dificuldade de encontrar trabalho,

E conseguir vencer todas as privações e discriminações para me manter,

 

Bem, na outra vez, ele me presenteou com uma gargantilha,

Adormecida sonhei que uma cobra me envolvia com uma linha tênue,

Ingênua, me envolvia de forma quente sobre a minha pele,

Ela desejava me afogar? Algo parecia querer entrar por minha boca,

Era como se eu não me pertencesse, não fosse mais que um corpo vago,

Em um gesto instintivo a quebrei ao meio, acordei com ela entre os meus dedos,

 

Sobre estas duas noites, embora muito pudesse se falar não foi dito nada,

O silêncio se imperou entre os móveis, escondido nos cômodos da casa,

Eventualmente, nossos olhos se procuravam pareciam querer falar,

Mas nenhuma frase específica era expressa, havia um código secreto entre nós,

Nem mesmo nós, sabíamos ao certo o que era falado um para o outro,

Tudo isso se desenvolveu naquelas duas malas jogadas lá fora,

O ronco do motor irritadiço, e a aceleração que o levava embora,

 

Da forma rude e grotesca que saiu, usando toda a rapidez que podia,

Acreditei que nunca mais voltaria, confesso me sentir desarmada,

Entrei para dentro ereta e segura, fechei a porta e sentei no sofá,

Olhei para frente, e o silêncio agora era contundente ao meu redor,

Falava mais que eu, entendia muito mais do que podia expressar,

Parecia ter voz ativa sobre os meus atos, determinava minha dor,

 

Enquanto o coração gritava sinta, ele parecia devolver o eco aos meus ouvidos,

Porém, enquanto o coração pulsava alto em meu peito mostrando o que havia dentro,

O silêncio embebia meus ouvidos com palavras que embora eu não determinasse,

Pareciam mandar em mim, guiar-me de um jeito que eu não podia resistir,

Juntei meus joelhos, abracei-os, a noite parecia chamar o sol do dia,

O vento sussurrava o que ela dizia contra minha janela aberta, eu a ouvia,

Mas me mantive inerte onde estava, o que eu poderia fazer por ela?

 

Talvez, ela sentisse saudade, estivesse apaixonada, desejasse ser tocada,

Será que ela não sabia que era o sol quem a iluminava ou isso não bastava?

Amar com toda alma, a distância, não sei em que adiantaria, ela estava certa,

Baixei os olhos para o assoalho, aqui dentro de casa a vida também seguiria,

Dentro de mim: da mesma forma; mas, mesmo as horas tendo passado lá fora,

O sono não vinha, os problemas que tentei jogar na rua, estavam ali ainda,

 

Eu podia senti-los, e ele onde estaria? Pensei que pudesse ter sido imprudente,

É claro que a negligencia dele com relação aos nossos assuntos era importante,

Mas, não teria como eu deixar de sopesar nossa imperícia quanto a essas determinantes,

Será que lá, onde estivesse, ele também estaria pondo tudo na balança?

Com um suspiro de cansaço, ergui os olhos para o luar e vi as estrelas brilharem,

Elas pareciam saber o que faziam, mas eram sempre tão distantes de tudo,

 

É claro que quando se coloca em uma distância segura fica mais fácil,

Contemplar tudo lá de cima, sem se envolver aos fatos era simples demais,

Queria ver se elas estivessem aqui no meu lugar, apaixonadas e tendo que dizer não,

Queria ver se os céus lhe deixassem de dar ouvidos, se as nuvens nunca mais se abrissem,

Se a lua lhes virasse as costas, arfei um pouco, estava insegura quanto ao meu agir,

Existe a culpa, que pesava no ar, e jogava tudo contra a minha cara,

 

Parecia gritar: arrependa-se, você sabe que estava errada, exagerou: admita,

Mas quando eu me reduzia, pegava o telefone para ligar, tentar me aproximar,

Vinha a desculpa, que pedia para que eu revesse tudo que havia acontecido,

Como eu me sentia para os fatos e como poderia resolver evitando mais conflitos,


Mesmo que eu não pudesse enxerga-la, eu tinha certeza sobre a roupa que vestia:

Orgulho, em cada palavra, em cada sussurro, sorria dentro de mim: será que ela estava errada?

