sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Comida aos Corvos

O lírio nasce verde
Feito os demais
Que crescem selvagemente,
Contudo,
Ele se destaca
Com sua flor grande e branca.

Cálida e inocente,
Mal soube a moça
Que nasceu ingênua
Por entre outras,
Que encontraria
Terrível fim.

Apaixonou-se,
O pai recusou dar permissão
Ao romance,
A mãe se fez intransigente,
Ela recusou todo argumento,
Fugiu noite a dentro.

Pegou rumo distante,
Abraçada a cintura
Daquele que lhe fez tantas promessas
Mas que em cidade desconhecida
Não tardou a falhar,
Não cumprir com o que dizia,
Negar um futuro a garota.

Pois bem,
Ele não se protegeu,
Ela engravidou
Emocionada com o romance,
Ele desgostou,
Afirmou que a hora era errada,
Saiu do quarto,
Foi até a cozinha,

Pegou uma faca na gaveta,
Esquentou-a no fogo do fogão a gás,
Retornou até a moça,
Escondeu-se atrás da cortina amarela,
Puxou seus cabelos,
Aproximou seu rosto do dela,
E cravou a faca em sua barriga
Grande e saliente
Por causa do bebê,

Ambos sangraram sobre a cama,
Até a morte,
Daquele que nem vem se formou,
E daquele lindo lírio
Amado e bem-cuidado
Que escapou do amparo da família,
Foi para distante
E morreu lá.

Os pais nunca tiveram
Notícias da filha,
Nem ao menos
Quando um corvo
Revoou sobre a casa deles,
Como se fosse guiado
Por cheiro ou algo similar.
A moça apodreceu numa vala,
Nem próximo de onde
Foi esfaqueada,
Os abutres serviram-se de sua carne.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Céu azul

Em questão de pouco tempo,
Ele deixou mais um de seus presentes
Sobre a cama de lençóis vermelhos,
Travesseiros compridos e macios,
Colcha também vermelha
Docemente estendida com uma
Das pontas dobradas,
A convite.

- Olá. Querida, por quê você não usa
Este lindo vestido que lhe presenteio?
Ela se vira da janela,
Veste branco transparente,
Rendas e bordados infantis.
- como posso manchar
Com minha dor
Presentes tão lindos?
Não me sinta apta.

Ela respondeu
Dando passadas longas
E barulhentas até o embrulho,
Já sabia de que se tratava:
Roupas e roupas.

Não entendia o motivo
De recebê-las.
Pegou o embrulho com uma mão,
Puxou o laço com a outra
Retirou o vestido estilo verão
Quase outono,
Deixou cair o hidratante corporal
No chão
E rolar até próximo aos pés dele.

- você mantém-me
Tão as escondidas
Que não me sinto sua,
Nem o vejo meu.

Ela soltou-se sobre a cama,
Retirou algumas fitas da roupa,
E deixou-se sobre a colcha.
- faz tanto tempo que este quarto
Te guarda
Que já a vejo como parte dele,
Sempre que a procuro
Você está aqui.

Já nem a imagino em outro canto.
Ele diz, imóvel.
Seguro e alto.
Impassível vestindo vermelho e dourado.

- se eu estiver em qualquer lugar
Você não me encontraria,
Me procura para a cama,
Em público não me vê,
Se estou a cuidar do jardim
Já não me encontra.

Precisa de bilhete?
Convite?
Ela ergue sua delicada mão
E abre seu zíper,
Apalpa sua calça.
- que droga.
Sinto sua falta.
Mas você é tão esquivo e ocupado.

Ele retira os sapatos prata,
Sem abaixar-se.
Olha as meias douradas,
Depois senta-se no colo dele,
De leve.

Toca seu rosto e sorri.
- pois é, eu trabalho muito.
Ela chora,
Empapa o rosto,
Ensopa a roupa.

- não. Você tem muitos amigos.
Muita cerimônia.
Ele sai do colo dela.
E puxa sua cabeça para ele
E lhe faz carinhos.

Lá fora o sol marca três horas
De calor intenso,
E poucas nuvens
No céu azul e translúcido.

