sábado, 10 de maio de 2025

O Mulato- Desejo de Pele

Ana Rosa
Mais se comunicava a Raimundo,
Certo dia,
De tanto pensar
Perdeu o sono,
No nascer da manhã,
Recusou-se a acordar,
Fez cisma de pensar
Em seu rosto,
Desenhou com o dedo
Traços imaginários no teto,
Lá em seus rabiscos,
Imaginou seu rosto,
Ousou beija-lo,
No teor de oito anos,
Foi a primeira boca
Que desejou em ardência,
Sentiu o corpo febril,
Cruzou os dedos sobre
A camisa de dormir,
Acariciou-se.
De seu quarto pode ouvir
A voz dele
Proveniente da cozinha,
Ele tomava o café,
Ela abraçou o travesseiro,
Chorou de afeto,
Desejou-o perto.
Pediu perdão a Deus,
Mas não o via sob o véu
De parentesco,
Preso em seus mistérios,
O queria para mais perto,
Desejava-o para esposo.
Entristecida tardou,
Mas levantou,
Chegou a cozinha,
Sem fome,
Pôs-se a chorar
Com o rosto recostado
Sobre a janela.
Da varanda,
Raimundo a viu triste,
Achou-a linda,
Pegou papel e lápis,
Desenhou-a.
Ao término,
Ela moveu-se
A custo por parar de olha-lo.
Caminhou até ele,
Soube de seu passatempo
Com desenhos realísticos,
Folheou seu álbum,
Chegou a uma foto de mulher,
Uma parasiense pintada por ele,
Não controlou o ânimo,
Separou a foto no próprio colo,
Em cerimônia riscou
O rosto da moça com a unha,
Não preocupou-se com o que fazia.
Cuidou os passeios de Raimundo,
Entrou em seu quarto,
Vasculhou suas coisas,
Deixou marcas de sua estada,
O quis para si,
Desde o instante em que
Encontrou seu retrato,
E o pousou sobre o busto,
Sobre o rosto,
Sobre os lábios,
E correu a foto por seu corpo,
Sem medo
De imagina-lo dentro de sua vagina,
Teve a audácia
De levá-lo a toca-la.
Deixou suas secreções
Sobre a cama dele,
Juntou sua cueca,
Sentiu seu cheiro
Profundo dentro de seu peito,
Então, separou dois de seus dedos,
Penetrou suas partes íntimas,
Acariciou-se com ela,
Sentindo o tecido,
O cheiro percorre-la,
Trêmula,
Ansiosa por deseja-lo.
Noite feita,
Sem poder dormir,
Luzes apagadas
Foi até ele
Sem fingir,
Abriu a porta com uma pena,
Destravou a tramela,
Entrou,
Acariciou-se ao seu lado,
Deslizou seus dedos
Por seu corpo,
Tocou seu pênis viril,
Bebeu de seu orgasmo cada gota,
Tocou-o em seu primeiro desenlace,
Subiu a cama,
Deitou sobre ele,
Fez sexo sedenta e vigorosa,
Amou-o em febril vontade.
Na manhã seguinte acordou
Mais vigorosa.
Soube que a casa dos pretos
Foi aberta durante a noite,
Cinco pretos fugiram,
Agora Manuel os buscava
Com chicotes em mãos,
Cachorros na estrada.
Ele juntou as mãos na varanda
Em prece,
Rezou pelas vidas dos negros,
Se apiedou em tamanha misericórdia,
“ São pessoas, meu Deus,
Pessoas”.
Ana Rosa,
Vendo-o triste,
Aproximou-se deslizando
O corpo por sua pele,
Então, pegou na mão dele,
E se juntou em sua prece.
Raimundo,
Assustou-se de sua ousadia,
Não pode crer,
Prima sua?
Esperou Manuel retornar,
Ele voltou
Com os cinco pretos amarrados,
Pouco sangue sobre suas vestes,
Jogou-os para sua casa.
Lá fora,
Sentado sobre a terra,
Irritado com tudo que passou,
Soube que Raimundo
Queria mudar-se,
Contestou a ideia,
O queria perto,
Ao menos até ver a fazenda,
Vende-la
E ter onde deixa-lo seguro.
No entanto,
Veio as ameaças da filha
De quere-lo,
Em frente a sobra Dona Bárbara,
Que se retesou em sua ira,
O preferiu no tronco,
Por ser o negro que não deixaria de ser,
Pobre e com ideias revolucionárias,
Negro de sorte,
Imundo como a combinar-lhe o nome.
Manuel engoliu
O entrave,
Chamou o Dias,
Marcou o casamento
Para o próximo mês,
Ana Rosa resignou-se,
Alegou preferir a morte.
Esmoreceu de dor,
Fugiu para seu quarto,
As escondidas,
Em busca de ser amor,
Entre choros e compassos
De prazer retirados em segredo.
Quem é indagou ele.
Aquela que o ama.
Disse apenas.
Não falou seu nome.
Não foi forte o bastante
Para lhes negar amor.
O quis ardentemente
E não apenas por uma noite,
O quis a percorrer sua pele,
Sentir seus dedos sensíveis
E frágeis tocarem-na
Com seu calor,
Feito um fogo a incendiá-la.
Quis ver todo o seu desejo
Ser consumido até restar
Só o pó
De todo o suor
Que se dispunha a perder,
Quis ver os lençóis molhados
Derretida em prazer,
Quis sentir seu cheiro,
Abrasar-se sobre sua pele,
Até o amanhecer.
Quis tocar-lhe o rosto,
Privar de seu prazer
Até ter dele um filho,
O quis em matrimônio,
E não aceitaria outro,
Fosse em um mês,
Ou em cruel dezembro.