Entre a culpa e a desculpa, eu não sabia o que pensar, nem qual atitude seria a correta,

Havia um lugar vago, entre a culpa e a desculpa, teria que preenchê-lo.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Provar Seu Beijo

 

Não se renda a essa inclinação tão forte a dar

Aquele xingão merecido por qualquer evasiva,

Ela pensava enquanto abria e fechava a mão,

Se contendo a sede de espalmar a emoção,

Sem dúvida controlar a cólera na hora da raiva,

Era a atitude mais adequada a se tomar nessa hora,

 

Suportar a privação de ânimo não era fácil,

As palavras vinham até a garganta, sufocando-a,

Desarmada, sem saber como agir ou o que falar,

Sentia a boca cheia, embebida do que não dizia,

Mãos tremulas, insegura quanto ao que sentia,

Via sua raiva extravasar em lágrimas incontidas,

 

No entanto, ao invés de se sentir aliviada,

Sentia ainda mais raiva de si mesma,

Por que as lágrimas tinham que assalta-la?

Sentia que suas forças se esvaiam, como resistiria?

Nessa hora, ela falava demais, dizia até o que não queria,

Autocontrole perdido, orgulho vestido,               quem poderia calá-la?

 

Precisamente porque as privações de ânimos e palavras

Encontram-se correlatas as ações não desenvolvidas,

Ela fechava a mão em punho, esmurrava algo em pensamento,

Então, se dirigia a ele, sentava ao seu lado, e fazia um carinho,

Por vezes, ficava ensurdecida ao que ele dizia, mas o ouvia,

Quando o sentimento está muito intenso, calar ajuda, ela pensava,

 

É importante a relação que uma coisa tem com a outra,

Se alguma se sobressair em demasia a discordância se impera,

E o resultado final termina por fracassar a todas elas,

Quando se ama alguém de verdade, não se deseja o sofrimento,

Vê-lo sofrer a feria e vice-versa, como agir em separado?

Se o maior objetivo que os fez ficarem juntos era o mesmo: o amor;

 

A frequência dos atos de ambos com relação ao outro era retribuída,

Como desejar receber carinho se não enviar amor em seus atos?

Ademais, sempre que se via longe dos seus olhos, alguma coisa a desviava,

Não queria criar ilusões falseadas, se apegar a discrepâncias,

Ela tinha certeza sobre não estar sendo traída, conhecia seu olhar,

Então, não alimentaria essa perspectiva, para quê se apegaria?

 

É certo que quando as coisas não estavam bem dentro de mim mesma,

Eu ficava irreconhecível, mas procurar brigas onde não existia?

Isso já era demais até para alimentar ideias vazias,

Aquelas que embora eu não queira admitir me assaltam em sua ausência,

As conexões as vezes são intensas demais para que se resista,

Principalmente quando alguma ideia paira no ar, inconclusiva,

 

Ela pensava consigo mesma, enquanto algo explodia dentro dela,

No entanto, ao seu lado, com seu braço solto sobre o seu ombro,

Ela se inclinava sobre ele, sentindo sua presença, podia ver sua alma,

Ela, sentia então, que deveria ampliar seu quadro de visão,

 

Parecia sempre que o êxito dos seus sonhos estava garantido,

Ante a força e habilidade dos atos ditados por seu coração,

Esse segundo critério: o império descrito por sua emoção,

É o que mais a impressionava, mesmo se ele pecasse quanto aos carinhos,

 

O que se nega a fazer sentido, ainda assim, ela permaneceria ao seu lado,

Suas boas ações, suas atitudes compassivas, se sobressaiam a tudo,

O orgulho poderia definir o que ela sentia por ele, se o amor não fosse mais intenso,

Estivesse longe do seu alcance o amor, ainda assim, o desejaria com o mesmo desejo,

Ver a forma como ele se comove ante as coisas, sua emoção irrefreada,

O respeito com que a tomava, tudo a conquistava, a cada dia mais que antes,

 

Se havia alguma disparidade entre eles dois, era apenas para os completar,

Nada mais que isso, o que se desenvolvia entre eles era imenso demais,

Intenso de maneira que ela tinha dificuldade para precisar, afluente em demasia,

A raiva escorria feito o suor da sua pele pelo vão da carícia dos seus dedos,

E ele a secava com seus afagos até que não houvesse mais nada a feri-los,

Havia algo intenso demais a envolve-los, e ela gostava demais disso,

 

Quando ele se inclinava sobre ela e repousava um beijo em seus cabelos,

Ela tinha certeza sobre os dois, e acreditava que ele também tinha,

Quando seus afagos brincavam com seu corpo a percorre-la, ela se reconhecia,

Já não era mais aquela pessoa incomodada com dúvidas e incertezas,

A capacidade de amar se sobrepunha a todo o restante das coisas,

Cuidar dele deixava de ser escolha, era o que a deliciava como pessoa,

 

Ser sua, era o que a satisfazia como mulher, sabe aquela ideia da metade da laranja?

Descobriu ao seu lado que não se vive de metades, até porque, como junta-la de volta?

