quarta-feira, 23 de julho de 2025

O Último Adeus

No porão,
Seu antigo quarto,
Depois de tanto esforço
Para remover nossa mãe
Que não para de chorar
Dopada em remédios
Para poder fechar os olhos
Eu não tento retirar a camiseta
Velha de Ty de suas mãos.
Ela me odiaria
Se os remédios permitissem
Talvez, me esbofeteasse
Se o luto lhe desse está força,
Contudo, ela usou todo
O seu esforço em suas lágrimas.
Trancou-se no quarto dele,
Agora dorme em sua cama,
Vasculha suas coisas
Em busca de lembranças
E de vida,
Vestígios de uma vida
Que um dia brilhou em seu olhar
E que hoje dá esperança
De vida para aquela
Que não aprendeu a perder
Seu próprio filho.
Eu sofro com isso,
Com a ideia de despedir-me,
Padeço ao ver nossa mãe
Se esvair feito lágrimas
Que dão cansaço e aliviam dor,
Mas que borram a visão
Para um futuro bom,
Um futuro em que ela possa superar,
Nos perdoar,
E talvez sorrir.
Quando Ty se foi
Imagino que ele tenha confiado
Em minha força,
Que ao ir embora,
Para sempre sem dizer adeus,
Ele imaginou que eu superaria
E ofereceria alicerce
Para nossa mãe resistir,
Afinal, um irmão não vai antes
Se não imaginar que está
Tudo bem,
Nem deixa para trás
O que não deixaria por ninguém.
O amor por ele próprio
Foi mais forte,
Ele estava com dor,
Não soube dividir
Nem pedir concelho para aliviar,
E foi deixando um bilhete
No espelho da penteadeira
Do quarto que dizia:
“Desculpa, mãe, eu estava
Muito vazio”.
Nosso pai consegue
Sair em casa manhã
Para ir trabalhar
E trazer sustento financeiro
Para a família,
Eu sigo para as aulas,
No retorno troquei as aulas
De vôlei por sessões
Com o psiquiatra e
Ganhei doses extras de remédios.
Minha nota piorou,
A concentração na temática
Não está boa,
A saudade aperta,
E eu, as vezes, gostaria
De ver seu quarto vazio
E poder me encontrar
Com ele,
Reimaginar nossas histórias,
Reviver as lembranças.
Outro dia,
O perfume dele
Perambulou pelo corredor
Da casa forte demais,
Vivo pode-se dizer,
Quando olhei na soleira da porta
O vi em pé parado
De chaves em mãos
Com aquele sorriso
De quem me levaria
Para qualquer lugar.
De início abri meus braços
E fui em sua direção
Para irmos para onde o vento
Bate contra os cabelos,
E a liberdade pega sua mão,
Foi então, que lembrei
Que ele foi capaz de dar
Um tiro contra sua própria cabeça
E que agora ele estava morto,
Então, parei no meio
Do caminho
E joguei meu celular
Contra ele,
Antes de toca-lo
Ele sumiu
Como uma fumaça.
Como um poça de lágrimas
Que lentamente secam
E vão para distante,
As minhas vão para longe,
Elas são diferentes das
De nossa mãe
Que nunca cessou de chorar,
Mesmo com os meses,
E penso que com os anos
Não irão secar.
O psiquiatra me indicou
A escrita para expor a dor,
Para me auxiliar a libertar
Os medos e traumas,
Nós optamos com continuar
Na mesma casa,
As coisas dele estão todas
No mesmo lugar,
Nós não fingimos não espera-lo.
Ele tinha dezenove anos.
Parece tão pouco tempo
Quando se imagina
Que viver é amar, casar e ter filhos,
Fazer de nossos pais avós,
Expor o branco dos nossos
Cabelos ao nos tornar tia.
As vezes, eu sinto tanto medo
Que eu me vejo querendo
Adiantar o tempo,
Fazê-lo correr mais rápido,
Talvez, eu possa ver o Ty
Muito antes,
Eu sinto vontade de vê-lo,
Também, de abraça-lo.
Nestes instantes,
