O trabalho na lavoura é difícil,
Pegou o caderno em branco,
Abro-o em minha janela,
Está amanhecendo.
O sol está nascendo.
Hora do trabalho.
Saio do quarto,
Deixo o caderno aberto
Sobre a cama,
Organizo o que precisar.
Vou.
Esquento a água no fogão a lenha,
Mexo os paus no fogo,
A brasa se acende,
O fogo ressurge intenso
E amarelo.
Logo a chaleira chia,
A água evapora,
Está quente.
Mexo o café no açúcar,
Colocou água,
Absorvo o cheiro,
Corto o pão.
Como.
Tomou o café.
O sol surge na janela,
Saio para fora,
Amarrou melhor a vaquinha,
Tiro o leite,
Solto o terneiro mamar,
Guardo o leite sobre a pia.
Retorno,
Tiro o terneiro,
Amarrou na sombra da bergamoteira,
Levo a vaquinha no pasto.
Vamos todos para o trabalho,
O verdadeiro trabalho,
Este que dá sustento financeiro.
Tabaco.
Plantação de tabaco.
Meu pai faz o buraco
Para o canteiro,
Eu puxo a mangueira,
Ele coloca a lona branca,
Enrolada em paletes de madeira.
Eu ligo a água.
Aguardo.
Colocamos as bandejas,
Do início ao fim,
Uma de cada lado
Na horizontal.
Colocamos a terra vegetal.
Depois as sementes em cada
Lugarzinho,
Depois mais terra.
Coloca-se o ferro de lado a lado,
Do início ao fim,
Uma lona sobre eles.
A muda cresce,
De dia a dia é tomado cuidados,
Pôr água,
Abrir a lona em devida horas,
Fechar quando precisar.
Depois limpa a terra,
Adubar,
E plantar as mudas,
Depois limpa,
Passa os agrotóxicos necessários,
Retira o baixeiro,
Primeiras folhas do início do pé.
Leva ao galpão,
Amarra as varas,
Coloca no estaleiro,
Logo vem a colheita,
Um corta e amontoa,
Em cada linha plantada,
Depois põe na carroça,
Leva ao galpão.
Todos juntos,
Mãe e pai e um irmão,
Coloca a fisga na ponta
Da ripa e fisga o fumo,
De pé a pé,
Até atingir o final.
Ergue-se no estaleiro,
Ele seca,
É separado por cores,
E qualidades,
Feito os maços,
Vem o enfardamento.
Depois disso a venda,
A empresa que forneceu as sementes,
E a oportunidade de trabalhar.
Ela entrega todo o necessário,
Cobra por cada coisa,
E faz o preço do quilo
Do fardo,
O dinheiro vem no banco,
O agricultor recebe.
É descontado todos
Os gastos.
Retira o que sobra.
Os meses passam cansados,
E calejados.
Não dá tempo de assimilar tudo.
Pegou o carro,
Vou pra cidade,
Mãos sofridas,
Quase insensíveis,
Calejadas e duras.
Grudadas ao volante,
Me irrito
Por pouca coisa,
Tudo vai de mal a pior.
Dirijo bem,
Bem rápido,
Sim ligado,
A frente um caminhão grande
E a princípio carregado,
Outro trabalhador cansado.
Não dá para chamar pra dançar,
Ou beber uma cerveja,
Por quê?
Nem sei.
O sol está descendo,
Eu sinto que devo trabalhar,
Ele sente que precisa descansar.
E a BR 282, de Chapecó/SC/ BR.
Segue tranquila,
Nós é que estamos cansados.
Troco a marcha,
Vou pra última,
Aumento a velocidade,
Meio, meio do velocímetro.
Passa um pouco.
Meio
Retorna.
A cem e pouco...
E então,
A polícia decide me odiar.
Entra no meu celular,
Fica puta da cara,
Eles lá no sistema,
Sentados em suas cadeiras confortáveis,
Ligados na live dos príncipes.
Eu só querendo
Uma trepada com um deles,
Qualquer.
Príncipe é príncipe.
Fama é fama.
A polícia também quer
E se esforça.
Ela está no meu celular
Me passando coordenadas
Criminosas,
Ele está no celular daquele
Caminhoneiro e paga.
Paga bem.
Pelo meu lindo acidente.
Planejado de lá.
De suas confortáveis cadeiras
De couro,
Ar condicionado na sala,
Telefone de ouvido,
De onde falam e ouvem
Tudo o que querem,
E de onde desejar.
E eu só querendo ver o rostinho
Do príncipe,
Ouvir a voz,
Conversar.
Eles lá,
Daqui do Brasil,
Fazendo o que bem desejar
Dos lindos garotos.
Eu penso que vale a trepada
O contar.
Só contar prós lindinhos
Quem é que são estes
Que estão lá
Por este sistema idiota.
E o sol baixa,
E eu lembro da vaquinha
Me esperando
Com terneiro novo,
E ubre cheio de leite
Pra eu tirar...
O terneiro não sabe mamar.
Tem três dias.
Ou quatro depende
De quantas vezes o sol nasceu
E se foi nos montes...
Bem,
O caminhão está na direção oposta,
Vem ao meu encontro,
Eu penso,
Este motorista irá
Se recusar a está imposição
Policial,
Ele vai desviar,
Ele não irá sair de sua pista,
E invadir a minha
Com único intuito:
Me matar!
Lembro o rosto
Do príncipe da live,
Cara que lindinhos mesmo!
Sigo.
Atrás de mim
Vem dois outros carros
De passeio,
Um escuro outro cinza.
Lá também há coordenadas,
A polícia quer mesmo isto,
Eu ouço,
Eu os escuto falar.
Eu continuo.
Aperto meu pé lá no fim,
Está a baixa velocidade,
Não aumenta muito.
É meio velocímetro
E pra lá.
Meio e lá.
Não passa muito.
Então, está terminando a pista
Dupla que é a minha,
Ele não disfarça,
O cinza da direita entra,
O escuro da esquerda
Vem no meu traseiro,
É de frente e de trás.
Eu diminuo,
Mínima coisa,
Abro meus belos lábios,
Olho o sol se pondo,
E como o pé no assoalho
Do carro,
Deixo o acelerador
Bebendo poeira,
Comendo terra do assoalho,
Dou aquela bundinha
Na frentinha dele,
E sumo.
Não foi desta vez.
Mas, com o príncipe da live,
Talvez,
Com o sol apenas se eu me apurar.
O terneiro está amarrado
A vaca no pasto.
Ele está com fome.
Ela com sede.
E o príncipe?
Sobre o caminhoneiro,
Ele continuou na pista dele.
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