Algumas coisas depois de quebradas não voltam a ser da mesma forma,

Em todo o tempo que estão juntos, ele nunca quebrou nada,

Nem mesmo conteve sua fala atribulada ou duvidou dos seus atos,

Bem, no que concerne aos erros, como julgá-los quando provem da alma?

 

E ele era assim mesmo, sempre disposto a ajudar a todos que via,

Um soldado armado, com munição contada, precisão medida por sonhos,

Olhos escuros, as vezes ela acreditava que ele não enxergasse a si próprio,

Embora ela preferisse que ele soubesse o quanto tinha valor,

Ela adorava quando seus olhos a atraiam para ele como uma sombra,

Ou algo, que estava a postos para lhe dar colo, fazer um carinho,

 

Se algum dia ela decidisse se cansar de tudo e até mesmo da vida,

Ela saberia onde se aconchegar para restabelecer as forças...

Se aconchegou ao seu peito másculo, aproveitou a potência do seu abraço,

Com um suspiro profundo elevou a cabeça para o alto, olhou em seus olhos,

Entregou a ele seu melhor sorriso com a certeza de estar no lugar certo,

Ele envolveu sua nunca com carinho, ela fechou os olhos para sentir seu beijo.


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Uma Cerveja a Mais


Se eu tivesse dado aquele beijo de despedida,

Será que isso realmente faria a diferença?

É certo que meu nível de atenção sofreu uma queda acentuada,

Sempre que ouço seu timbre de voz, o imagino aqui comigo,

Mas, isso não é o bastante para fazer com que eu me arrependa,

Não depois de vê-lo transitar com outra, beijar outros lábios,

 

Reúna todas as suas forças eu disse para mim mesma,

Você conseguirá se sair bem, sussurrei ao meu ouvido

Com um mover lento dos meus próprios lábios - como ele fazia -,

Mas antes que uma lágrima afogasse os meus olhos,

Em algo desastroso feito o ciúme me fazendo soar indesejada,

Movi um sorriso de canto de olho para os meus lábios,

 

É certo que aquela situação não se perduraria no tempo,

Não como nossos momentos, coisa semelhante acontecera outrora,

Diferente de como partira ele retornou para os meus braços,

Com um muxoxo de desgosto e mil eu te amo na ponta da língua,

Dialogo preparado para conquistas baratas de bares de esquina,

Na época eu gostara um pouco, posso admitir isso, porém, agora...

 

A minha expressão ao vê-lo me representou ser negativa,

O homem que eu havia deixado lá atrás, havia mudado,

Me parecera que seus lábios já não continham o mesmo sabor,

Mesmo seus braços estavam emagrecidos, semblante tristonho,

Olhar vago, acho que eu nem caberia mais em seu colo,

 

O fato de eu ter engordado um pouco a silhueta,

Não produzia influencia alguma nisso,

Mas ainda assim, algo falava alto em mim,

Claro que o fato de ele ser alto em estatura produzia influencia,

Apenas isso, seus cabelos fartos e negros, lábios bonitos...

 

Mas suas mãos me soavam imprecisas, tremulas ante alguma falta,

Não possuíam a destreza que eu reconheceria em qualquer lugar,

Sentia que elas tateavam no escuro sem conseguir encontrar nada,

Como se ele estivesse fraco, distante do que fora quando me apaixonei,

Aquela precisão medida que ele possuía estava longe dele agora,

Tivesse uma arma engatilhada em mãos atiraria contra si mesmo,

 

Aqueles olhos vagos, já não sabiam reconhecer um alvo mesmo a curta distância,

Isso mexia comigo, isso me deixava sôfrega, será que ele percebia?

Será que decidira frequentar o mesmo lugar que eu para me atormentar?

Ainda abraçava outra, brincava com tudo que já havia existido entre nós,

Percorri a distância que me separava do bar, comprei uma cerveja barata,

Arranquei a tampa com os dentes, só para sentir o cravejar na ponta da língua,

 

Virei a tampa dentro da minha boca, desejei amassa-la com uma mordida,

Cuspi ela fora cuidando aonde cairia, deixei ela ali no chão, sem dizer nada,

Que ficasse onde estava, o que importaria? Sorvi o líquido em goles medidos,

Me demorei o suficiente para senti-la quente entre os meus dedos,

Não desejava tanto saborear seu gosto, mas aprovava o efeito em meus lábios,

A forma como tremulava meus pensamentos, o jeito como mexia comigo,

 