O Mulato- doutor preto

Viúva do tenente espigão,
Dona Maria odiava a vadiagem,
Dizia ela que os negros estavam
Descarados devido ao pouco
Serviço que o progresso proporcionava,
Já não haviam tantos cativeiros,
É por isso que agora
Clamava-se pelo chicote,
Só o chicote iria pô-los
Em seus lugares devidos,
Chicote é tudo de que precisam,
Tivesse ela muitos,
Pelas bençãos de Deus,
De um a um os usaria
Até arrancar sangue de seus lombos.
Dona Maria, tia de duas moças
Foi a Manuel visitar Ana Rosa,
Quando deparou-se com a figura
De Raimundo:
- pra, veja como se porta,
Parece esquecer suas origens,
Eu mesma vi inúmeras vezes
Domingas, a sua mãe, sendo
Chicoteada.
Disse a tia as sobrinhas.
- não cheguem perto.
Proibiu-as.
Nisto Manuelzinho entra na sala,
E vai até Raimundo,
Nos fundos quando se refere
Ao povo:
-malditas negras,
Escondem-se atrás das brancas
Das casas para lhes passar piolhos
E quais pestes possam.
Afianço, caro doutor,
Se conservo negros a meu serviço,
É por não dispor de outro remédio.
Foi Ana Rosa quem menos
Aprovou o jeito comedido
E distanciado de Raimundo,
Ela era acostumada
A ser o centro das atenções,
Receber elogios de toda a espécie,
Sentiu-se retraída com relação a ele.
Ao final da visita,
Noite a vista,
Raimundo graciosamente
Indagou se a tia Maria
E suas duas sobrinhas
Precisavam de algum criado
Para lhes acompanhar pelo caminho,
Elas aceitaram,
Ele próprio foi.
Ao retornar,
Retirou-se para o quarto,
Abriu um livro
E caiu no sono
Com um charuto aceso
Ao seu lado,
O livro sobre o peito,
Mas não distante,
Alguém velava por ele.

