Houve há dez mil anos
Intensa gripe naquela aldeia,
Ao final de um curto mês,
Setecentas pessoas
Não sobreviveram.
Foi aberta uma cova
De dois metros de profundidade,
E os enfermeiros e médicos
Do hospital se uniram
Para enterrar tais corpos
Que ficaram na ala
Dos mortos,
Esquecidos.
Nenhum ente veio visitá-los,
Mesmo na dor dos seus últimos
Suspiros,
Muito menos após isso.
Preferiram considera-los
Mortos assim que deram
Entrada ao local de medicação.
Alguns poucos foram trazidos
Até a porta e abandonados
No chão do lado de fora.
Os entes queridos
Deram três batidas na porta,
Não esperaram ser aberta
E correram para longe.
Poucos mostraram seus rostos
Aos enfermeiros
No instante de trazer o doente,
Mesmo assim,
Foram tão sorrateiros
Que foram esquecidos
E assim, nunca encontrados
Para entrega do cadáver
Ao fim que se destina.
Aberta a cova,
Cansados e com calos
Em suas mãos,
Eles decidiram coloca-los
Sobre uma maca
De madeira cada corpo,
E ao lado da cova
Foram removendo sua pele
E tecidos.
De um a um,
Todos os setecentos mortos
Passaram por este processo,
Depois disso,
Foram jogados lá dentro
E cobertos com substância corrosiva
E então, ateado fogo.
Lá dentro da cova rasa
Foram todos queimados
Neste ritual de sacrifício
E carinho,
Prestados por aqueles
Que lhes dedicaram trabalho,
Confiança em suas melhoras
E tempo com remédios
Para cortar efeitos negativos.
O aviso sobre o crematório
Foi informado a aldeia,
Quem quisesse participar
Seria bem-vindo,
Porém, somente os funcionários
Foram e abriram a cova,
E também, limparam os ossos.
Alguns rezaram pelos esquecidos,
O enterro coletivo
Contou com a presença de
Trinta pessoas,
E a ausência de todas as demais
Quatro mil habitantes
Do local,
Destes, também os parentes,
Que ficaram alheios
Aquelas almas vagantes,
Errantes por entre os leitos
Dos doentes.
Foi de concordância geral
Que ter mortos perambulando
Por entre as alas
Fazia mal aos que ainda
Tinham esperança de vida,
Nisto, a afamada sala
De mortos esquecidos
Teria que ser aberta,
Retirados os corpos
E lhes dado o fim merecido,
O enterro.
Não importou
Que nenhum dos presentes
Conhecessem tais rostos,
Ao final descartados
Eram todos iguais:
Ossos unidos em uma vala.
Alguns corpos haviam se decomposto,
Só havia neles pele seca
E fina feito papel que se desfia,
Mas, agarrado ao esqueleto,
Outros, estavam mais preservados,
O que exigia que a carne
Presente neles
Fosse arrancada em tiras
E jogada ao lado para queimar,
Os corpos mais recentes
Exigiram mais trabalho.,
Estavam cheios de larva,
Sendo devorados pouco a pouco,
Escorriam deles líquidos.
Os ossos foram todos limpos,
E então, jogados dentro da vala,
Após todos estarem lá dentro,
Os presentes se reuniram
Ao redor da cova,
Deram as mãos um ao outro,
E rezaram alto,
O médico geral riscou o palito
De fósforo e soltou sobre eles.
Pegou fogo instantaneamente,
Também suas peles
E restos foram queimados,
Um cheiro podre
Ganhou o ar
E foi em direção a aldeia.
Contudo, a partir daquela noite,
Ninguém mais pode dormir
Em paz,
As pessoas da aldeia
Fugiram apavoradas,
Os mortos levantaram da cova,
Recém fechada com terra
E foram em busca
De seus familiares.
Dos setecentos mortos,
Não restou família que não
Fosse parente de algum esquecido,
Invadiram portas e até janelas,
Chegavam até eles
E tentavam tocar neles,
Para então, estrangula-los,
Fingindo um abraço.
Seus ossos caiam
Pelo caminho,
Carne podre era arrancada
De seus corpos e jogado
Contra as pessoas,
Joana dormia
Quando seu marido Jefferson
Chegou, arrancou pedaços
De suas pernas
E enfiou em sua boca.
Ela não chegou a gritar,
Morreu engasgada
Em carne podre.
Maria, estava se servindo
De macarronada,
Quando retirou no prato
Carne de seu filho Gilson.
Ela sofreu um infarto,
Havia em seu prato massa
E pedaços de Gilson.
Seu esposo Paulo correu.
O filho correu atrás dele,
De braços abertos
Para tê-lo.
Alguns mortos esquecidos,
Arrancavam suas partes
E jogavam contra suas próprias casas,
Muitos habitantes fugiram
Apavorados,
Eles não corriam atrás destes,
Apenas caminhavam
Seguros de si mesmos,
Sorrindo,
Expondo seus dentes
E por vezes, ausência de lábios.
Logo o hospital
Foi invadido,
A refeição dos médicos
Foi regada a líquido
De apodrecimento e larvas,
A carne era de mortos.
Cada parte comida,
Sem ser mordida
Ou engolida causava
Morte instantânea,
Talvez, pela visão da pessoa
A sua frente
Rindo de sua cara,
Ou talvez, por estar podre.
Os enfermeiros correram
Até a cova maldita,
Levantaram rodos com pano
Encharcado e fogo na ponta,
E vassouras pegando fogo
E foram até lá.
Chegando, viram o buraco
Que permitiu a passagem
Dos tais,
Os restos mortais
Não totalmente queimados,
Queimaram aquela carne imediatamente.
Neste mesmo instante,
Os mortos da aldeia
Viraram ossos,
Contudo, ossos vivos.
O terror se espalhou
Com ossos sendo arremessados
Contra os vivos.
Abrindo mais o buraco
Que deu passagem
Por via da cova aos mortos,
Viram ossos não queimados
Lá dentro,
E tudo ficou simples,
Jogaram as vassouras
E os rodos em chamas lá.
Pegaram a caixa de fósforo
E deram fim também naquilo.
Tudo que pertenceu
A qualquer morto
Foi queimado,
Inclusive suas roupas.
Instantaneamente,
Os mortos esquecidos
Viraram pó,
Restaram o povo fugindo,
Se acalmando aos poucos,
E os mortos pelos esquecidos
Continuaram mortos.
Até que sabendo do ocorrido,
Os médicos sobreviventes,
Junto com os enfermeiros
Alcançaram também estes,
E lhes deram o mesmo fim,
Em cova próxima.
Ninguém se preocupou
Com nomes ou familiares vivos,
Apenas retiraram carne dos ossos e queimaram tudo:
Carne e ossos.
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