Ele estava abraçado a ela na minha frente, sorri disso, a sensação era boa,

Beijaram-se algumas vezes, eu continuei onde estava liquidada,

Fazia frio lá fora, uma brisa passava através da porta e me tocava,

Meus lábios ficaram gélidos, encerrei a garrafa, pedi outra cerveja,

 Já na metade da segunda, percebi que a noite prometia muita coisa,

Esperava que o resultado fosse bom quando eu acordasse no outro dia,

 

Enquanto as horas não passassem: beberia, de garrafa em garrafa,

Embora meu estado aparente de sobridez contradissesse a minha fala,

Eu não me sustentava em pé como antes ante o exame de olhos atentos,

Muitas relações poderiam acontecer ao meu redor que serviriam

Para ilustrar em bom estado a dor de cabeça em que eu acordaria,

Mas tudo ficava a esmo, sem emoção, dizem que um casal deve ficar junto,

 

Mas esquecem de dizer quando o ponto final passará a surtir efeito,

Quando a boca em que beijamos já perdeu nosso gosto ao tocar outra,

Quando as mãos que tocaram nosso corpo já estão seguras para tocar outro,

Quando braços que já nos refugiaram em abraços, podem considerar-se livres,

Mordi os lábios, já não os sentia muito, embora não tenhamos trocado alianças,

Talvez, eu o tivesse amado, como saberia se partiu tão depressa para outra?

 

Eu tentava buscar uma desculpa que me tirasse daquele lugar,

Qualquer coisa para me agarrar e que me levasse longe de tudo,

Com um cair de braços, toquei sem jeito o bolso do meu calção,

Encontrei as chaves do carro, eu poderia ir embora a qualquer hora,

Olhei para o líquido da cerveja, ainda não havia acabado,

E o gosto estava muito bom para jogar fora, movi uma das pernas,

 

Me vi tremula, parece que a cerveja reagiu rápido em meu organismo,

Nada pior que isso, teria que encarar os beijinhos sem poder fazer nada,

A distância era segura: que aproveitassem, eu me sentia bem assim mesmo,

É claro que minha roupa não ajudava muito, não valorizava meus pontos fortes,

A maquiagem já estava borrada, eu havia dançado e ela deslizou por meu rosto,

Ao menos poderia contar com ela para me dar cobertura para aquele, ciúmes?

 

Havia em meu rosto a recompensa por pensar tanto em nós,

Maquiagem escorrida, lágrimas escondidas em algum lugar,

Precisava embriagar um pouco a alma, ela sentia-se descompassada,

Deixava incerto meus passos, como poderia me questionar dessa forma?

Se eu agi, agi; se perdi, perdi; agora ela decidia me contradizer,

Decidi beber mais uma, precisaria de forças para encarar o dia que amanhecia,

 

Haviam tantos lugares para ter acesso de ciúmes, precisava ser na frente dele?

Decidi afastar de mim esses pensamentos, o beijo já havia iniciado,

E cá entre nós, minha alma e eu: não parava nunca, troquei a cerveja por refrigerante,

Olhei para outro rapaz, fui dançar um pouco, contradizer minha alma desiludida.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Beijo


Toquei nele para acorda-lo daquela espécie de transe,

Em que ele se colocara a olhar para o horizonte,

Como se existisse algo além dele, que desejasse muito,

Mas se sentisse inseguro para alcançar, agora eu estava ao seu lado,

Poderíamos trabalhar juntos nisso, por quê ficava tão calado?

Preferia que ele confiasse em nós, me abrisse seus segredos,

 

E passássemos a seguir o mesmo caminho, com passos seguros,

Duas mentes pensantes pensam melhor que uma apenas,

50% de chances de ambos os lados equivale ao sucesso,

Acreditei nisso desde a primeira vez em que beijei sua boca,

 

Ao lado desta certeza caminharam outras confianças,

A de que aquele meu lado severo e intransigente ficaria para trás,

Antes meus atos eram guiados pelo medo, agora eram pelo seu olhar,

Se antes agia com cautela medida em cada hora que se seguia,

Agora tinha com quem dividir minhas dúvidas e me sentir mais segura,

Ao sentir sua pele sob a minha eu tentava de todas as maneiras

 

Me esquivar do desejo que inflamava a sede de provar seus beijos,

Embora eu confiasse em cada atitude sua, a distância que via agora

Me atormentava a alma, parecia que se distanciaria demais de nós,

Que se colocaria em algum lugar distante onde não pudesse encontra-lo,

Se estávamos juntos o que haveria para esconder a distancia-lo tanto?