O Mulato- negro

Raimundo, chegou ao Brasil
Nos seus vinte e seus anos,
Tinha cabelos negros enrolados,
Olhos azuis, tez morena e amulatada,
Negros bigodes,
Estatura alta,
Olhos escuros,
Nariz reto e fronte espaçosa.
José da Silva, seu pai,
Iniciou no Brasil
Como contrabandeador de negros da África,
O povo mulato da terra brasileira
Não o viu com bons olhos,
Até que certo dia,
Levantou-se contra ele a escravatura,
Que teriam levado ele a morte,
Não fosse uma das escravas mais moças,
Denominada Domingas,
Preveni-lo a tempo.
O contrabandista arranjou-se
Com a escrava que lhe restou
Para terras mais distantes,
Apossou -se de uma fazenda
Passou a cultivar café, arroz,
Tabaco e algodão,
Vender e buscar escravos
Deixou de ser profissão.
Depois de muitos abortos,
Domingas lhe trouxe um negrinho,
Filho,
No ato de batismo,
Ela recebeu sua carta de alforria.
Chamaram ao filho, Raimundo.
O escravo fazendeiro.
José, contudo, encontrou esposa branca,
Quitéria, de boa origem,
Bons costumes,
Bem educada,
A escrava alforriada não lhe bastou,
Casou-se com Quitéria.
Mulher rica,
Para a qual o fato de ser negro
Lhe destituía de ser considerado
Pessoa,
Um escravo nunca lhe seria homem,
Sua origem sanguínea lhe era um crime.
Por suas mãos,
De sua ordem,
Escravos sucumbiram ao relho,
Açoitados até sangrar,
Levados ao tronco,
Sob sol e escuro,
Passaram fome e sede
E foram submetidos a ferro em brasa.
Devota a Deus,
Por meio de seus negrinhos,
Construiu tudo que tinha,
A casa grande de pedras,
A capela onde rezava todas as noites,
Entregava seus pecados,
Com as mãos inchadas
Pelo cansaço e as costas talhadas
Pelo chicote,
Ela punha seus negros
De joelhos a entoar orações
Aos seus santos.
Ao lado da capela
Fez um cemitério com suas vítimas:
- seu negreiro!
Você pensa que irei aturar
Seus filhos negros?
O despache desta terra
Ou eu o farei e será para junto da capela!
Gritou a José, seu esposo.
José, destroçado,
Conhecedor dos atos de Quitéria,
Correu a vila buscar socorro ao filho,
Ao retornar deparou-se
Com o seguinte:
Estendida por terra,
Com os pés no tronco,
Cabeça raspada,
Mãos amarradas para trás,
Estava Domingas,
Nua,
Com suas partes genitais
Queimadas por ferro em brasa.
Ao lado, estava Raimundo,
Aos seus três anos chorando,
Aos gritos,
Ele tentava abraçar a mãe
E era repelido por dois negros
Através de seu chicote,
Quitéria, descontrolada
Pelo ódio bradava toda sua cólera
Contra a negra e o negrinho.
José, jogou-se contra Quitéria,
A fez cair,
Quanto a Domingas e a Raimundo
Ordenou que lhes levassem
A casa dos brancos
E lhe dessem cuidados.
Quitéria, ordenada pelo padre Marcelo,
Correu para as graças de sua família,
José, atordoado pelo medo
Entregou o filho aos cuidados
De Manuel, seu irmão.
Retornando para casa
Na mesma noite,
Encontrou Quitéria,
Já em casa,
Fazendo sexo no quarto
Com o padre Marcelo,
Num ímpeto de loucura,
José abriu a porta,