Eu me vejo a olhar
Para um certo rapaz
Lá no colégio e me apaixonar,
Imagino um futuro com ele,
Me vejo falar de amor,
Pegar em sua mão,
Mas, então, busco a aprovação
De Ty e ele não está,
Não está rindo do meu beijo
Desajeitado,
Não ri das roupas engraçadas
Do garoto,
Nem o reprova de longe
Com o olhar para me fazer
Eu me afastar,
Mas, eu me afasto antes,
Antes de tudo isto.
Tentar enganar o tempo
Não faz retroceder,
Lá onde Ty está,
Eu não posso ir,
E ninguém pode.
Foi o adeus.
Um singelo e definitivo adeus.
Eu acaricio o bilhete
De adeus que ele nos deixou,
Contorno cada palavra,
A forma como escreveu
E busco uma motivação,
Busco suas roupas,
Os cheiros,
Os troféus, as coisas de que gostava,
Busco o que houve de errado.
Isto me desespera,
Ontem a noite me vi
Esquecer o horário noturno,
Abrir a porta do porão
E correr para a rua escura,
Saí em disparada rumo
A lugar nenhum,
Eu queria o abraço
Do meu irmão,
Eu corri muito
Aí lembrei da praça
Onde ele gostava de ir comigo,
E fui até lá.
Lá nós andamos de moto,
Fizemos zerinho na calçada,
Queimamos pneu
Para escrever no chão,
Pulamos os quebra molas,
Nos sentamos recostados
No tronco da árvore
Onde tiramos fotografias
E tomamos chimarrão
De hortelã com cidreira.
Sentei no mesmo tronco,
Disfarcei a dor
Abraçando-o e imaginando
Ele quente e com vida pulsante,
Beijei seus face
E peguei uma pedra na terra
E risquei Ty sinto sua falta
Meu irmão,
No escuro,
Havia uma meia luz
De lamparina próxima a
Onde eu estava,
Mas meu coração soube
Eu risquei bem certinho
Só eu sabia da saudade,
Só eu sei da falta que ele faz,
Depois, forcei um sorriso
No rosto e voltei caminhando
A passos lentos para casa,
Contei as inúmeras vezes
Que andei de carona
Em sua moto ali
Naquele chão,
Cheguei em casa
E vi que deixei a porta aberta,
Mas, tudo estava no lugar,
Ao menos me pareceu,
Até o capacete negro dele
Estava ao lado do meu vermelho.
Quando fechei a porta
E imaginei que alguém
Poderia ter mexido
Em qualquer coisa sequer
E retirado do lugar,
Ou levado embora,
Eu apertei meus braços
Contra meu peito,
E o vi caído,
Na data em que ele sofreu
Um acidente de moto
E ficou seriamente ferido
Eu senti a dor da morte,
Contudo, agora ela irá permanecer.
Eu tenho a foto do acidente,
Ele todo cortado,
Vermelho em sangue,
Uma irmã não deseja a dor
De seu próprio irmão,
Ele caiu duas vezes,
Foi parar no hospital,
Nós corremos buscá-lo,
Ninguém queria ficar longe dele,
Contudo, hoje está fora
Do alcance,
Distante do querer,
Ele descansa no cemitério,
Dorme numa lápide,
Se perde no tempo,
Não podemos remover
Ele de lá,
Está frio
O calor que nos uniu,
A pulsação cedeu ao buraco
Do tiro,
Se perdeu neste tão vazio,
Apenas deste vazio
Eu entendi,
A força,
Eu entendi,
Do outro que o levou
A fazer isto eu não entendi
Nem um pouco,
De que buraco falou?
Se era tão importante
Por quê não conversou?
Nós juramos fidelidade
Na família,
Confiança um no outro,
Agora tudo de que confiamos
É a identificação do psiquiatra
E o remédio de que fazemos uso
E seus efeitos.
O buraco que Ty sentiu
Nos afundou,
Levou a ele,
E aquele que o levou
Nos consumiu...
Bom, eu odeio armas,
Dispenso tiros,
Só espero que mamãe 
E papai não se afundem.

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