Velas

Torrentes de chuva,
Ventos tempestuosos,
Enxurradas fortes,
De levar tudo pela frente,
Passou pelo cemitério da cidade,
Arrancou jazigos,
Abriu caixões,
Desmoronou a frente do lugar
E levou caixões e ossos com ela.

A estrada da rua principal
Ficou interditada de terra e cheiro podre,
A cidade ficou embaixo da água,
Eu mesmo passei por lá
E vi coisa nunca vista.

Ao pisar naquelas ruas
Querendo deixar o lugar
Cruzei por uma cabeça
De cabelos encaracolados
E olhos fechados,
Com pouco ou nada de lábios,
Ela estava aberta,
De repente achegou-se aos meus pés
E fechou-se,
Tinha dentes e ficou presa
No meu chinelo.

Eu dei duas batidas contra a água suja,
Não ousei tirar o pé fora da água,
Depois a escoiceei para longe.

Agora estou aqui,
Cabisbaixo sentado nesta pedra
Que separa a rua principal
Do cemitério
A espera de algum corpo sem cabeça,
Queria saber a quem acendo velas
E a quem digo:
“me esqueça”.

Amigo Idiota

Ele chegou ao quarto de dormir,
Juntou o retrato de forma possessiva,
Trouxe para perto de si,
Passou os dedos como se a tocasse,
Parecia sentir,
Beijar-lhe a boca.

O amigo vira a cara,
Tem vontade de tomar a fotografia
Parti-la em mil partes,
Se arrepende amargamente
Do dia em que pousou para ela,
Abraçado a doce mulher
Que por pouco tempo foi sua,
E parecia não sair de sua mente
Nem que mil anos passassem.

Nisto o retrato caiu no chão,
A moldura rasgou-se,
A moldura que ela fez com suas próprias mãos,
Num momento de euforia e arte,
Ela recortou suas vestes
Que vestiu naquele dia,
Fez a moldura e o presenteou
Para lembrança,
Do amor que viveu intenso
Mas que nada mais resta.

Então, ele olhou nos olhos
Do amigo a quem sempre
Confiou toda admiração e carinho,
E sentiu ódio
Do brilho no olhar
Que viu nos olhos dele,
Sentiu vontade de esbofeteá-lo
Na face.

Esmurra-lo para fora de seu quarto.
Com isto,
Se agachou e pegou o retrato,
Jogou na cômoda
Em que estava
Como se nunca tivesse
Contido nele algum sentimento.

Saiu do quarto de dormir,
Foi para o de se vestir,
Remexeu suas roupas,
Jogou muitas no chão,
E entrou no quarto
De recebê-la.

Pensou em seu rosto,
No cheiro que ainda estava na cama,
Quase a via ali com ele,
Fechou a porta com força,
Recostou-se nela,
Com um ímpeto de coragem
Saiu dali,
Voltou para onde o amigo estava:
- então, amigo. Saia daqui.

Você se aproveitou de tudo que senti,
Nem bem ela foi embora,
E você a quer para si.
Você não presta!

Ele falou para o outro,
O retirou do cômodo
Com o afeto que sempre teve,
Dando-lhe tapas no ombro,
Então, virou-se:

- prensando bem,
Saia da minha vida.
Com isto, abriu a porta da casa,
E o pôs na rua.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Céus Mais Escuros

-Paw.
A janela de madeira
Bate com força exorbitante
Contra a casa
Também de madeira,
Ambas sem pintura,
Nem sujeira.

A garota acorda assustada
No sofá da sala,
Levanta aumenta o volume
Da televisão,
Outro estrondo assusta,
Desta vez,
Todas as janelas da frente da casa
Batem sem parar,
Ela pára de trocar o canal
Da televisão,
É lá fora,
Tem certeza disto.

Um vento sem presságios
Avança sobre ela,
E quase a impede de chegar a janela,
Outro barulho avassalador,
Telhas caem do teto,
Estilhaçam-se na terra
O pó levanta-se e se agita no alto.