No roçar dos meus dedos, longe demais para que eu pudesse avistá-lo,

 

Embora muita coisa atormentasse meu coração febril e descompassado,

O desejo por abraça-lo e protege-lo daquela situação complicada,

Tomava completamente meus pensamentos, ele me soava tenso,

E eu em meu tom egoísta de pensar mais em sexo que em cuida-lo,

É certo que sempre que o abraçava com todo o carinho que eu sentia,

No vão de cada carícia, entre um beijo e outro, ele se abria mais,

 

Mas um diálogo dessa forma, agora me parecia forçado,

Tinha medo de que estivesse se sentindo manipulado,

Que outras mãos lhe tomassem a atenção que era minha,

Ah, se outros lábios provassem o doce que havia em sua boca,

Por Deus que não sei o que faria, vazia de mim mesma, o pertencia,

Por um ato da minha própria vontade, por acreditar em cada palavra sua,

 

Sentei-me ao seu lado, mas evitei abraça-lo, apenas por algum tempo,

Queria que ele me notasse ali e fizesse algo, me dissesse alguma coisa,

Por mais que confiasse em nós dois, o amava o bastante para me preocupar,

Quando abri minha boca para dizer algo, ele envolveu minha mão na sua,

Apertei-a com toda a força, queria que ele entendesse o quanto o amava,

Conforme seu silêncio continuava eu me sentia estagnada, emudecida,

 

Algo feito um vazio tomava forma dentro de mim e me consumia,

Eu não iria chorar, prometi para mim mesma, encontraria uma forma,

Ele abriu seus dedos e juntou aos meus de maneira forte e intensa,

Estava de novo protegida, poderia relaxar, abri um sorriso tranquilo,

Ele sorriu um meio sorriso, de canto de boca, deixando os dentes a mostra,

E um brilho no olhar que consumia minhas forças, reunia as palavras,

 

Te amo, consegui sussurrar enquanto beijava seu braço,

Roçando os lábios em sua pele, brincando com seu cheiro,

Me embriaguei dele até sentir-me completa, de novo,

Ele me envolveu com o outro braço, apertando-me contra o seu peito,

De um jeito torto, meio de lado, abracei-o com toda a força,

Não suportaria perde-lo, nem por um segundo que fosse,

 

Deveria haver alguma garantia ao amor para que durasse para sempre,

Algo que os comprometesse, que fizesse com que seus sonhos acontecessem,

Nossas mãos estavam juntas, embora nossas alianças estivessem separadas,

Virei de costas, com um gemido de sufoco e um riso ao esquivar-me,

Embora seus braços fossem fortes, ele nunca me segurou mais do que aceitei,

Nunca me forçou a nada, nunca aumentou o tom de voz contra mim, sempre cortês,

 

De costas, sentei em uma das suas pernas, juntei as mãos das nossas alianças,

Apertei o mais forte que consegui, trouxe para os meus lábios com um beijo,

Mordi por um segundo, rocei os dentes sobre sua pele absorvendo-o até minha alma,

É certo que ele sabia sobre sempre se encontrar nela, mas eu nunca cansei de demonstrar,

Ele envolveu a outra mão em minha cintura, aumentei a intensidade da força,

Sempre que ele estava próximo, eu sempre me superava em cada atitude,

 

Soltei nossas mãos em meu ventre, para que sentisse o calor que me despertava,

Abri suas pernas com as minhas, me coloquei de lado e provei sua boca,

Abrir seus lábios com os meus sempre me soava como na primeira vez,

Tinha gosto de eu te amo em cada instante; eu te amo meu amor, sussurrei,

Tão perto que o calor das minhas palavras beijou-o outra vez,

Eu estava pensando em talvez termos um filho, o que você acha, o indaguei,

Eu também, estava pensando que ontem não comprei seu anticoncepcional,

E que hoje a farmácia estaria fechada: um filho seria bem-vindo em nossa casa.


 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Um Alguém Diferente

Durante um primeiro momento,

Parecera fácil demais escolher a solidão como caminho preferível,

Todavia, passara pouco tempo deste seu entendimento bem definido,

Então, houvera desenvolvimento notável de atitudes a priva-la das suas escolhas,

Tencionando obriga-la a escolher uma vida como a do restante das pessoas,

Era difícil conseguir se esquivar, a cada foto postada sempre um olhar à espreita,

 

Uma investida insatisfeita em busca de conquista-la,

Obriga-la de qualquer jeito a não ficar sozinha,

A cada olhar indagador uma acusação se escondia,

Por que motivo ela escolhe ficar sozinha?

Por que decide não se casar ainda?

