domingo, 20 de abril de 2025

Baby Jane Bonequinha

Eu teria esquecido,
Facilmente, me esqueceria,
Não fosse o que houve.
Eu tinha dois anos,
Dormia no meu cestinho
Feito de folha de palmeira trançada,
Era meu aniversário,
Meu pai chegou da cidade
E deixou ao meu lado
Uma boneca.
Uma linda boneca,
Cabelos escuros,
Olhos escuros,
Lábios vermelhos,
Pele acentuada na terra,
Com vestígios de poeira avermelhada.
Ela tinha uma chupeta,
Destas de bebê usar,
Quando se removia ela,
A boneca chorava.
Eu acordei,
Eram quatorze horas da tarde,
Minha pomba entrou
Dentro de casa
Buscando quirela.
Eu acordei,
Vi a boneca,
Me apaixonei,
Levantei,
Dei quirela a pomba,
E me sentei no início da escada.
Logo a boneca chorou,
Ela foi tão incrível
Que em pouco tempo
Eu ouvia sua voz,
Seus pedidos de bebê,
Mais jovem
E frágil que eu.
Então, ela disse:
-sinto frio,
Corte o vestido de noiva,
E me enrole.
Eu o fiz.
Subi na cadeira,
Cai de lá,
Me feri.
“ Só um pouco,
Só um pouco”.
Logo melhorei,
Subi de volta,
Peguei a faca,
Cortei o vestido de noiva,
Aquele que minha mãe
Usou em seu casamento.
Minha mãe chegou,
E indagou perplexa:
- o que houve?
Ela disse, séria.
- o pai me deu.
Eu falei rápida,
Mais pareceu a boneca.
Ela sentou e chorou.
Eu não entendi,
Mas soube que a boneca
Sentia fome,
Então, era isto.
Logo que minha mãe
Entrou em casa preparar
O almoço,
Eu subi na bergamoteira,
Foi simples,
Mas minha boneca disse:
- se você me ama
Caia por mim.
Eu me joguei de lá de cima,
Com as bergamotas
Em minhas mãos.
A árvore era entroncada,
Tinha espinhos do início ao fim,
O tronco era arqueado,
Próximo ao chão.
- eu me feri.
Eu disse a boneca.
Limpando a sujeira da mão.
E entregando a ela
As bergamotas descascadas.
Ela comeu.
Mais tarde,
Ela disse:
- pegue o estilingue do seu primo,
Prepare pedras
E acertei o olho do seu pai,
Ele ficará feliz.
Eu sabia que ela entendia
De felicidade,
Sempre que eu a abraçava,
Sentia seu cheiro bom,
Eu era feliz,
Isto me deixava bem.
Então, eu fiz.
Treinei contra as galinhas,
Joguei contra a pomba
No ninho,
Bem de perto,
Trepada na árvore,
A centímetros de distância,
Ela ficou lá pra sempre,
Os passarinhos bebês voaram,
Sem penas,
Eu atirei contra o gato,
O gato pulou e os pegou.
Foi simples jogar contra minha mãe,
E mais tarde,
Contra meu pai,
Eu me escondi atrás de um tronco
Caído ali ao lado
De outras bergamoteiras,
E joguei muitas pedras contra ele.
Ele me viu,
Veio até eu,
Me pegou no colo,
Me abraçou e disse:
- eu te amo.
Ele estava feliz.
- foi a mãe quem mandou,
Eu disse.
Ele olhou para o lado
De casa,
Não disse nada.
A boneca sorriu.
- olha pai,
Minha boneca sorri.
Eu disse.
Ele olhou para ela
Deitada sobre um lençol
Em frente a outro tronco caído,
De frente para nós.
- claro que não filha,
Bonecas não sorriem.
Então, ele se virou
E me deixou brincando,
Ela piscou um olho.
Depois disso,
Ela falou séria:
- vamos andar de carinho
De rolimã.
Eu disse:
- ótimo.
Peguei com muito custo
O carrinho,
De um metro aproximado,
