Ana Rosa
Mais se comunicava a Raimundo,
Certo dia,
De tanto pensar
Perdeu o sono,
No nascer da manhã,
Recusou-se a acordar,
Fez cisma de pensar
Em seu rosto,
Desenhou com o dedo
Traços imaginários no teto,
Lá em seus rabiscos,
Imaginou seu rosto,
Ousou beija-lo,
No teor de oito anos,
Foi a primeira boca
Que desejou em ardência,
Sentiu o corpo febril,
Cruzou os dedos sobre
A camisa de dormir,
Acariciou-se.
De seu quarto pode ouvir
A voz dele
Proveniente da cozinha,
Ele tomava o café,
Ela abraçou o travesseiro,
Chorou de afeto,
Desejou-o perto.
Pediu perdão a Deus,
Mas não o via sob o véu
De parentesco,
Preso em seus mistérios,
O queria para mais perto,
Desejava-o para esposo.
Entristecida tardou,
Mas levantou,
Chegou a cozinha,
Sem fome,
Pôs-se a chorar
Com o rosto recostado
Sobre a janela.
Da varanda,
Raimundo a viu triste,
Achou-a linda,
Pegou papel e lápis,
Desenhou-a.
Ao término,
Ela moveu-se
A custo por parar de olha-lo.
Caminhou até ele,
Soube de seu passatempo
Com desenhos realísticos,
Folheou seu álbum,
Chegou a uma foto de mulher,
Uma parasiense pintada por ele,
Não controlou o ânimo,
Separou a foto no próprio colo,
Em cerimônia riscou
O rosto da moça com a unha,
Não preocupou-se com o que fazia.
Cuidou os passeios de Raimundo,
Entrou em seu quarto,
Vasculhou suas coisas,
Deixou marcas de sua estada,
O quis para si,
Desde o instante em que
Encontrou seu retrato,
E o pousou sobre o busto,
Sobre o rosto,
Sobre os lábios,
E correu a foto por seu corpo,
Sem medo
De imagina-lo dentro de sua vagina,
Teve a audácia
De levá-lo a toca-la.
Deixou suas secreções
Sobre a cama dele,
Juntou sua cueca,
Sentiu seu cheiro
Profundo dentro de seu peito,
Então, separou dois de seus dedos,
Penetrou suas partes íntimas,
Acariciou-se com ela,
Sentindo o tecido,
O cheiro percorre-la,
Trêmula,
Ansiosa por deseja-lo.
Noite feita,
Sem poder dormir,
Luzes apagadas
Foi até ele
Sem fingir,
Abriu a porta com uma pena,
Destravou a tramela,
Entrou,
Acariciou-se ao seu lado,
Deslizou seus dedos
Por seu corpo,
Tocou seu pênis viril,
Bebeu de seu orgasmo cada gota,
Tocou-o em seu primeiro desenlace,
Subiu a cama,
Deitou sobre ele,
Fez sexo sedenta e vigorosa,
Amou-o em febril vontade.
Na manhã seguinte acordou
Mais vigorosa.
Soube que a casa dos pretos
Foi aberta durante a noite,
Cinco pretos fugiram,
Agora Manuel os buscava
Com chicotes em mãos,
Cachorros na estrada.
Ele juntou as mãos na varanda
Em prece,
Rezou pelas vidas dos negros,
Se apiedou em tamanha misericórdia,
“ São pessoas, meu Deus,
Pessoas”.
Ana Rosa,
Vendo-o triste,
Aproximou-se deslizando
O corpo por sua pele,
Então, pegou na mão dele,
E se juntou em sua prece.
Raimundo,
Assustou-se de sua ousadia,
Não pode crer,
Prima sua?
Esperou Manuel retornar,
Ele voltou
Com os cinco pretos amarrados,
Pouco sangue sobre suas vestes,
Jogou-os para sua casa.
Lá fora,
Sentado sobre a terra,
Irritado com tudo que passou,
Soube que Raimundo
Queria mudar-se,
Contestou a ideia,
O queria perto,
Ao menos até ver a fazenda,
Vende-la
E ter onde deixa-lo seguro.
No entanto,
Veio as ameaças da filha
De quere-lo,
Em frente a sobra Dona Bárbara,
Que se retesou em sua ira,
O preferiu no tronco,
Por ser o negro que não deixaria de ser,
Pobre e com ideias revolucionárias,
Negro de sorte,
Imundo como a combinar-lhe o nome.
Manuel engoliu
O entrave,
Chamou o Dias,
Marcou o casamento
Para o próximo mês,
Ana Rosa resignou-se,
Alegou preferir a morte.
Esmoreceu de dor,
Fugiu para seu quarto,
As escondidas,
Em busca de ser amor,
Entre choros e compassos
De prazer retirados em segredo.
Quem é indagou ele.
Aquela que o ama.
Disse apenas.
Não falou seu nome.
Não foi forte o bastante
Para lhes negar amor.
O quis ardentemente
E não apenas por uma noite,
O quis a percorrer sua pele,
Sentir seus dedos sensíveis
E frágeis tocarem-na
Com seu calor,
Feito um fogo a incendiá-la.
Quis ver todo o seu desejo
Ser consumido até restar
Só o pó
De todo o suor
Que se dispunha a perder,
Quis ver os lençóis molhados
Derretida em prazer,
Quis sentir seu cheiro,
Abrasar-se sobre sua pele,
Até o amanhecer.
Quis tocar-lhe o rosto,
Privar de seu prazer
Até ter dele um filho,
O quis em matrimônio,
E não aceitaria outro,
Fosse em um mês,
Ou em cruel dezembro.