A rejeitada a definiam, aquela que nunca se satisfaz,

 

Ela sentia-se reclusa, ninguém aceitava as suas maneiras,

Então, fingia relacionamento para mantê-los a distância,

A visão das pessoas é imperfeita no que refere-se a uma mulher sozinha,

Sentem que há algum problema com ela, que lhe falta algo,

Querem obrigar-lhe a seguir o roteiro estabelecido nos primórdios,

Embora ela se recuse a isso, não significa que não se fira,

 

É difícil seguir na contramão do destino imposto por todos,

É complicado seguir a passos seguros um caminho falseado,

Em que todos escolhem apontar o dedo como se tivessem a direção,

Quando se casam, exigem os filhos, quando não se casam, repudiam,

Exigem um padrão em que ninguém acredita, mas querem que sigam,

Dominar os estilos, as roupas, o conteúdo que leem, o que creem...

 

E quanto mais ela avança por este caminho de ladrilhos sobrepostos no caminho,

Em que a cada passo em falso um escorregão antecede ao tombo,

Ela não tem nada além dos próprios braços para lhe erguer,

Exigem que tenha, olhos assustados a encontram e afastam-se,

Ao colocar-se na contramão do que acreditam, ninguém ousa arriscar-se,

Talvez, temam contagiar-se com seus pensamentos,

 

Assustam-se com a ideia de verem seus erros questionados

E rejeitados por seus atos, a recusam por seus objetivos diversificados,

Mas, talvez, dentro deles algo lhes fale sobre seus desacertos,

Uma pontada de incerteza os critique pelas escolhas impensadas,

É difícil precisar a dimensão de erro de cada pessoa,

Mas existem situações e oportunidades que não voltam atrás,

 

Oportunidades se perdem em cada olhar equivocado,

Em cada palavra dita em hora incerta ou forma impensada,

Em cada gesto feito com o propósito ou não de machucar,

Embora quase sempre haja uma segunda chance,

Existem coisas que permanecem para sempre,

Ela tocou uma flor no jardim que desejava mudar de lugar,

Meneou a cabeça concordando consigo mesma, mudou-a,

Não havia outras preocupações com as quais se conectar,

 

Quanto mais o tempo passava, mais absorvia as coisas que gostava,

Suas manias foram se intensificando, isso era difícil de ignorar,

Agora, ignorava a idade, os cabelos brancos e vestia o que queria,

Guardava a chave do carro onde desejava e saia para onde quisesse,

Mantinha-se por conta própria, quitava suas contas, vivia por si mesma,

 

Mas, sempre espreitava com alguém que se recusava a ela,

Tentavam modifica-la sob todos os aspectos, negavam suas qualidades,

Duvidavam sobre sua força, rejeitavam suas capacidades,

Ela cansou de chegar nos lugares e as vozes se calarem,

Era assunto para tantas fofocas que já não se queixava mais,

Vira seu currículo ignorado e as oportunidades de emprego retidas,

 

Exigiam que fosse como as outras, um salário por suas vontades,

Não estava em questão um trabalho, mas sim uma submissão,

Queriam posiciona-la em sociedade, mantê-la sob rédeas curtas,

Não importava o conteúdo do que acreditava seu coração,

Teria que seguir as regras impostas ou estava fora,

Não tivesse capacidade para se manter sozinha, seria ultrajada,

 

Não importavam suas lamúrias, suas lágrimas, as dores sofridas,

Os calos em seus pés por procurar trabalho de lugar em lugar,

As mãos acostumadas a pegar no batente sem forças para lutar,

As roupas velhas usadas, doadas, emprestadas: se serviam ou não nela,

Nada importava aos olhos cheios de cobiça por sobrepujarem-na,

Sua silhueta esbelta perdera alguns quilos enquanto andava sobre a calçada,

A fome se ausentava a cada final de mês, quando pensava nas contas,

No entanto, nada conseguiu reter sua força de vontade de se realizar como pessoa,

 

Estudara, se esforçara o máximo que pudera e alcançara seus sonhos,

Porém, mesmo agora, ainda era alvo dos mesmos boatos incrédulos de outrora,

Como conseguira se exceder sem se posicionar sobre a mesa do patrão?

Como alcançara formação sem ceder as vontades do professor bonitão?

Como se sobressaíra nos estudos se não pertencera aos grupos do fundão?

 

Como se formara com êxito se nunca submetera-se a fazer uso de cola?

Como conseguira pegar a lotação todos os dias e estudar como estudava?

As vozes incrédulas, os falsos boatos ou o barulho da condução, nada a incomodava?

Como conciliara os estudos com o trabalho, de que forma sustentara a si mesma?

 

A saliva que embebia as palavras das pessoas ao seu redor tinha nome,

Um nome que feria até mesmo ao se pronunciar em pensamento: inveja,

Descrença quanto a sua qualidade e valia como mulher,

O sucesso de uma mulher obriga-a a usar um salto alto,

E vestir-se, comportar-se conforme o padrão escolhido,

Ela fora diferente e alcançara êxito, já conseguem acreditar nisso?


