Depois daquele beijo, ele teve certeza que sua vida
Nunca mais seria a mesma, e ela também pensou dessa forma,
Embora não tivesse muito dinheiro o amor falou mais alto,
Meses após se conhecerem, ele a pediu em casamento,
Em um encontro romântico sentados na areia a oeste de algum
lugar,
Foi preferível, devido as circunstâncias deixar o endereço
em suspense,
Ele foi gentil, ajoelhou-se, tocou o rosto da moça,
Disse que a amava pelo menos um milhão de vezes,
Com a brisa do mar a embalar seus cabelos molhados de chuva,
A areia a aquecer seus corpos deitados na penumbra noturna,
As borbulhas do champanhe a acariciar o céu de suas bocas,
A singela rosa vermelha a qual ele encaixou por detrás da
sua orelha,
Entre seus cabelos, aproveitando a deixa para acaricia-la
até os lábios,
Instante em que ele pressionou o lábio inferior com o dedo
indicador,
Com um desejo incontido de abri-lo, provar o seu sabor,
Cedendo aos seus desejos ele percorreu até o seu queixo,
Pressionando e trazendo-a para perto onde pousou seu beijo,
Fechou os olhos para saborear o gosto e ao abri-los
contemplou-a com seu melhor sorriso,
Mostrando seus dentes brancos e perfeitos, e aquele brilho
nos olhos
Que seria demasiado difícil conseguir expressar com poucas
palavras,
De fato, com um suspiro incontido ela foi tomada pela
certeza
De que jamais alguém seria capaz de resistir ao encanto
daquele momento,
Disse sim, sem hesito algum nos atos que se seguiram ou nas
juras feitas um ao outro,
Poucos meses depois, juntaram as toalhas, os sabonetes e as
escovas de dentes,
Decidiram casar-se como ocorre com todos os amantes que se
amam ardentemente,
As juras de amor nunca foram silenciadas, porém, ela como
esposa dedicada,
Largou o trabalho e decidiu colaborar no recanto do lar,
cuidar da família,
Ele, como servidor público ganhava o suficiente para os
dois, acreditavam,
No entanto, alguns meses depois de noites de amor desmedido,
A notícia que chegou ás mãos da moça relatava que estava
grávida,
Ela nunca se sentiu mais feliz, agora sua família finalmente
estaria completa,
O cachorro teria mais companhia, ela não se sentiria
sozinha,
Nada mais seria como antes, vestiu seu melhor vestido, a
melhor maquiagem,
Sem esquecer daquele salto 15 que sempre a elevava até o
alto,
Transmitindo uma sensação de segurança, de poder, com um ar
de supremacia,
Sensação a qual apenas os braços dele a sobrepunham, vez que
a erguiam bem mais alto,
Fez um jantar caprichado, comprou um buquê de flores
diversificadas do campo,
Pôs o vinho no gelo, colocou sua toalha predileta,
Elaborou tudo com delicada atenção aos menores detalhes,
Ele chegou cansado, abraçou-a, beijou-a rapidamente,
Banho tomado, jantar servido e a notícia repousou em suas
mãos,
Com a tonalidade do vinho que balançava em seu coração,
Doce, espesso e gelado, ele sorriu sem entender a situação,
Havia um filho a caminho? A primeira ideia que ocorreu foram
as dívidas
Contraídas em decorrência do casamento, além das anteriores,
As roupas cujas quais adorava manter o gosto da sua esposa,
O extrato do cartão de crédito, o aluguel no final do mês,
Sorriu a contento, beijou-a sôfrego e lento, a ideia parecia
intragável,
Mas como diria algo deste teor a quem amava tanto?
