Ela ouviu um bip no celular, deixou para lá,
Seja qual fosse o assunto pertencia ao seu marido,
Ela não iria se intrometer, poderiam ser assuntos do
trabalho,
Com certeza era, qual outro motivo seria?
Claro que já era tarde, mas trabalho é trabalho...
Porém, de longe avistou um nome brilhar na tela,
Meio nome na verdade, era um apelido,
As letras pulsavam sobre os seus olhos, atraindo-os,
Que celular insistente pensou ela, não para de vibrar,
Mas seu esposo estava ausente, preso a televisão,
Nem parecia escutar aquele som ensurdecedor,
Que chamaria a atenção até mesmo dos vizinhos lá fora,
Instantes após, uma ligação não atendida, um toque apenas,
Seria um sobreaviso sobre horas-extras? Ela havia notado
Suas chegadas cada vez mais tardias, mas ele estava sempre
tão exausto,
Por que ela iria importuná-lo com assuntos desnecessários,
Decidiu deixar de lado, foi até a cozinha lavar a louça do
jantar,
Após lava-la se dirigiu ao fogão para limpar,
Eis que a torneira começa a pingar, de início jorrava água,
Depois disso, alguns pingos esparsos, como se calculados,
- Amor, você já arrumou a torneira, a tanto tempo venho lhe
pedindo –
Na falta da resposta ela olhou para trás, procurando-o,
Ele quedou no sofá, inerte, descuidada ela queimou um dedo,
Sentindo sua pele fria frigir em ferro quente, levou-o aos
lábios,
Como se sua boca macia pudesse sugar a dor, afastando-a,
Mas, dessa vez ela errou, os lábios quentes apenas
amortizaram-na,
Passando uma sensação de dor maior ainda, como se espalhasse-a,
Em poucos passos ela pousou o dedo embaixo da torneira,
Sentindo sua dor passar com o cair dos pingos de água,
Não abriu-a, nem fechou, apenas deixou que escorresse sobre
ela,
Da forma que lhe convinha, cada pingo parecia alivia-la,
Ou atormentá-la, ela já não sabia precisar, recostou-se na
pia,
Como se lhe faltassem forças, seus esforços no decorrer dos
anos de casada
Pareciam nulos agora, foi o que ela sentiu quando foi extraída
dos seus pensamentos
De forma abrupta pelos roncos irônicos do marido, nem
acreditou que ele havia dormido,
E o celular insistente a vibrar, parecia que ia cair no
chão, quebrando-se em estilhaços,
Pegou-o, ele havia mudado a senha, por quê? Talvez em decorrência
dos colegas,
Eles sempre souberam as senhas um do outro, ele havia
esquecido de avisar,
Apenas isso, nada mais seria cabível de se pensar diante de
tudo que viveram juntos,
Ela lembrou-se de vê-lo esfregar o dedo na tela, com uma
tentativa encontrou a senha,
- Oi, gostei do café que tomamos hoje a tarde, me sinto bem
depois disso – leu ela,
E ainda havia um emoji de sorriso, o nome estipulado não
dizia muito,
Poderia ser masculino ou feminino, porém, o apelido era o
mesmo de sua prima,
Aquela que havia lhe presenteado com a saia rosa, que a
olhava encantada sempre que a via,
Presente o qual nem havia se destinado a ela, tinha sido
para sua tia, que recusou-a,
Que esta mensagem não signifique nada, é claro que não
significava, repetia para si mesma,
Trêmula, um casamento duradouro não se renderia por nada,
Ela soltou um argh de pura ironia, não conseguia evitar,
odiava mentiras,
Sua prima era casada, talvez fosse o esposo dela, mas o que iria
querer com seu marido,
É certo que a hora era inclusiva, embora nada sugestiva,
Nada mais natural que conversarem um com o outro, talvez
até...
Trocarem confidencias íntimas? Conversas de família deveriam
ser tratadas a luz do dia,
Preferencialmente, aos olhos de todos, do contrário seria ingênua
lamúria?
Quem é que havia definido hora para tratar de assuntos
familiares?
Ela notou que seu esposo andava esparso, distante, e até
diferente,
Aquela mensagem soou como um tapa em sua cara, aquele que
ela nunca ganhou,
Definindo-se no grunhido que saiu da sua boca, dissipando-se
no ar,
Porém, pairando em seus ouvidos, a repetir-se sem parar, ou
seria o ronco dele?
Ele dormia como se estivesse em outro lugar, ausente de suas
vidas,
Ela precisava manter-se calma, havia uma explicação
plausível que ela logo
Tomaria conhecimento, era melhor não tocar no assunto,
permitir que as coisas
Se desenrolassem, agora que estava com o fio da meada em
mãos,
Em algum ponto se desenrolaria e ela estaria lá para
testemunhar tudo,
Era comum as mulheres reclamarem entre si sobre seus
casamentos,
Mas ela nunca teve muito o que comentar sobre o assunto,
Só conhecia o seu próprio, como poderia opinar sobre outros?
Lembrava de que muitas sentiam-se traídas, mas ela sempre
julgou-as exageradas,
Faltava confiança na relação, ela dizia para elas, e repetia
para si mesma, repetia...
Mas neste instante, sentia o coração oscilar, parecia não
lhe dar ouvidos,
Suas mãos tremiam, e aquele maldito grunhido que não parava
de ecoar?
Ela desejou recostar-se em algo, mas as coisas estavam
disformes,
Nada mais era visível aos seus olhos, passou a mão sobre
eles e percebeu o motivo,
Estavam marejados em lágrimas, deixou o celular onde estava,
não deu resposta,
Ela precisava pensar, é certo que estava segura sobre tudo
que sentia,
O fato de sua prima manter conversas as escondidas, com seu
marido não faria diferença,
Se o outro casal passava por dificuldades, seu casamento não
passaria,
Ela o amava, o amor que nutriam um pelo outro carecia do
benefício da dúvida,
Não havia escolha, o amor sempre vence no final das contas,
A torneira ainda pingava, mas a dor havia sumido, ela
estaria amortizada?
Quando a dor da alma ultrapassa a dor física? Ela sempre
enfrentou as crises sem questionar,
Havia feito o seu melhor, não havia? Pegou o celular de
volta,
Como recusaria responder sua própria prima, - olá, que bom
que gostou- respondeu
Colocando o celular ao lado dele, depois andando com passadas
mecânicas
Até sentir-se colar na parede, apoiando-se com as duas mãos,
E de forma desolada, bateu de leve a cabeça na parede, sem
ferir-se,
Ela queria apenas sentir-se, eu te amo, repetiam seus lábios
e também
Seu coração, é claro, era isso que ele dizia, não era?
Então, o amor é isso,
Repetia ela, um sorriso estreitava em seus lábios, seguro,
No entanto, sua cabeça parecia não funcionar, ela falhava,
mas o amor não,
Ainda assim, ouviu um soluço sair dos seus lábios,
Vertendo
lágrimas sobre o seu sorriso desavisado.
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