 

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Solidão a Dois...


Ela o amava com toda a alma, se entregou a ele profundamente,

Mas a cada vez em que se olhava no espelho não se encontrava,

Ele a deixava sem saída, tragava a sua liberdade, lhe tirava as escolhas,

Presa a uma vida antiquada ausente de tudo que sonhava,

No início, tudo era perfeito, parecia que nada atrapalharia,

As discussões eram caladas com beijos, as lágrimas esquecidas,

 

Pouco antes do amanhecer, assim que ele se arrumava para o trabalho,

Ela acompanhava a rotina dele, fazia o café, preparava a mesa,

Ignorava as noites percorridas insones, vazias de sonhos, com teor de pesadelo,

Fingia uma dor de cabeça para tentar se livrar das investidas,

Nunca esquecia o beijo de bom dia e a indagação de como tinha dormido,

Ele permanecia na cama o máximo que podia, levantava tomava o café e saia,

 

Ela o seguia até a porta com as chaves em mãos, entregava a ele seu melhor beijo,

Com o cachorrinho no colo, ambos acenavam desejando êxito,

Nunca esqueciam o abraço apertado dado, os três, em conjunto,

Com aquele sorriso de promessa de que tudo se sairia bem,

Olhos brilhavam para o horizonte, mas dentro dela algo não estava satisfeito,

A casa era humilde e feliz, porém, os móveis eram escassos, a comida era suficiente,

 

Mas a cada vez em que colocava a cabeça no travesseiro, as preocupações vinham,

Tiravam seu sono e a indagavam sobre como poderiam pagar as contas ao final de cada mês?

A luz, a água, as roupas, os carnês... como poderiam satisfazer as necessidades da casa?

Ela pensava em buscar um trabalho, era jovem teria sucesso com o que quer que fosse,

Acreditava em si mesma, sempre se saíra bem com os estudos, poderia auxiliar nas despesas,

Ele, porém, negava-se veemente a isso, apegava-se a um ciúme desmedido,

 

Ou algo deste teor escondido por trás de um machismo predominante,

Negava a qualidade de tudo que ela se esforçava para fazer,

Procurava afazeres na casa alegando estarem malfeitos,

Quando olhava-a, ela sentia que não era vista, parecia um reflexo,

As roupas que vestia, as mesmas que comprara outrora para agradar

Não serviam aos gostos dele, havia sempre algo sobre o qual reclamar,

 

A comida, a qual ele sabia de antemão sobre sua falta de técnica:

Era rejeitada; as flores sobre a mesa - esmoreciam, não conseguia contentar,

Os costumes que ela detinha eram renunciados, nada servia ou o agradava,

Os bilhetes deixados pelos cantos, as cartas metradas de outrora não convinham,

O beijo que antes selava o eu te amo de ambos, agora tinha gosto de ódio,

Algo explodia dentro dela de forma incontrolável: o gosto amargo do fracasso,

 

Havia falta de muitas coisas pelos poucos cômodos da casa,

Principalmente do amor que os uniu em promessa de casamento,

O que os mantinha unidos já não era mais sentimento, mas sim um pranto,

Silencioso, que embebia cada frase pronunciada por ambos,

Ela tentava a todo custo sustentar o amor falso para os vizinhos,

Ele negava-se a qualquer ideia que proviesse dela, com uma espécie de desprezo,

 

Os conselhos eram deixados de lado, os beijos ficavam escassos,

Os abraços repudiavam o suor de seus rostos, a distância tomava forma,

E os afastava, as ideias não combinavam, as piadas não soavam de bom tom,

Havia um vazio crescente dentro dela, ela o saciava através da pouca comida,

Recusava ver sua imagem refletida ante a ausência de um espelho a altura,

Ante ao medo do que pudesse encontrar, engordava, se rejeitava,

 

A certidão de casamento em que uniram seus nomes, os ratos roeram,

A mesma em que, através de um ato de fúria ela havia rasgado,

Aquele gesto ele sentiu, ela pode ver as lágrimas brotarem em seu olhar,

O restante do papel os ratos roeram formando o retrato de um coração,

Bastante romântico e insatisfeito para ambos, será que sentiam sua emoção?

No dia em que conseguiu encarar seu próprio reflexo, ela se assustara,

 

O espelho era pequeno, quebrado, a refletia em partes e todas eram repulsivas,

Ela dera um soco contra a parede, machucara alguns dedos,

Mas sua alma sangrava, havia arrependimento e algo mais presente entre eles,

Ela tentava buscar o homem por quem havia se apaixonado, mas ele estava em falta,

Poderia estar na casa da sogra, na mesa de baralho ou em qualquer outro lugar,

Distante demais dela, ele estaria a evita-la ou evitava encarar a decisão errônea?

