Meados de 1800,
A escravidão corria
As ruas brasileiras,
Tinha lindas formas maranhenses,
Pequenas criaturinhas negras e nuas,
Corriam soltas as calçadas
Feitas de pedras
Por preços vis.
Lá, dos fundos da esquina,
Uma criança loira
Era puxada pelo braço
Para dentro de uma
Das casas grandes,
Feitas em pedras,
Cobertas por azulejos,
Com paredes internas percorridas
Por papel desenhados.
O calor escaldante de verão,
Fazia todos esconderem-se,
Em razão da invasão
Por botijas de água,
Portas e janelas
Precisavam manter-se fechadas,
Nem por isso,
Todas escapavam do arrombamento.
Lindas negras com seios
A mostra e bundas extravagantes,
Percorriam as ruas
Em direção ao rio
Ou chegavam até às carroças
De barris de água
Buscar preço atrativo.
Os pretos eram escolhidos
Para o serviço
Conforme seus atrativos pessoais,
Musculatura, partes íntimas,
Formato de rosto,
Dentes fortes.
Eram mercadorias
De um país em que o valor
Das coisas era medido
Pelo comércio de Portugal.
Ana Rosa, aos quinze
Tornou-se moça,
Contemplou seu corpo
Com ares de ter se tornado mulher,
Tão jovem e atraente,
Com formas tão femininas e ardentes.
Branca, de nascença brasileira,
Buscava no amor
Um jovem de dentes limpos,
Nariz comprido, pele vermelha
De nascença portuguesa.
Via nestes olhos,
Ah, quem dera, azuis,
O seu auge.
O concretismo de seus sonhos.
Aos doze iniciou namoro,
“Coisas de criança”,
Dizia a si mesma,
“coisas de criança”.
Iniciou o namoro com um estudante,
Que partiu em busca
Dos estudos e do qual
Não teve notícias,
Depois namorou um oficial
Da marinha,
Que afundou em navio
De guerra,
Em sua primeira artilharia,
Por fim,
Namorou um rapaz do comércio...
Tudo iniciou tão rápido
Quanto encontrou o fim.
Agora, aos quinze anos,
Moça feita
De formas adultas,
Não encontrava namorados,
Ninguém lhe provinha,
Sonhava o noivado,
Idealizava o matrimônio,
Via seus filhos
Tão nítidos quanto se vê
A luz do dia.
Contudo, ninguém lhe cabia,
A febre por encontrar alguém
Lhe acometida,
Adoecia e lhe levava a beleza,
Lhe vibrava o corpo
Esperar por alguém,
Contudo passaram-se os meses,
E nisto três anos.
Seu pai
Encontrou um jovem branco
Funcionário de seu mercado,
E lhe entregou a casamento,
Ana Rosa recusou-se,
Não se via presa a jovem
Tão fracassado,
Um pobre funcionário,
Sem ares para acessão social.
De tanta espera
Veio o choro,
A tosse a entupir-lhe
As narinas,
E quanto ao amor,
Nada lhe veio.
Manuel Pedro, português
Empregador e mercantilista,
Agora aos cinquenta e tantos,
Era viúvo,
Buscava noiva e companheiro.
Casou-se com moça jovem
De vinte e cinco anos,
A jovem apaixonada por revolucionário
Local que buscava liberdade
De pensamento e religião,
Não foi boa esposa,
Foi capaz de dar a Manuel
Uma filha,
Mais nada.
Logo após a filha morreu.
Poucos anos depois
De ter perdido
Seu único e verdadeiro amor,
Um jovem apelidado Farol,
Que morreu lutando
Contra a escravidão,
Amou Farol sem saber o motivo
De tanto ama-lo,
Em busca de valorizar
As riquezas locais.
Ele tão cedo morreu
Na miséria e foragido da justiça.
Logo após, faleceu ela.
Sobrou a filha,
Manuel trouxe a sogra
Para morar com ele
Dona Bárbara,
Ela trouxe seus escravos,
Tão rígida nos costumes
Que os levava para rezar
Todas as tardes,
De mãos abertas aos céus,
Ou algemados,
Chamava-os cabras ou sujos
Para que compreendessem
Sua superioridade como pessoa,
Vez que ela era branca
De origem portuguesa
E eles simples indígenas brasileiros.
Gente da terra,
Tão desvalorizados quanto
A própria terra de onde provinham,
Menos valorosos que os frutos
Pelos quais lutavam
Para obter de suas plantações.
Restou a Ana Rosa,
Manuel.
Cinquentão, viúvo.
Ela aos dezoito,
Adoentada de amores
Por um homem ideal
Que nunca existiu
Fora de seus sonhos.
Ele pai,
Ela sonhadora em ter família.
Ele ou o funcionário
De seu próprio pai,
Rapaz jovem de dentes podres,
Estatura medíocre,
Descendente nacional.
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