Os viu sobre a cama,
Jogou-se contra Quitéria
Pegando muito forte contra
Seu pescoço,
Soltando-a morta.
- matou-a, você é um assassino!
Gritou o padre.
- maldito, e você é menos
Assassino que eu?
Revidou José.
- perante as leis, sou.
Eu sou padre,
Tenho a batina para socorro.
E mostrou as marcas das mãos
De José sobre o pescoço
Do cadáver.
- vamos, lá. Sepulte-a,
Conforme as leis de Deus,
Faça silêncio e eu faço o meu.
Disse o padre,
Batendo no ombro de José.
José pasmo e aturdido
Não soube responder,
Obedeceu
Deu a Quitéria um lugar
Na terra onde enterrou
Seus negros,
Ao lado da capela.
Contudo, o chicote
Separou para sempre
Domingas de seu filho.
Aos três anos deste,
Ana Rosa veio ao mundo,
Fraca,
Parecia morrer a todo instante,
As atenções e promessas
Se aglomeravam em torno dela.
Ao lado dela,
Estava Raimundo
Que já não lembrava da mãe,
 Negra que lhe trouxe nas entranhas.
José passou a ser acometido
Por visões e vozes
No seu redor,
Dentro de sua cabeça,
Nos espaços de seu entorno,
Amedrontado e febril
Fugiu para a casa do irmão,
Deixou a fazenda aos cuidados de
Domingas e três negros.
José não dormiu mais,
Falava sozinho,
Perambulava pelos cômodos,
Restou a ele por intermédio de Manuel,
As orações do padre Marcelo,
Que devido as suas orações,
Salvou Ana Rosa,
E foi escolhido para seu padrinho.
Mas o coração do padre
Ansiava pela morte de José,
O qual em sua primeira melhora,
Retornou a fazenda
Em seus aturdimentos
De falar sozinho,
Se imaginar perseguido,
Viver as escondidas,
Vendo vultos
E ouvindo vozes,
No caminho,
Levou um tiro e morreu.
Seu cavalo chegou a fazenda,
Domingas delirante o encontrou
Coberto de sangue,
Foi atrás de José,
O achou e enterrou ao lado
Da esposa Quitéria.
A fazenda foi abandonada
Por todos,
Exceto os negros,
Domingas enlouqueceu,
Deixou tudo ao abandono,
Dormindo no relento,
Conforme antes,
Não entrou na capela,
Nem cuidou,
Apenas perambulava sem hora certa
As terras do cemitério
Entre um morto e outro
Enrolada num pano.
Na morte de José,
O testamento foi aberto,
Tudo dividiu-se em três,
Manuel, sua esposa e Raimundo.
Raimundo foi para Lisboa
Onde dedicou-se aos estudos.
Raimundo, a princípio,
Escondera-se do mundo,
Chamado de macaquinho
Tinha medo do escuro,
Dormia abraçado ao travesseiro,
Colado na parede,
Sentia medo de tudo.
Raimundo chorou e gritou
Para ser enviado para sua terra.
Recordava-se em noites insones
De dona Bárbara,
Que ao despedir-se de Ana Rosa
Beijava-lhe a mão,
Quando Raimundo lhe oferecia
A mão para o carinho,
Bárbara lhe devolvia
Um tapa sobre a boca.
Tanto foi,
Que na noite de nascimento
De Ana Rosa,
Ela foi descrita
Como proveniente da França.
Ele nunca esqueceu.
Mesmo sendo negro para estar
Em Lisboa.
Ele recordava, um pouco,
De sua negação no Brasil,
Ele nunca compreendeu,
Mas em sua mocidade
Aceitou piamente.
Formou-se, advogado.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