Sem freios.
Ela disse:
- vamos subir até o topo
Do morro,
De lá de cima
Você se solta no carrinho.
Eu fiz como ela disse.
Cheguei no topo,
Soltei o carrinho
Que puxei empurrando,
Erguendo e levando
Com uma corda de puxar vacas.
Soltei no chão,
Subi em cima
Com a boneca no colo
E me larguei,
Eu corri muito
Sobre aquela tábua de rodas,
Com meus pés sobre
Aquele eixo duro.
Eu voei,
Pedras e galhos voavam
Contra meu rosto
E meu corpo,
E a boneca rua,
Ria, ria,
Sem parar.
Eu parei,
O carro finalmente parou,
Com meu pai correndo atrás,
Todos nós em disparada,
Eu caí no boeiro,
Entre sujeira e galhos,
Lá no fundo
Sobre as pedras.
Ele correu chorando
E me pegou.
A boneca abriu muito
Os lábios eu vi,
Ela se sentiu muito feliz.
Eu chorei,
Chorei muito.
Minha pele se escoriou,
Eu fiquei inteira arranhada,
Eu senti muita dor.
Meu pai me levou no colo
De volta para a casa...
Destas brincadeiras
Minha boneca me ensinou muitas,
Hoje aos quinze anos,
Eu ainda a ouço falar,
E ela tem ideias sensatas,
Parece sempre muito madura.
Agora conseguiu trabalho,
Ela é policial militar,
Ela nunca irá me deixar,
Sempre vai me cuidar
E proteger,
Ela disse que eu dormi
Está noite e sonhei
Com força sobrehumana,
Então, é para eu juntar
Umas folhas da bergamoteira
E isto será meu distintivo,
Pois eu sou outro tipo de polícia,
Depois, quando vier
Aquele ônibus
Nesta estrada sem freios,
É para eu me colocar
Em sua frente
Eco segurar.
Ela é muito forte,
Sabe o que os outros pensam,
Sabe o que acontece lá fora,
E não erra nunca,
Ela sabe de mim
E do quanto eu posso ser forte.
Quinze anos é uma boa idade,
Há treze moramos juntas,
Se eu tiro o biquinho dela
Ela chora como antes,
Ela é minha filha,
E me ama.
Neste dia,
Meu pai trabalhava
Capinando o mato
Atrás de casa,
De repente,
Ele surgiu ali:
- filha, começo a crer
Que sua boneca fale.
Ele disse, sério.
Escorado na enxada.
- sim, pai.
Ela é viva
E tem poderes.
Eu respondi.
Ele disse:
- filha, não existem poderes.
Contudo,
Eu sabia que sim.
A boneca falava,
Adivinhava coisas,
E quando eu ia pra cidade,
Tudo acontecia
Conforme ela dizia.
Então, eu fui ajudar
Aquelas pessoas do ônibus,
E quando ele veio
Correndo feito uma bala,
Jogando pedras pra todos
Os lados,
Eu me coloquei na sua frente.
Então, meu pai correu mais,
Mais que o ônibus,
O que pareceu absurdo
E me tirou de lá.
Bem na hora,
O ônibus não me acertou,
Nem a ele,
Mas, também não parou.
- estava sem freio pai,
Eu sabia,
Eu precisava ajudar.
Então, ele beijou minha cabeça
E chorou.
Abandonou a casa,
Fechou a boneca dentro
E queimou.
De longe,
Eu ouvia o choro da boneca,
Seus gritos e risos.
Sobrou fumaça,
Sobre os escombros
Corroídos pelo fogo
Restou Baby Jane
Com o rosto rachado ao meio,
Um olho fechado,
Os lábios abertos
A chorar,
E o bico queimou
Ao seu lado.
- meu Deus,
Ela vai chorar para sempre?
Indagou meu pai,
Ouvindo-a.
Minha mãe
Segurou no ombro dele.
- e parece se divertir.
Ela respondeu.

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