Ou, então, sua necessidade por contato era demasiada? Ela ficava reclusa,

 

Embora sentisse falta de carinho, de gestos que a deixassem satisfeita,

Preferia ficar recolhida, rejeitava qualquer forma de contato, se apegava ao animal,

As palavras vazias já não preenchiam os espaços e o vazio dentro dela crescia,

Não conseguia pronunciar mais o eu te amo olhando em seus olhos – o abraço se afrouxava,

 

Quando finalmente conseguia dormir, pesadelos a envolviam,

Acordava assustada como se estivesse sendo esmagada por algo estranho,

Encontrava a perna dele sobreposta a sua, amortecendo-a, contendo-a?

O espaço da cama que ela adorava agora estava reduzido,

 

Ele continuava dormindo, desatento enquanto o seu redor desabava,

Mesmo quando as tempestades vinham em fúria contra a casa,

Mesmo quando tudo ao redor rompia e gritava alto demais para se calar,

Ele permanecia adormecido em seu berço, desatento a tudo, avesso a ela,

As árvores ao redor se partiam, galhos quebravam e vinham contra a janela,

Ainda assim ele não via, nada afastava seu sono, nem mesmo o medo dela,

 

Seus hábitos estavam sendo impedidos, um braço se jogava ao redor dela,

Aquilo a feria, o travesseiro que gostava de abraçar tinha outro dono,

O calor dele vinha contra ela e sufocava, por vezes, ele roncava, ela se afligia,

Quando discutiam ele não conseguia manter as ideias fixas,

Partiam para os gritos ela encerrava aos prantos, o cachorro sofria os solavancos,

Em busca de feri-la ele feria o animal, ela esmorecia e o atacava - incontida,

 

Entre gritos, prantos e latidos, nada mais ficava no lugar naquela casa,

Ela jogada no assoalho encerado, ele quebrando os móveis ainda a serem pagos,

Cada vez que ele chegava bêbado, o cachorrinho se escondia pelos cantos,

Ela se armava e o recebia com sua cautela medida, reconhecido jeito compreensivo,

Tentava convence-lo sobre se dedicar a família, sobre tentar uma vida melhor,

 

Ele caia na cama abrandado, deitava e dormia, acordava para jantar,

Havia um descuido da parte dele, haviam sonhos na cabeça dela,

Depois de tanto descaso, tantas brigas insatisfeitas, convencera-o a ir embora,

Voltar para a casa dos pais não lhes daria as oportunidades de que precisavam,

Morar sozinha visava um padrão de vida que ela não possuía,

Suas amigas, com quem poderia dividir aluguel, haviam se dedicado a outras vidas,

 

As quais, ela se recusara a vida inteira, poderia pagar pensão na casa de parentes,

Tendo o dinheiro que lhe cobrariam, ela sabia: não seria aceita,

Sem alternativa em que se agarrar, juntou as malas o cachorro, o marido e partira,

Conseguira depois de muitas custas um emprego simples,

Após sangue, suor e lágrimas, alcançou a tão sonhada faculdade,

 

Neste ínterim, há muito tempo o sonho do casal havia se desfeito,

Ele passava a maior parte do tempo no trabalho e ela se dedicava aos estudos,

Certo dia, insatisfeita com a vida que levavam, que pouco havia se modificado,

Ela olhou para ele com o carinho alcançado durante os anos de convivência,

 

Então, o convenceu do contrário, juntar as roupas, entrar no seu carro e ir embora,

Queria que ele fosse feliz, estava certa de que não seria ao seu lado,

Agora sozinha, ela pagaria as contas que tinha em seu nome, buscaria suas conquistas,

Buscaria oportunidades diferentes em que pudesse ser feliz em seus sonhos,

 

Os beijos entre eles haviam acabado a tanto tempo, os abraços eram dados a distância,

O diálogo havia se diferido, algo que pudesse se chamar amizade os mantinha unidos...

Mas era insuficiente para aplacar seus vazios que os consumia por dentro,

Ambos feriam e eram feridos, avessos a todas as promessas que um dia acreditaram,

Solidão a dois tinha um nome, reconhecido e palpável a separá-los,

Se um dia haviam sonhado juntos, hoje recusavam até mesmo isso.


 

Torrentes de Água

Choveu por toda parte, A chuva embaçou o para-brisa, Deixou cega a toda vista, E retirou-a de seus devaneios, Assim que lama...