Lembrou com certo desespero, ouvindo-a retratar sobre os
planos relacionados ao bebê,
Que em decorrência do seu cargo público tinha acesso a um
grande teor em dinheiro,
Lembrou consternado da carta que recebeu dias atrás sobre o
parcelamento em atraso
Do empréstimo que contraiu junto ao único banco da cidade,
Estava com o nome sujo e agora teria um filho para partilhar
da situação,
Todos os reconheceriam na cidade, iriam aponta-lo para onde
fosse,
Seu nome estava escrito na pedra da vergonha e agora poria
lá sua família,
Já havia diminuído seu ritmo de vida em tudo que pode,
Mais que isso seria considerado pobre,
Ele que sempre se orgulhou do seu padrão de vida elevado,
Pediu a esposa que fizesse as malas naquele mesmo instante,
Avisou que teria que se ausentar por algumas horas, mas logo
retornaria,
Disse que não poderia detalhar mais, que assim agisse sem
perguntas,
Ela o fez conforme o plano, três horas depois ele retornou
com uma mala,
Ela o esperava deitada no sofá, desacordada, acordou em um ímpeto,
Assim que se sobressaltou em decorrência da porta ter sido
arrombada,
Com os olhos arregalados pode ver seu esposo posto junto ao
que sobrou da porta,
Ele apenas gesticulou para que ela o seguisse, ela pegou as
malas e o fez,
Apesar de estranhar o carro estacionado na calçada, não
disse nada,
Na pressa ao percorrer o caminho ele atropelou o cachorro do
vizinho,
Agora seu carro estava sujo de sangue, precisaria limpá-lo,
O cheiro chamaria muito a atenção por onde seguisse, e o
pneu furou,
Não haveria tempo para concertar até a luz da manhã,
Chegou no final da cidade, arrombou a garagem de um vizinho,
Ao não encontrar as chaves do carro, arrombou a porta da
saída,
Entrou e intimou-o que passasse as chaves, ao qual o vizinho
foi prestativo,
Sentado com a chave na ignição, olhou para sua esposa e seus
olhos arregalados,
E percebeu que havia deixado pistas, retornou e ceifou a
vida da testemunha,
Com a tesoura que pertencia a avó do vizinho e estava posta
sobre a mesa da sala,
Talvez, houvesse mais de uma pessoa lá dentro, sua lembrança
ficou turva,
Algumas horas depois acordou algemado, olhar consternado,
Sua esposa havia sumido, carregando seu filho no ventre,
Teve certeza que algo deveria ter ocorrido em erro no plano,
Então, ela deveria ter fugido e depois voltaria para
busca-lo,
Uma garrota sozinha e bonita, andando pelas redondezas
chamaria a atenção dos tiras,
Este fato explicaria a demora em vir ao seu encontro,
Ele lembrou do último beijo que tiveram soube que era amor,
E o filho seria apenas a consumação de tudo que sentiam um
pelo outro,
Foram suas palavras não foram? Porém, havia uma acusação a
pesar contra ele,
Preferiu então, no momento de elaborar sua defesa
Omitir esses detalhes, por qual motivo iria envolver
A futura mãe do seu filho em uma investigação desta espécie?
O caminho de erros feito por ele havia começado muito antes
dela,
Algo parecia sussurrar aos seus ouvidos que ela estaria em
algum lugar, a salvo,
Ele nunca duvidou de que o sangue que apareceu naquele carro
jogado as margens,
Fosse do cachorro que havia sumido, conforme lhe inquiriram,
Não havia nada que o comprometesse, nem ao menos sinais de
que ela estivesse
Estado naquele carro em algum momento, sentia-se feito um
joguete do destino,
Mas tinha certeza absoluta de que seria inocentado, não
havia feito nada,
Aquele dinheiro pertencia ao povo e ele fazia parte disso através
dos seus impostos,
Quem mais que ele havia contribuído em razão do seu padrão
elevado?
Ele nunca mereceu a miséria, porém, sua conta havia sido
confiscada a algum tempo,
Lembrou que suas roupas ainda estavam no armário, e estes
eram seus únicos bens,
Seria inocentado, tinha certeza que ao final seria feita a
justiça,
Elaborou seu breve relato, camisa branca, gravata clássica,
Relatou com esmero o fato de como, de repente, foi
encontrado inconsciente,
Preso dentro de quatro paredes frias da delegacia da
cidade...