O Mulato- Cabra

Manuel, o viúvo,
Era grande proletário,
Dono de terras,
Cultivava cana de açúcar,
Sobrevivia da venda do açúcar.
Precisava de muita mão de obra.
Pedro, pai de Ana Rosa,
Trabalhava no armazém,
Vendia e armazenava alimentos.
Era comerciante reconhecido.
Manuel recebeu em visitas
O padre da cidade
Que trazia com ele uma carta,
Tiago, trazia a carta de Marcelo,
Filho do irmão falecido de Manuel,
Com uma brasileira, Domingas.
Ele comemorava a formatura
Em direito,
Desistiu de ser padre.
- ele deveria ter preferido o celibato,
Ora, no fim das contas,
Serão superiores os negros
Que as cozinheiras!
Deveriam proibir aos cabras
Certos misteres.
Reclamava o próprio padre.
- devo proibir a visita?
Indaga a Manuel com palavras
Inchadas de ódio,
Esmurrando a carta
Das mãos do padre
Sobre a mesa de ipê.
Não deveria ser oferecido
A estes o estudo,
Deveriam ser burros,
Burros, estes bastardos!
Berrou Manuel.
- Ora, Manuel.
Não imagino o pior,
Ver a própria filha casada
Ou ter ela confessada por
Um negro.
Imagine dona Anica,
Sua sogra,
Beijando a mão de um filho
De Domingas?!
E quando vierem seus netos,
Ou próximos filhos,
Pode imagina-los
Apanhando de palmatória
De um negro mais preto
Que está batina?
Esbofarou o padre.
- pra, nestes termos
Nem quero recebe-lo.
Disse Manuel.
- deve recebe-lo
Na qualidade de bastardo!
Encerrou o padre.
Na casa de Ana Rosa,
Chegava um funcionário da casa,
O pequeno Manoelzinho,
De dentes amarelos,
Roupas esfarrapadas,
E orelhas sujas.
O compadre de seu pai,
Daniel, se irritou com a posição
Inferior da criança,
Que sofria saudades da mãe,
Deixada em outro país,
Baixava a cabeça
E nada mais fazia que obedecer.
Daniel ergueu Manoelzinho
 Pescoço,
O forçou a sorrir,
E quando este sorriu
Daniel o definiu cuspo.
Ana Rosa se apiedou,
Chamou a criança
E lhe cortou as unhas.
-sente saudades
E sua mãe?
Indagou.
O menino chorou silencioso.
As lágrimas escorrendo
Pelo rosto negro.
Dias, o funcionário
Passava pela porta da sala,
E pode ver Manuelzinho
Tendo suas unhas cortadas
Por Ana Rosa,
Nutriu apenas ódio
Por aquelas faces escuras,
Saiu dali e levou vinho
Até a casa de uma mulata gorda,
Cheia de filhos,
Conquistou sua confiança,
Recebeu dela todos os seus ouros
Objetos de valor.
Tudo pelo que sonhava Dias
Era ascensão pessoal,
Enriquecimento,
E em tudo que fazia só tinha isso
Só objetivo.
A raiva ganhou os sentimentos
De Dias,
Que nunca teve quem lhe
Cuidasse das unhas,
Fechado em si mesmo,
Feito um ovo,
Fedia feito ovo podre,
Definiu Ana Rosa
Que ele nunca teve coragem
De comprar uma escova de dentes,
Tamanha economia que fazia.
Retornando da casa da mulata,
Pediu ao patrão, Marcelo,
Para ficar no quarto.
Marcelo preocupado chamou
Um médico.
- o que tinha o rapaz?
Indagou Marcelo ao médico.
- aquilo é mais porcaria
Que outra coisa.
Disse o médico,
Receitou a ele banhos mornos.
Banhos. Precisava de banhos.
Ana Rosa ao término
De cortar as unhas de Manuelzinho,
Receitou a ele banhos
Na torneira do lado de fora da casa.
No teor de seus vinte anos,
Ana Rosa já se entristecia
Em razão da solidão,
O médico solícito,
Lhe indicou banhos frios
E passeios.
A idade chegou
E lhe tomava pelas mãos,
Chegou a hora de casar-se
Precisava escolher o marido.
Tinha pouco em vista,
Dias – o Mulato sujo.
Manuel – o proletário,
Viúvo e odioso em seus modos.

