sábado, 24 de maio de 2025

Fim do Show

Início de outro show,
As mãos estão suadas
Como se fossem os anos noventa,
Eu olho para o meu guitarrista
E lhe confidencio:
“ Cara, há tanto que saímos
Dos anos noventa,
Mas este coração acelerado
Em meu peito
Parece ignorar.”
Eu aponto para ele
Minha camiseta preta suada,
Aos saltos,
Como se fosse minhas baquetas
Sobre a bateria.
Ele riu
E diz:
“Cara, seu filho
Está para vir,
De repente é ele aí.”
Eu sorrio para caramba,
Meu amigo,
Parceiro de banda
Não poderia estar
Mais ausente do mundo.
Por certo,
Estamos todos os quatro
Com minha esposa,
Ela realmente está
Nos últimos dias de recebermos
Meu garoto no colo.
Subo as escadas,
Corro pra bateria,
Bato forte e intenso,
Chamo a atenção do público,
Faltam uns minutos
Para o horário do show,
E quem se importa
Nós fazemos o som
E não a algazarra...
Eu me sento,
Por vezes,
É como se eu não estivesse ali,
Como se este show,
O primeiro e o único
Fosse encerrar sem ter um fim,
Fosse me brindar alguns minutos,
Tirar um tempo do ingresso
Do público que pula e grita
Por minha banda.
Eu sinto o orgulho
A pulsar nas veias,
Posso ver seus olhares angustiados,
Doidos por nosso som.
Mas, neste dia,
Eu busco,
E não consigo encontrar,
As batidas ressoam
No automático,
E vejo minha esposa,
Sua barriga grande,
E pareço ter nosso menino.
Então, começa o show,
De um a um,
Os três garotos iniciam
Seus ritmos,
Eu perco minha touca preta,
Me levanto assustado,
Sinto no coração um chamado.
Quando subo no palco
A energia é tão intensa
Que sempre que busco algo,
Seja uma esperança,
Um apoio,
Eu encontro na plateia.
Mas desta vez,
Eu abro os olhos
Com força,
As luzes estão intensas,
Meu coração bate
Mais forte que a bateria,
Por mais que eu busque,
Por hoje,
Não está ali.
Minhas pernas tremem,
Eu teria corrido dali,
Eu teria fugido,
Feito qualquer ato de loucura
Tivesse tido forças
Para dominar minhas pernas.
Por sorte,
Os braços pulsavam
Intensos e salteadores,
Saltaram sobre todos
Aqueles pequenos tambores,
Eu já não me continha,
Muito menos era dono de mim,
Havia algo mais forte,
Mais poderoso e estava perto,
Contudo, não estava ali, ainda.
Os amigos,
Notaram meu nervosismo,
De um a um
Vieram tocar em meu braço,
Eu olhei
“ São meus parabéns, isto?”
Mas os caras são focados.
Nenhum deles lembrava
Lá de fora,
Estavam no auge,
Tocando nossas melhores músicas,
Eu não podia conte-los,
Mas lágrimas em meus olhos
Me obrigaram a reprimi-los.
Eu baixei as baquetas
Sobre um dos tambores,
Me virei de lado,
Soltei minha cabeça
Sobre meus joelhos,
Depois, me levantei e saí.
O povo aplaudiu,
Depois vaiou,
Eu fui ao carro,
Depois liguei a ignição
E parti feito um doido
Para o avião.
Foi assim,
Eu deixei todos na mão.
Cheguei em casa
O mais rápido que pude,
Havia uma carta
Pendurada no lado
De fora da porta.
“ Estou na maternidade,
Não quis te importunar avisando.”
Poxa, minha esposa
É doida
Ou algo desta espécie
Eu pensei,
E corri até onde ela estava.
Chegando ao hospital,
Não foi difícil encontra-la,
Ela estava amamentando
O menino,
Eu corri até ambos.
Peguei o garoto no colo,
Sorri,
Liguei o celular,
Os garotos atenderam,
Ainda estavam no palco
Me esperando.
“ Cara, onde você está?”
Vociferaram aos berros.
Então, eu mostrei nós três,
Fomos transmitidos no telão,
Eu, minha esposa e nosso filho.
“ Vejam, nasceu, é um meninão.”
Eu gritei alto.
O povo aplaudiu.
Os rapazes aplaudiram,
Desceram do palco,
Vieram direto para onde
Estávamos.
O show foi remarcado
Para data provável.

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