Audaciosa em seus sentimentos,
Pretensiosa de sentidos,
Valorosa em seus desejos,
Ana Rosa amou Raimundo
Por uma noite inteira,
Chegou sorrateira,
Retirou sua calcinha rendada,
Pôs lhe sobre os olhos,
E aperfeiçoou suas carícias,
Provou do amor mais puro,
Do néctar de todos os seus beijos.
Entregou-se como em seus sonhos,
Sonhou com o sol do dia
A acorda-los,
Percorreu cada centímetro
De sua pele negra
Com seus dedos alvos,
Embebeu a ponta do dedos
Em sua volúpia,
Percorreu-o a linhas de desenhos.
Mergulhou neste amor,
Sentiu como se tivesse as estrelas,
E tê-las não lhe significasse nada,
Diante da imensidão
Que foi amar aquele negro,
Sentir seus pelos eriçados,
Seu desejo crescer
E consumir a ambos,
Ele não buscou esquivar-se
Apenas a teve,
E entregou-se.
As horas correram no relógio,
Como se fossem areias
Numa ampulheta aberta,
O ponteiro deslizou
Como se percorresse minutos.
A chegada da manhã,
Ela escondeu-se por detrás
Da cortina vermelha e pesada,
Viu-o dali sem ser vista,
Pode ver o sol bater em sua cor
E resplandecer aquele negro
Ardente e prazeroso.
Ele sorriu,
Retirou a calcinha de sobre
Os olhos
Com indisfarçada estranheza,
Cismou ao ver o objeto
Entre seus dedos,
Soltou a calcinha na beirada da cama,
Sentou-se com ela entre os dedos,
Sentiu profundamente o cheiro,
E pôs ambas as mãos
Sobre o rosto.
Ana Rosa suspirou
Por ver aquela pele negra arfar,
Seus seios sobressaltaram,
Um perdeu-se do sutiã,
Sua camisa de dormir
Ficou molhada e pediu
Colando-se entre as pernas.
Ele olhou em direção ao banheiro,
Foi tomar o banho,
Ela aproveitou sua saída
Do banheiro
Com a toalha a secar o rosto,
Percorrendo seus cabelos,
Nuca e ombros,
E o esperou prostrada.
Ele retirou a toalha,
Fez cara de espanto,
E virou as costas para ela,
Ela sentiu-se tomada de pânico,
Viu-se a perde-lo,
E a ideia a destruiu por completo,
Então, jogou-se em suas pernas,
Pôs-se a lamber aquela cor negra,
A cedência de seus pêlos,
O calor efervescente de sua pele,
Ansiosa por tê-lo.
Depois ajoelhou-se
E pôs a chorar em parar,
Colada com a bunda no chão,
Com lágrimas a hora feito
Uma torrente desenfreada.
Ele não a reconheceu,
Juntou-a através de seu braço
Esquerdo,
Colocou ela de pé
Em sua frente,
Olhou seu rosto,
Não soube expressar
O que sentiu,
Nunca a imaginou de tal maneira.
- prima?
Eu não a esperava.
Ele disse.
- me perdoe os modos grosseiros,
Eu estava no banho...
Contudo,
Ela cansou de fingir,
Rejeitou a mentira,
O quis,
Neste intuito
Jogou-se para beija-lo,
Puxou seu rosto
Com ambas as mãos
E sorveu aqueles lábios negros
Sobre os seus,
Como se fosse um pêssego
Que se abre,
Se rejeita o caroço
Com a ponta da língua,
E suga toda a sua doçura
E pureza,
Movendo sua boca sobre ele
Com prazer imensurável
De quem está a submergir de fome
E tem ao seu alcance
Único pêssego,
Grande, carnudo e doce.
- precisamos nos casar.
Ele disse.
- saia, querida.
Precisamos nos recompor
Para eu pedir permissão
Para Manuel, seu pai.
Ela jogou-se para sobre
Suas pernas,
Até sentir seus prazeres
Se misturar
E escorrer sobre a pele
De ambos.
Então, se foi.
Como nem tudo é perfeito,
Manuel neste mesmo dia
Foi acamado
De temerosa doença,
Nada pode dizer
Ou fazer de importante,
Apenas medicar-se.
Raimundo aproveitou
A oportunidade
E pôs-se a escrever seus poemas
E prosas para o jornal local.
O povo reprovou sua rebeldia
De palavras e pensamentos,
Sua liberalidade para tratar
De assuntos íntimos,
E querer romantizar
Assuntos rotineiros,
Mudas conceitos,
Tratar de valores já estabelecidos,
E por isto,
Considerados imutáveis.
Ficou mal afamado
E irritou-se.
Todavia,
O pior lhe reservava
O mês de junho.
Poema da primeira página:
Acordou a negra,
Assustada e paciêncosa,
Percorreu as escadas
Da senhora branca,
Cuja filha desfalecia,
Nasceu fraca,
Mas branca se fez,
Precisou de leite,
Há quem recorrer?
As tetas da negra escrava,
Derramaram-se em carinhos,
Fez-se o ninho,
Entregaram-lhe a criança
Aos seus cuidados,
E sabor de negra forte,
De pouco a pouco
Sorveu o leite,
Da manta que lhe cobria,
A negra fez-lhe a veste.
Aniversário de três anos
Da menina,
Branca, grande e forte,
A negra escrava,
Conhecedora das linhas,
Costurou-lhe perfeito vestido,
Presenteou a menina
Com tecido velho.
Imperdoável,
Disse o senhor branco,
Vai ao açoite
Para recuperar os sentidos,
A criança correu as escadas,
Viu sua ama amarrada,
Ferida,
Do seio que lhe deu comida,
Sobrou a ferida
Do ferro quente
Que o derreteu até a carne.
A alforria,
A alforria,
Disse o senhor branco,
Diante do seu domínio,
De medo por estar diante
Da menina tão criança,
A negra jogou-se e jogou-se,
Estava com uma algema
De ferro a prender suas mãos,
Dilacerou seus músculos,
Perdeu seus movimentos,
Agora vive na casa de negros,
A senzala é seu lugar,
Cuida de seus iguais,
Não serve para as paredes
Tão quentes e grandes demais,
Não é vista ou sai lá fora.