Um escuro atormentador
Não permite ver distante,
Usando toda sua força,
A garota puxa a janela
E tramela de uma a uma.

Lá fora,
Seu pai corre com o machado
Benzer a tormenta,
Para separar os céus,
Para que as nuvens tornem-se
Menos densas:
- Santa Clara se levanta
Pra benzer está tormenta
Com cálice e água benta.

Ele diz fazendo movimentos 
Contra o céu escuro,
Em três sinais da cruz.

De pronto os céus se abrem,
O escuro profundo dá lugar ao cinza,
O machado de cabo de madeira
Racha o tronco de madeira,
Enquanto o pai faz o sinal da cruz
No próprio peito.

A chuva rompe as nuvens e cai sobre a terra,
Cessa os ventos,
Cessam os raios.

A menina pega o cobertor
E continua no sofá,
Mantém a televisão ligada,
Ela está segura.

Dias Tempestuosos

O obscuro a aproximar-se no horizonte,
Traz única certeza,
Fechar portas e janelas,
Puxar travas e o que for necessário,
Uma tempestade surge.

Vem com ventos
Que cantam sobre as árvores,
Quebram seus troncos,
Arrancam até raízes,
Deixam única certeza,
Estás tão densas e fortes
Serão encontradas
Logo depois disto,

Contudo,
Muitas outras mais frágeis,
Seus galhos e folhas,
Não serão mais vistos
E se encontrados
Não poderão ser reconhecidos.

A ameaça chega através dos ares,
Cheira umidade e medo,
Beija as folhas com doçura,
Rompe seus galhos
Sem dizer mais nada.

Um beijo
E um desligamento.
As folhas voam pelo ar
Numa intenção de transmitir confiança,
A árvore que chega logo atrás
Não entende desta forma,
Nem se demora.

Sua chuva enternece ao toque,
Seu cubo de gelo
Não esfria antes de achegar-se,
Apenas se joga sem limites
Atinge o alvo
E faz seu estrago.

As pessoas correm com as mãos
Sobre suas cabeças,
Todas querem se proteger,
O sol fica distante,
A escuridão não auxilia em nada,

E os estrondos
Só não são mais perversos
Que seus raios
Que atiram-se lá do alto
E cortam ao meio.
Marcha o temporal violento
Feito uma multidão de demônios,

Todos crêem que seus monstros
Estão a solta,
Quando o dia se torna noite,
Não é apenas um assassino cruel
Que se refugia em seus escombros
Pra atacar sem deixar pistas.

Voam com o vento os telhados,
Perdem-se nas enchentes carros,
Nestes dias tempestuosos
Nenhum ser humano está a salvo.

Adormecer

Assim como um pai
Nunca sossega a cabeça
No travesseiro
Sem antes dar
Uma última olhada no filho,
Puxar o cobertor,
Verificar vestígios de febre,
E sintomas de gripe nele.

O sol
Neste dia se foi tranquilo.

Durante o dia,
Ele manteve-se inerte,
Evitou ressecar as folhas
Da Camélia do Dona Antônia,
Desistiu de secar as últimas flores
Do ipê roxo florido
Da Dona Agenir.

Permaneceu o dia todo
Escondido por entre nuvens esparsas
De um céu cinza amarelado.

E quando encerrava seu destino,
Ficou parcialmente encoberto
Por entre uma densa camada
De nuvens cinza claro,
De lá ele espiava por entre frestas,

Feito um pai
Que se preocupa com o filho,
E saiu e voltou diversas vezes
Desta camada de céu nublado,
Como se estivesse
Se escondendo sobre os cobertores
Deste filho,
E de lá de cima cuidasse seu belo rosto.

Em seguida,
Numa espiadela
Ele dá sua última olhada,
Rapidamente apaga a luz,
O céu vai do cinza claro
Para tons escuros,
E some lá em cima.

Ali embaixo,
O filho dorme aquecido
E seguro.
No quarto ao lado
Descansa o pai adormecido.

A Hora

Anunciaram os djins, - aproxima-se a Hora. O povo daquelas areias Sobre o mar azul e limpo Estremeceu. Aguardaram uns de Al...