terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Separados Dentro de Casa


Ela o amava com toda a alma, mas algo não estava certo,

Algo dentro dela se recusava a aquela situação tensa,

O silêncio parecia tão sólido e tangível como o beijo esquecido,

Tentava conversar, se esforçar, entender o que se passava,

Mas os carinhos haviam escapado pelos vãos dos dedos,

O beijo havia perdido o gosto há muito tempo atrás,

 

Era como se o amor que um dia sentiram um pelo outro

Houvesse se acabado da mesma forma que começou,

Do nada, caindo no vazio que os separava um do outro,

Se perdendo nas lacunas da ausência do diálogo,

Os sonhos estavam mortos, o coração pulsava ao contrário,

O relógio pesava com seus ponteiros, parado no tempo,

 

Por mais que procurasse algo para falar não havia assunto,

Se em algum tempo tiveram, hoje não tinham mais nada em comum,

Nem um ponto em que pudessem se complementar,

Mesmo a cumplicidade de outrora, se um dia houve, estava extinta,

A dor de ver tudo que esforçou-se para dar certo se acabar,

Era dolorida, dilacerava sua alma, ela caía em lágrimas,

 

Mas, mesmo que estivesse ao seu lado, ele não a ouvia,

Mesmo que ela fizesse todo o esforço possível para falar,

Ele não a interpretava, nunca havia conseguido entende-la,

Seus instintos sempre falavam mais alto, mesmo à custa do sentimento,

Mesmo que para isso precisasse passar por cima de tudo,

Sujeito imaturo ela o definia, mas o convívio forçado feria,

Ela teria que juntar suas forças, tomar coragem e ir embora,

 

“Sobre terem se amado algum dia, acho que mudamos”,

Ela fez esforço para falar, não obteve êxito, ele não deu ouvidos,

“Como podemos ter caído neste percalço odioso?

Ver tudo que fomos e sonhamos olhar-nos através do espelho,

A contemplar-nos, como se nos visse do avesso,

Como se estivesse a rir dos nossos rostos sombrios?

 

Como se daquele tempo tivesse restado apenas o reflexo,

Isso me leva a pensar um pouco, um instante ao menos,

Será que um dia realmente chegamos a acreditar naquilo,

Nas juras, nas promessas, não sei quanto a você, mas a meu ver,

Tudo foi em falso, uma espécie de jogada do destino,

Em que acreditamos nos sair bem e hoje, cá estamos...”

 

Ele estava absorto na cerveja em seu copo,

Não objetou em nada, se ouviu algo não demonstrou,

Ela levou a mão impaciente ao rosto, esfregou-a no cabelo,

Depois soltou-a em um gesto de impaciência sobre o sofá,

 

Com um menear de cabeça percebeu que não tinha pelo que lutar,

Estava tudo acabado entre eles, e da forma como se encaminhava,

Nunca havia chegado a começar, quando uma relação não passa de uma ideia,

Não é posta em prática ela é tão nula quanto uma declaração nunca confessada,

 

Eles nunca estiveram em sintonia, nunca estabeleceram parceria,

Pareciam estranhos vagando por entre os cantos da casa fria,

Não havia confiança, entre as paredes, as mentiras ganhavam forma,

Nunca chegaram a serem confessadas diretamente por suas bocas,

E se o foram, ninguém fez questão de assimilar, não fazia mais sentido,

Fingirem comprometimento um com o outro estando separados,

 

A união entre duas pessoas nunca foi questão de formalidade,

Poderia ser resumido simplesmente como acordo de vontades,

Mas nesta relação, tudo teve alta voz, menos a vontade,

Escolheram traçar um caminho e embarcaram no primeiro trem,

Destino incerto, não tinha como ter outro ponto final,

Isso, de certa forma, reproduzia um alívio dentro dela,

 

Tornaria sua partida um pouco mais fácil, sem aquele gosto da derrota,

Já era difícil o bastante encarar os rostos bisbilhoteiros da vizinhança,

Mas uma pergunta ainda gritava em sua cabeça, insegura,

Se ele não sentia mais nada, por que a prendia daquela forma?

Por que ficava estagnado, como se desejasse controla-la?

Qual era o efeito daquele amor bandido, que não fazia nada além de ferir?

Seria o medo, seria assim tão difícil o temível fim?

 

Pensando bem, uma pergunta levava a outra, e todas, sem respostas,

Mas de algum modo teria que terminar, alguém teria que tomar a atitude,

Dizem que aquele que diz a frase final é quem carrega a culpa,

E ela sentia-se disposta a correr este risco e pagar a consequência,

Certa ou errada, não insistiria mais no sentimento que acabou a tempos,

E apenas prolongava uma ausência costumeira, o hábito do ostentar,

 

Para que quando perguntassem sobre o casamento pudessem falar,

“Está tudo bem conosco, quanto aos filhos está dentro dos planos”,

Não havia ligação alguma entre eles, tudo era forçado e doentio,

Nem um contato, a comida posta sobre a mesa não preenchia o vazio

Experimentando no vão da cama, abrigados em cobertas separadas,

Separados em suas cabeças, mas agarrados a quê? Uma ideia?

 

A ideia de que o que Deus uniu o homem não separa?

Que união é essa apregoada? A ideia de que o amor é o menor ingrediente,

De que o que dois jovens fazem na adolescência deve durar para sempre,

E a maturidade, a vivencia em suas mentes não conta para nada,

Quando foi que a conveniência se tornou fator principal para manter um casal?

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