O Mulato

Meados de 1800,
A escravidão corria
As ruas brasileiras,
Tinha lindas formas maranhenses,
Pequenas criaturinhas negras e nuas,
Corriam soltas as calçadas
Feitas de pedras
Por preços vis.
Lá, dos fundos da esquina,
Uma criança loira
Era puxada pelo braço
Para dentro de uma
Das casas grandes,
Feitas em pedras,
Cobertas por azulejos,
Com paredes internas percorridas
Por papel desenhados.
O calor escaldante de verão,
Fazia todos esconderem-se,
Em razão da invasão
Por botijas de água,
Portas e janelas
Precisavam manter-se fechadas,
Nem por isso,
Todas escapavam do arrombamento.
Lindas negras com seios
A mostra e bundas extravagantes,
Percorriam as ruas
Em direção ao rio
Ou chegavam até às carroças
De barris de água
Buscar preço atrativo.
Os pretos eram escolhidos
Para o serviço
Conforme seus atrativos pessoais,
Musculatura, partes íntimas,
Formato de rosto,
Dentes fortes.
Eram mercadorias
De um país em que o valor
Das coisas era medido
Pelo comércio de Portugal.
Ana Rosa, aos quinze
Tornou-se moça,
Contemplou seu corpo
Com ares de ter se tornado mulher,
Tão jovem e atraente,
Com formas tão femininas e ardentes.
Branca, de nascença brasileira,
Buscava no amor
Um jovem de dentes limpos,
Nariz comprido, pele vermelha
De nascença portuguesa.
Via nestes olhos,
Ah, quem dera, azuis,
O seu auge.
O concretismo de seus sonhos.
Aos doze iniciou namoro,
“Coisas de criança”,
Dizia a si mesma,
“coisas de criança”.
Iniciou o namoro com um estudante,
Que partiu em busca
Dos estudos e do qual
Não teve notícias,
Depois namorou um oficial
Da marinha,
Que afundou em navio
De guerra,
Em sua primeira artilharia,
Por fim,
Namorou um rapaz do comércio...
Tudo iniciou tão rápido
Quanto encontrou o fim.
Agora, aos quinze anos,
Moça feita
De formas adultas,
Não encontrava namorados,
Ninguém lhe provinha,
Sonhava o noivado,
Idealizava o matrimônio,
Via seus filhos
Tão nítidos quanto se vê
A luz do dia.
Contudo, ninguém lhe cabia,
A febre por encontrar alguém
Lhe acometida,
Adoecia e lhe levava a beleza,
Lhe vibrava o corpo
Esperar por alguém,
Contudo passaram-se os meses,
E nisto três anos.
Seu pai
Encontrou um jovem branco
Funcionário de seu mercado,
E lhe entregou a casamento,
Ana Rosa recusou-se,
Não se via presa a jovem
Tão fracassado,
Um pobre funcionário,
Sem ares para acessão social.
De tanta espera
Veio o choro,
A tosse a entupir-lhe
As narinas,
E quanto ao amor,
Nada lhe veio.
Manuel Pedro, português
Empregador e mercantilista,
Agora aos cinquenta e tantos,
Era viúvo,
Buscava noiva e companheiro.
Casou-se com moça jovem
De vinte e cinco anos,
A jovem apaixonada por revolucionário
Local que buscava liberdade
De pensamento e religião,
Não foi boa esposa,
Foi capaz de dar a Manuel
Uma filha,
Mais nada.
Logo após a filha morreu.
Poucos anos depois
De ter perdido
Seu único e verdadeiro amor,
Um jovem apelidado Farol,
Que morreu lutando
Contra a escravidão,
Amou Farol sem saber o motivo
De tanto ama-lo,
Em busca de valorizar
As riquezas locais.
Ele tão cedo morreu
Na miséria e foragido da justiça.
Logo após, faleceu ela.
Sobrou a filha,
Manuel trouxe a sogra
Para morar com ele
Dona Bárbara,
Ela trouxe seus escravos,
Tão rígida nos costumes
Que os levava para rezar
Todas as tardes,
De mãos abertas aos céus,
Ou algemados,
Chamava-os cabras ou sujos
Para que compreendessem
Sua superioridade como pessoa,
Vez que ela era branca
De origem portuguesa
E eles simples indígenas brasileiros.
Gente da terra,
Tão desvalorizados quanto
A própria terra de onde provinham,
Menos valorosos que os frutos
Pelos quais lutavam
Para obter de suas plantações.
Restou a Ana Rosa,
Manuel.
Cinquentão, viúvo.
Ela aos dezoito,
Adoentada de amores
Por um homem ideal
Que nunca existiu
Fora de seus sonhos.
Ele pai,
Ela sonhadora em ter família.
Ele ou o funcionário
De seu próprio pai,
Rapaz jovem de dentes podres,
Estatura medíocre,
Descendente nacional.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Perto da Gente

Em um mundo conturbado,
Tudo evolui
E as coisas parecem fugir
Do controle,
Vêm os filhos,
O nosso reino
E nosso mundo.
Neste instante,
Tudo acontece lá fora,
A gente tenta distinguir
O que há,
O que disso importa,
Olhamos para dentro
Ele está aqui.
Simples, seguro,
Com seu rosto mais perfeito,
A esperar por nossos carinhos,
Donos de um império
Sem fim,
Mas tão da gente, enfim.
Bem cuidados,
Protegidos e amados,
O amor é feito destas coisas,
Do que está perto,
Do que está dentro de casa,
Do que está dentro de nós,
Isto é o que tem valia,
O que devemos dar importância,
Entregar nosso tempo,
Porquê o lá de fora,
Tem de entregar
E mais de desperdiçar,
Aqui dentro,
Perto da gente,
Só tem o que é de amar.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Romance no Trabalho

