Sim, compreendo, disse ele ao vê-la dar de ombros,
Com os olhos seguros como quem dizia, não sinto nada,
Ele sentia seu coração partir-se em mil pedaços,
Condenação prematura ao fracasso, sem lágrimas,
Quem iria permitir-se chorar a uma hora daquelas,
Ela tocou aquele trinco gelado, como deveriam estar seus
lábios,
De que outra forma estaria a boca que quebrou suas
promessas,
Que juntou todos os seus sonhos, pôs na mala e disse: vou
embora,
A mesma boca quente que dissera eu te amo, agora estava
fria,
E ainda assim, ele desejava toca-la, apenas mais uma vez
dizia,
Ela parou um pouco, olhou adiante, talvez fosse se virar,
Ainda brilhava uma esperança em sua alma, ela não o
deixaria...
Então, ela ficou um pouco mais de lado, ele pode
contempla-la,
Lembrar de cada abraço, da forma como dormiam juntos,
Juntou todas as suas forças e olhou no fundo dos olhos dela,
Não encontrou nada, confidenciou-se com seus olhos
assustados,
Não encontrou seus momentos felizes, as juras apaixonadas,
O esforço que ele fez para que ficassem juntos, inseguro,
Foi como ele se sentiu, com um frio a percorrer a espinha,
Afundou-se na poltrona, não ousaria levantar-se, como
poderia,
Suas forças esvaíram-se de suas veias e estavam todas nela,
Por mais que se esforçasse não conseguia acreditar na frieza
que via,
Ir embora, negar-se a tudo, com um dar de ombros sair de
suas vidas,
Nem mesmo um pedido de desculpas, mas também naquela altura,
Quem acreditaria em qualquer palavra que ela fosse falar,
Se colocava em um pedestal, quem iria alcança-la?
Lembrou dos últimos dias, de quantas vezes ela ficava vazia,
Como se fugisse dali e fosse parar em algum outro lugar,
Mas agora estava abastecida, roubara suas forças,
Deveria ser o bastante para sair para sempre, até nunca,
Ele quis dizer a ela, mas não teve a chance, ela já não os
pertencia,
Será que algum dia havia se entregado mesmo a este amor?
Ela fazia tantas cobranças, nada nunca fora o suficiente,
nada a preenchia,
Então de uma hora para outra, de forma desmedida, ela ficou
cheia,
Será que pretendia escrever uma historinha, fazê-lo de
idiota,
Cansar da vida lá fora, como sempre se cansava de tudo e
ainda querer ser recebida de volta?
Ela olhou para o chão, para as flores desenhadas em suas
unhas,
Ele se sobressaltou de emoção, será que agora ela o veria?
Estagnado, imóvel, cansado de lutar sozinho, agora ele
sofria,
Não desejava que ela o visse daquela forma, uma lágrima
teimosa,
Brilhou em seu olhar, e ousou ficar ali parada, será que
queria gesticular?
Desejava chamar a atenção dela, e agora, se ela o olhasse,
como esconderia?
Mas ela não olhou, continuou da forma que estava, segura em
si mesma,
Naquele instante ele soube que nada abalaria a sua
confiança,
Ela havia sido esculpida em pedra e assim ela permaneceria,
Abriu a porta, inquieta, gemeu como se estivesse a avisar
sobre sua saída,
Os lábios dele estremeceram, ela o olharia, ao fecha-la,
Falaria alguma coisa qualquer que pudesse guardar,
Já que levava no fundo falso da sua mala, os sonhos de uma
vida,
Mas não, ela não emitiu nenhum som, nenhum aviso, nada
mesmo,
Seu rosto agora era uma máscara de maquiagem, o dele, uma
ausência,
Ausência de um lugar para abrigar os sonhos perdidos,
talvez, concertá-los?
Será que se ela fosse tão longe, ele de alguma forma poderia
recriar,
Feito uma mágica, tudo aquilo que sonhou um dia, e que ela
carregou para fora?
Tocou em seu braço pedindo abrigo, quando queria extraí-lo,
E conseguiu o segredo dos seus sonhos, traçou um caminho,
Tirou-os de dentro dele dando vida de um a um, ao seu jeito,
Depois, cansou-se, pegou sua mala e seguiu outro caminho,
Ele levou a mão em concha e secou o suor do rosto molhado,
Embebido em um pranto inseguro, de quem estava sozinho,
Preso naquela poltrona, inseguro quanto a tudo, inclusive a
si mesmo,
Desejou acender um cigarro, tragá-lo, até algo preenchê-lo,
Até que a fumaça subisse aos céus e escondesse seus olhos,
A partir daquele instante, ele se negaria aos sentimentos,
Errou uma vez, depois duas, não queria errar de novo,
Era grotesco demais ser abandonado por quem mais amou,
Ver todas as juras ditas, silenciarem dentro de si mesmo,
Ecoarem dentro do vazio crescente do seu peito, morte
premeditada,
Como ele fora um tolo ao ousar falar de sonhos em alta voz,
Agora a cada vez que saísse daquela poltrona os veria
retornar na sua cara,
E quando ousasse sorrir, feliz por recordar os bons
momentos,
Se veria sozinho, não haveria nada em que pudesse se
confortar,
Até mesmo os segredos silenciados seriam jogados contra o
seu rosto,
Sentia seu sorriso desfazendo-se, não haveria nada em que se
agarrar?
Agora que todos conheciam sobre o amor em que ousou
acreditar,
Receberia apenas o eco no instante em que todos estivessem a
recordar,
Talvez, com alguma intervenção divina alguém tivesse
acreditado nele,
E quem sabe, passasse por sua porta a devolver-lhe o que foi
tirado,
Sobraria algo de bom de tudo aquilo, não sobraria?
Talvez, dela, nunca mais tivesse notícias, ela era decidida,
Por que voltaria, depois de abandoná-lo, usurpando suas
forças?
Mas, ele queria, ao menos por um pouco, se agarrar as
memórias,
Desejou, naquela hora, que ao menos isso não fosse tirado,
Seria difícil receber dos seus sonhos, apenas o eco jogado
em seu rosto.
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