Raimundo, chegou ao Brasil
Nos seus vinte e seus anos,
Tinha cabelos negros enrolados,
Olhos azuis, tez morena e amulatada,
Negros bigodes,
Estatura alta,
Olhos escuros,
Nariz reto e fronte espaçosa.
José da Silva, seu pai,
Iniciou no Brasil
Como contrabandeador de negros da África,
O povo mulato da terra brasileira
Não o viu com bons olhos,
Até que certo dia,
Levantou-se contra ele a escravatura,
Que teriam levado ele a morte,
Não fosse uma das escravas mais moças,
Denominada Domingas,
Preveni-lo a tempo.
O contrabandista arranjou-se
Com a escrava que lhe restou
Para terras mais distantes,
Apossou -se de uma fazenda
Passou a cultivar café, arroz,
Tabaco e algodão,
Vender e buscar escravos
Deixou de ser profissão.
Depois de muitos abortos,
Domingas lhe trouxe um negrinho,
Filho,
No ato de batismo,
Ela recebeu sua carta de alforria.
Chamaram ao filho, Raimundo.
O escravo fazendeiro.
José, contudo, encontrou esposa branca,
Quitéria, de boa origem,
Bons costumes,
Bem educada,
A escrava alforriada não lhe bastou,
Casou-se com Quitéria.
Mulher rica,
Para a qual o fato de ser negro
Lhe destituía de ser considerado
Pessoa,
Um escravo nunca lhe seria homem,
Sua origem sanguínea lhe era um crime.
Por suas mãos,
De sua ordem,
Escravos sucumbiram ao relho,
Açoitados até sangrar,
Levados ao tronco,
Sob sol e escuro,
Passaram fome e sede
E foram submetidos a ferro em brasa.
Devota a Deus,
Por meio de seus negrinhos,
Construiu tudo que tinha,
A casa grande de pedras,
A capela onde rezava todas as noites,
Entregava seus pecados,
Com as mãos inchadas
Pelo cansaço e as costas talhadas
Pelo chicote,
Ela punha seus negros
De joelhos a entoar orações
Aos seus santos.
Ao lado da capela
Fez um cemitério com suas vítimas:
- seu negreiro!
Você pensa que irei aturar
Seus filhos negros?
O despache desta terra
Ou eu o farei e será para junto da capela!
Gritou a José, seu esposo.
José, destroçado,
Conhecedor dos atos de Quitéria,
Correu a vila buscar socorro ao filho,
Ao retornar deparou-se
Com o seguinte:
Estendida por terra,
Com os pés no tronco,
Cabeça raspada,
Mãos amarradas para trás,
Estava Domingas,
Nua,
Com suas partes genitais
Queimadas por ferro em brasa.
Ao lado, estava Raimundo,
Aos seus três anos chorando,
Aos gritos,
Ele tentava abraçar a mãe
E era repelido por dois negros
Através de seu chicote,
Quitéria, descontrolada
Pelo ódio bradava toda sua cólera
Contra a negra e o negrinho.
José, jogou-se contra Quitéria,
A fez cair,
Quanto a Domingas e a Raimundo
Ordenou que lhes levassem
A casa dos brancos
E lhe dessem cuidados.
Quitéria, ordenada pelo padre Marcelo,
Correu para as graças de sua família,
José, atordoado pelo medo
Entregou o filho aos cuidados
De Manuel, seu irmão.
Retornando para casa
Na mesma noite,
Encontrou Quitéria,
Já em casa,
Fazendo sexo no quarto
Com o padre Marcelo,
Num ímpeto de loucura,
José abriu a porta,
Os viu sobre a cama,
Jogou-se contra Quitéria
Pegando muito forte contra
Seu pescoço,
Soltando-a morta.
- matou-a, você é um assassino!
Gritou o padre.
- maldito, e você é menos
Assassino que eu?
Revidou José.
- perante as leis, sou.
Eu sou padre,
Tenho a batina para socorro.
E mostrou as marcas das mãos
De José sobre o pescoço
Do cadáver.
- vamos, lá. Sepulte-a,
Conforme as leis de Deus,
Faça silêncio e eu faço o meu.
Disse o padre,
Batendo no ombro de José.
José pasmo e aturdido
Não soube responder,
Obedeceu
Deu a Quitéria um lugar
Na terra onde enterrou
Seus negros,
Ao lado da capela.
Contudo, o chicote
Separou para sempre
Domingas de seu filho.
Aos três anos deste,
Ana Rosa veio ao mundo,
Fraca,
Parecia morrer a todo instante,
As atenções e promessas
Se aglomeravam em torno dela.
Ao lado dela,
Estava Raimundo
Que já não lembrava da mãe,
Negra que lhe trouxe nas entranhas.
José passou a ser acometido
Por visões e vozes
No seu redor,
Dentro de sua cabeça,
Nos espaços de seu entorno,
Amedrontado e febril
Fugiu para a casa do irmão,
Deixou a fazenda aos cuidados de
Domingas e três negros.
José não dormiu mais,
Falava sozinho,
Perambulava pelos cômodos,
Restou a ele por intermédio de Manuel,
As orações do padre Marcelo,
Que devido as suas orações,
Salvou Ana Rosa,
E foi escolhido para seu padrinho.
Mas o coração do padre
Ansiava pela morte de José,
O qual em sua primeira melhora,
Retornou a fazenda
Em seus aturdimentos
De falar sozinho,
Se imaginar perseguido,
Viver as escondidas,
Vendo vultos
E ouvindo vozes,
No caminho,
Levou um tiro e morreu.
Seu cavalo chegou a fazenda,
Domingas delirante o encontrou
Coberto de sangue,
Foi atrás de José,
O achou e enterrou ao lado
Da esposa Quitéria.
A fazenda foi abandonada
Por todos,
Exceto os negros,
Domingas enlouqueceu,
Deixou tudo ao abandono,
Dormindo no relento,
Conforme antes,
Não entrou na capela,
Nem cuidou,
Apenas perambulava sem hora certa
As terras do cemitério
Entre um morto e outro
Enrolada num pano.
Na morte de José,
O testamento foi aberto,
Tudo dividiu-se em três,
Manuel, sua esposa e Raimundo.
Raimundo foi para Lisboa
Onde dedicou-se aos estudos.
Raimundo, a princípio,
Escondera-se do mundo,
Chamado de macaquinho
Tinha medo do escuro,
Dormia abraçado ao travesseiro,
Colado na parede,
Sentia medo de tudo.
Raimundo chorou e gritou
Para ser enviado para sua terra.
Recordava-se em noites insones
De dona Bárbara,
Que ao despedir-se de Ana Rosa
Beijava-lhe a mão,
Quando Raimundo lhe oferecia
A mão para o carinho,
Bárbara lhe devolvia
Um tapa sobre a boca.
Tanto foi,
Que na noite de nascimento
De Ana Rosa,
Ela foi descrita
Como proveniente da França.
Ele nunca esqueceu.
Mesmo sendo negro para estar
Em Lisboa.
Ele recordava, um pouco,
De sua negação no Brasil,
Ele nunca compreendeu,
Mas em sua mocidade
Aceitou piamente.
Formou-se, advogado.
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