Anísio, empresário famoso
Na área automobilística,
Contratou nova secretaria,
Desta vez, selecionou
Com base em suas prioridades.
Depois de trinta e cinco anos
De casado,
Dois filhos adultos e familiados,
Ele desejou uma moça
Que atendesse a caprichos,
Pessoa jovem
E com virtude para satisfaze-lo,
Tudo simples.
Ora, o ramo automobilístico
Rumou sua estrada para o alto,
E está linha remuneratória
Nunca reduziu.
O salário atenderia aos critérios.
Pôs um único anúncio
Nos jornais locais,
Sem alarde surgiu uma moça
No vigor de seus vinte anos,
Minissaia curta e vermelha,
Discrição entre os lábios,
Salto alto para elevar a estima,
Blusa de decote
Para charmosear seus botões.
Não tardou,
A esposa descobriu a indiscrição,
Mulher criteriosa
E esperançosa na vida matrimonial
Investigou os gastos,
Descobriu viagens caras,
Um prédio em nome da moça,
E um show de rock particular
Negado para a filha.
É certo que a filha,
Pedir um presente
No valor milionário ao pai,
Seria desarrazoado
Em critério normais,
Contudo, ele não pensou
Duas vezes em pagar
O mesmo valor a uma estranha.
Suas varizes começaram a latejar,
As dores lombares clamaram justiça,
Foi até o prédio onde ele trabalhava,
Juntou imagens do circuito
Eletrônico da empresa,
E rumou para a sala dele.
O encontrou sobre a mesa,
Esparramado em seus cabelos brancos,
Com a secretária ajoelhada
Sobre seu saco.
Rindo aos berros,
Gemendo feito um garoto.
Ela não bateu,
Empurrou a porta
Até marcar a parede da sala,
Tirou o salto dos pés,
E bateu com a própria mão
No chão da sala,
Então, o chamou:
-Anísio!
Ele levantou a cabeça
Para o lado dela assustado.
- o que você está fazendo?
Ela gritou,
Aterrorizada.
- Pamela, nossa casamento acabou,
Você não pode me prender...
Ela gritou alto,
Esteticamente.
- acabou?
Só porquê você está rico?
Rico?
Nunca.
Nunca acabará, meu bem!
Então, saiu porta a fora,
Batendo a porta atrás de si.
Anísio, ficou empertigado,
Irritou-se em demasia.
A secretária Maria Clara,
Abriu a bolsa e entregou a ele,
Um remédio...
- única dose,
E ela não irá importuna-lo mais.
Então, subiu sobre a mesa,
Trepou em seu pênis,
Beijou sua boca inúmeras vezes,
Enquanto dizia:
- não deixe ela nos separar,
Meu bem.
Somos felizes,
Eu cuido de você!
Enquanto cavalgava
Sobre o pênis dele,
Ela fechou a bolsa
Preta que estava sobre a mesa
Ao lado de ambos.
- eu não vou perde-la,
Eu não vou perde-la.
Ele disse,
Juntando seu rosto
Entre as mãos,
E a beijando sôfrego
E apaixonado.
Na saída do trabalho,
Passou em uma lanchonete,
Pediu pizza e suco,
O preferido de sua esposa,
Suco de côco com leite condensado,
Misturou o líquido do vidro inteiro.
Chegou em casa,
Deixou o carro na garagem,
Entrou por dentro,
Abriu a porta e chamou-a:
- amor, me perdoe.
Trouxe um lanche
Para a sua noite.
Ela desceu as escadas atônita,
Olhos inchados,
Cabelos em desalinho,
Pés inchados e mancos.
Pegou a pizza,
Bebeu o suco.
Não terminou todo o conteúdo,
Caiu estatelada no chão.
Ele teve tempo de ampara-la,
Não soube porquê,
Mas o fez.
O coração dela disparou,
Em sobressaltos parou.
Ele virou-a de frente em seus braços,
Fechou seus olhos.
A cabeça dela caiu para trás,
O vestido verde comprido
Molhou-se de súbito,
Como se fosse um xixi,
Nenhuma lágrima
Veio aos seus olhos.
Ele a deixou ali,
Três horas depois,
Chamou os filhos,
Disse que chegou tarde
E encontrou-a caída.
Levada ao hospital
Para exames cadavérico,
Anísio contratou um reconhecido,
Pagou pouco,
Cinco milhões
E ela caiu da escada,
Fraturou o tornozelo
E morreu de dor,
Em razão da velhice.
No velório,
Nada denunciava o que houve,
Paloma entrou na igreja,
Foi até Anísio ao lado do caixão,
Beijou o rosto dele,
E beijou os dedos dela.
- sinto muito.
Ela falou em alta voz.
Os filhos apenas a olharam
Em seguida baixaram
Suas cabeças para sobre a mãe.
Do local mesmo,
Ele acessou com sua senha
O circuito de vigilância
Da empresa e de casa,
Olhou a imagem da esposa
Parada na porta de casa,
Em uma das janelas de imagens,
Parou o dedo acima da tela,
Então, Paloma tocou em sua mão
Em sinônimo de força,
Ele baixou o dedo
E apagou cada filmagem.

Caso: Assassinato da Balconista

Aos vinte e cinco anos Não se espera a chuva fria De julho Quando se sai para o trabalho, Na calada da noite, Até altas mad...