Eles discutiam a toda hora, nada parecia se encaixar,
Mas ela acreditava que pudesse recuperar
Todo o sentimento, todo o amor que um dia
Acreditou sentir no fundo da sua alma,
Na convivência do dia-a-dia, eles brigavam,
Ela corria para o silêncio abrasador do seu quarto,
Jogava-se sobre a cama, abraçava o travesseiro
E chorava sem barulho ou soluços,
Aprendera ainda na infância a chorar em silêncio,
A engolir a dor, até senti-la acumular-se em seu peito,
Só não ensinaram que tanta dor dentro de si mesma,
Um dia poderia destruí-la de forma irrecuperável,
Apenas permitia que suas lágrimas tomassem o rumo
Que julgassem mais adequado, não queria admitir
Mas não conseguia controla-las, quando seus olhos
Se cobriam pelo manto da raiva, ela não resistia,
Chorar era sua única alternativa, as vezes, gritava,
Tentativa inútil de extravasar a dor,
Certa vez, foi tomada pelo ímpeto de agredi-lo,
Ela conheceu a agressão desde cedo no seio da família,
Mas por mais alto que tentasse falar,
Por mais que desejasse se impor,
Sua voz esganiçada pela dor, nunca fora ouvida,
Ele, simplesmente a tomou pelos braços,
Apertou-a com força, sobrepondo-se a ela,
Enquanto usava a força do olhar para redimi-la,
Reduzindo-a a nada, cuspia palavras em sua cara,
Ela se afastava, gaguejava, as palavras se formavam
Distantes demais para que pudesse pronunciá-las,
Fugir parecia ser a sua única alternativa,
Fugiu da loucura que havia em sua família,
Passando da manipulação familiar
Para ser marionete nas mãos de um coração vazio,
Sempre gostou do refúgio que havia em seu quarto,
Mas nunca pensou que pudesse ser tão difícil dividi-lo,
Nem mesmo aquele lugar, que pouco fora seu,
Lhe pertencia mais por direito,
Tudo que era, escapava-se nos vãos dos próprios dedos,
Via-se derreter entre lágrimas, dor e desespero,
Corria, trancava a porta e escorria até o assoalho,
No chão frio parecia um bom lugar para chorar sua dor,
Mas, nem mesmo o silêncio lhe fazia companhia,
Ele achava que podia invadir seu espaço,
Vinha com suas famosas juras de amor em falso,
Parecia acreditar que a conquistava com migalhas,
Ela esmorecia, frágil, sentia-se perder no vazio que
crescia,
Antes afogada em lágrimas divididas entre solidão e
descontento,
Agora jazia, pelas mãos que um dia lhe prometeram afeto,
Permitia-se cair, mas não tinha a privacidade de sofrer,
Roubavam-lhe pouco a pouco o direito de viver,
Ela aprendeu desde cedo a esconder sua dor,
Sentia-se, com isso, de alguma forma, melhor;
Nunca permitia que suas lágrimas traçassem caminho livre,
Sofria o quanto julgava ser o bastante
Para conseguir maquiar o rosto,
Sem que uma lágrima teimosa o deslizasse,
Impedindo-a de sair para fora e seguir seu caminho,
Havia risos, assombro silencioso por tamanho sofrimento,
Mas nenhum carinho lhe era dirigido,
Lá fora nada a esperava, nem mesmo um abraço,
Ela achou suficiente ir se distanciando, se afastando,
Até perder-se de si mesma e de todos,
Com o tempo encontrou refúgio nas palavras,
Passou a apegar-se a frases feitas, sentimento pronto,
Embalado a vácuo, imperfeito para suprir o vazio da alma,
As frases vinham afagavam o rosto e roubavam seus sonhos,
De um a um, como se colecionassem corações sangrentos,
Como se os abrissem apenas para contemplar seu lamento,
Alimentadas pelo sofrimento e dor alheia,
Frases que esvaziavam pessoas e personificavam atos,
Havia uma sociedade de mortos vivos vagando pela cidade,
Ela caminhava por entre eles, como poderia evita-los?
Um dia, ele decidiu devolvê-la a família,
Assim definiu o fim de tudo que um dia jurou sentir,
O fim do para sempre, do amor, dos beijos, das promessas,
Dirigiu sua moto, a abandonando no meio da estrada,
Nem coragem teve para devolvê-la ao mesmo lugar de onde a havia
tirado,
O que não era de todo errado, pois seu lugar já havia sido tomado,
Ela marchou com todo o orgulho a guia-la,
Feito uma máquina programada,
Mas sentia-se, de alguma forma, presa a aquele tormento,
Então, deixou-se cair ali mesmo na estrada,
Consumida pela poeira que apesar de embaçar seus olhos,
Não a impediu de olhar para trás e perceber que ele não a
olhava,
Nenhuma vez se importou em abandona-la, em deixa-la a esmo,
Abandonar todos os anos que passaram juntos,
O olhar que a conquistou se dirigia para outro lugar,
Outros sonhos, outra pessoa, a deixando ali, sozinha,
As palavras cuspidas em sua cara a afogavam, de novo,
Os carinhos outrora entregues, já não lhe pertenciam,
Talvez nunca tivessem sido seus, só restara ela
E aquele estranho amor, que ela sonhava algum dia poder
entrega-lo,
E permitir-se sentir, ser tocada realmente por alguém,
Ser amada, reconhecida, valorizada por tudo que era.
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